Quando formos todos velhos ou um mercado melhor para a melhor idade

Rosiane Pacheco
3 min readJul 15, 2015

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Segundo dados do IBGE, nos próximos 20 anos, a população acima dos 60 anos vai mais do que triplicar. Estima-se, também, que a expectativa de vida passe dos atuais 75 anos para 81 anos de idade. Isso quer dizer que, nos próximos anos, teremos mais pessoas maduras e idosas do que pessoas jovens.

E qual é o impacto disso?

No mínimo, uma mudança total.

Há várias décadas, notamos o quanto a sociedade ocidental tem dificuldade para tratar o diferente do padrão. E isso está culturalmente determinado, em grande parte, pelo consumo. A indústria do consumo vende juventude, predominantemente. Não qualquer juventude, mas a branca, magra, ativa, heteronormativa, rica.

Com isso, várias agendas ficaram, por anos, igualmente desassistidas. E a agenda da pessoa idosa é uma delas. Talvez uma das mais ironicamente ignoradas, já que é praticamente impossível, na vida da maioria das pessoas, que não se faça parte dela.

Esse novo prognóstico vai implicar necessariamente em mudanças. Inclusive, porque uma mudança importante com relação ao perfil dessas pessoas já está acontecendo. As pessoas estão mais longevas porque têm uma melhor condição de vida, o que quer dizer que elas têm mais saúde, mais disposição. Muito provavelmente, teremos uma geração de pessoas mais ativas em todos os sentidos.

Por outro lado, uma pirâmide social com menos jovens significa que teremos que pensar em um novo contingente de produção de recursos. O que implica em manter essas pessoas mais produtivas por mais tempo. E para manter pessoas mais velhas ainda em produção, precisaremos repensar em toda essa cadeia de produção, inclusive e, principalmente, a sociocultural.

Porque a pessoa madura tem necessidades diferentes, em todos os sentidos. Teremos que pensar em transportes com degraus mais baixos, e também teremos que treinar melhor os motoristas, para terem mais cuidado com eles.

As ruas precisarão ter passeios mais bem cuidados, com menos percalços que dificultem os passos. Os tempos dos sinais precisarão ser mais longos.

Nos estabelecimentos e nos locais de trabalho, as rampas terão mais destaque que as escadas. As cadeiras precisarão ser um pouco mais altas, para facilitar o ato de se levantar. Os elevadores terão um tempo maior de espera para o fechamento das portas.

Teremos que adaptar o design das sinalizações para as vistas cansadas. Os celulares precisarão de teclados maiores, de telas mais iluminadas, e, com certeza, de uma experiência humanizada, intuitiva.

E todos nós precisaremos rever nossos preconceitos.

Porque seremos, nós, a maioria das pessoas a quem se destinam os produtos. E, por consequência, a propaganda deles. E talvez nos importemos mais em não nos vermos representados em nada. Ou, em nos vermos representados como um sujeito sem atrativos, um sujeito ultrapassado. Quem sabe teremos que aceitar (e nos orgulhar) de nossos cabelos brancos. Teremos que aceitar nossa silhueta modificada pelo tempo, nosso organismo com ritmo mais lento, nossos sentidos mais apurados, mas também mais gastos. Teremos que aceitar nosso metabolismo e nossas limitações e conseguir, enfim, entender que não, a idade não nos limita, pelo contrário, ela nos torna melhores. Mas aí a verdadeira revolução vai ter que acontecer. Vamos ter que aprender a valorizar coisas que tudo em nossa volta conduz para o nosso esquecimento: nossas capacidades, nosso intelecto, nossas qualidades interiores.

Enfim, teremos que nos haver com algo mais que a nossa imagem no espelho. Teremos que nos haver com aquilo que mais nos identifica como seres humanos: a nossa transitoriedade constante.

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Rosiane Pacheco

If a bullet should enter my brain, let that bullet destroy every closet door. Harvey Milk