Coronavírus e Gravidez: O Que é Importante Saber?

Renato Sabbatini
Medsfera
Published in
6 min readMar 24, 2020

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Grávidas são mais susceptíveis a infecções respiratórias e podem estar doentes durante a gravidez e o parto.

Renato M.E. Sabbatini, PhD, FIAHSI

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Frente à pandemia de coronavírus que se espalha pelo Brasil e muitos outros países, é compreensível que todas as mulheres grávidas, em diferentes estágios da gestação, estejam ficando preocupadas.

São perguntas como: Se eu pegar o vírus, o desenvolvimento do feto vai ter problemas? Ele vai nascer doente, também? Se o meu parto ocorrer durante a epidemia, em um hospital cheio de gente com o COVID 19, estarei correndo riscos? Durante o parto eu corro algum risco maior de pneumonia, de parar na UTI, de morrer? O parto cirúrgico (cesárea) é muito arriscado? Posso optar por ter meu nenê em casa? Devo me isolar durante e após a gestação?

Eu não sou ginecologista ou obstetra, de modo que acho altamente recomendável para quem está grávida que entre em contato e peça orientações profissionais. Mas, na qualidade de profissional de saúde e divulgador científico nesta área, vou tentar passar algumas informações que estão sendo veiculadas nas publicações médicas especializadas, baseadas em evidência científica sólida.

Existem várias maneiras de tentar responder essas perguntas, pois apesar de já termos centenas de milhares de casos de COVID 19 no mundo, ainda não foram publicados muitos dados sobre a gravidez durante a epidemia, tendo a gestante ficado com a doença ou não. Ao final deste artigo resumirei a experiência dos tocoginecologistas chineses com os poucos casos que trataram.

Do ponto de vista biológico, o organismo materno está sujeito a um número muito grande de alterações orgânicas ao longo da gestação e, principalmente, nos pontos críticos que são o parto e o pós-parto, período que denominamos de puerpério (do latim “puerus”, criança, e “peri”, ao redor de). Algumas mulheres estão sujeitas a contrair doenças específicas, como diabetes gravídica (aumento do açucar no sangue e nos tecidos), hipertensão arterial (que pode levar à pré-eclâmpsia prenatal, uma condição por vezes fatal), deslocamentos da placenta, anormalidades de nutrição e de circulação sanguínea do feto, infecção puerperal, entre outras.

O parto, seja normal ou cirúrgico, é uma experiência que testa os limites da mãe, com bruscas alterações fisiológicas, sangramento, estresse emocional, muita dor, duração prolongada do trabalho de parto, ou a necessidade de fazer uma cesárea ou mesmo uma pequena cirurgia no períneo. Portanto, recomenda-se fazer exames prenatais periódicos e detalhados, e ter o parto em um hospital, com acompanhamento médico. Além disso, várias doenças sistêmicas, como infecções, e a necessidade de fazer uma cirurgia, quimioterapia, ou tomar medicamentos não recomendados para grávidas, podem ocorrer.

Tudo isso coloca a grávida e seu(s) feto(s) em um risco maior do que outras pessoas saudáveis, no caso de uma infecção por coronavirus. É sabido que a grávida tem maior susceptibilidade e reage de forma mais grave a infecções respiratórias (5 vezes mais óbitos do que mulheres não grávidas). É importantíssimo, portanto, que a grávida se isole socialmente e se proteja contra infecções, seguindo rigorosamente as medidas recomendadas de higiene, principalmente se estiver no fim da gravidez, e se a DPP (Data Provável de Parto) for cair ainda dentro da duração prevista para a fase mais aguda da epidemia.

Isso se aplica também aos exames pré-natais. Provavelmente, como muitos consultórios de obstetras fiquem fechados durante a quarentena obrigatória, a grávida terá maior dificuldade de realizar seus exames periódicos de ultrassom e exame físico presencial, que são essenciais para garantir um bom acompanhamento e decisões clínicas baseadas nessa avaliação. No entanto, se isso acontecer, mesmo assim ela deve tentar manter o contato com o médico para acompanhamento via teleconsulta, para evitar ter que sair de casa e ter contato com outros pacientes nas salas de espera.

O que a experiência chinesa, que teve o maior número de casos reportados até agora, nos diz a respeito? Em uma análise de 35 grávidas que foram infectadas, todas as em estado infeccioso no terceiro trimestre da gestação tiveram parto cirúrgico, menos uma, sem problemas. As crianças foram testadas ao nascimento e não ficaram positivas para o vírus. Até o momento, esses dados muito limitados da China não mostraram maior risco de aquisição ou gravidade do COVID-19 em mulheres grávida,s em comparação com outros adultos.

Dados de nove mulheres em seu terceiro trimestre com COVID-19 sugerem que uma infecção grave perto do final da gravidez pode afetar o tempo e a via de parto. Em duas das pacientes os fetos desenvolveram síndrome de sofrimento, e em dois casos houve ruptura prematura da bolsa. No entanto, não se sabe se isso foi realmente devido à pneumonia do Cov2.

Devido ao número pequeno de casos, não sabemos ainda se o parto via vaginal envolve um maior risco do que o cirúrgico para a mãe e para o bebê. Teoricamente, evitar o grande esforço materno no parto vaginal, acompanhado de fadiga e exaustão, seria o melhor, recorrendo então ao parto cirúrgico, que evitaria isso. No entanto, a anestesia geral via respiratória dessas gestantes no parto é problemática se ela estiver com pneumonia.

A transmissão da doença da mãe para o recém-nascido após o nascimento, através do contato com secreções respiratórias infecciosas, é uma preocupação e ocorreu em dois casos nesse estudo chinês. Para reduzir o risco dessa transmissão, a equipe de saúde pode recomendar a separação temporária da mãe de seu bebê, em caso suspeitos ou confirmados de COVID-19.

Como fazer durante a amamentação, ela pode ser feita por uma mãe infectada, ou não é recomendada? Embora não haja evidências de que os vírus da mãe infectada sejam transmitidas pelo leite, o contato durante a amamentação é potencialmente perigoso para o bebê recém nascido, já houve vários casos que provocaram dificuldades respiratórias na criança. Se se decidir pela amamentação, a mãe deve fazer uma higienização muito completa do suas mãos, braços, colo, seios, pescoço e rosto e usar uma touca para cabelo, um avental estéril e uma máscara cirúrgica antes de amamentar. O certo porém, seria extrair o leite com uma bombinha depois de higienizar os bicos dos seios e alimentar o bebê assim, com mamadeira.

Ao meu ver, acho que as-maternidades deveriam ser isoladas do restante das operações de combate à epidemia, e receber apenas grávidas testadas e negativas para o coronavírus, e se positivas, em enfermarias especiais isoladas. Não é recomendada a atenção à grávida em hospitais gerais onde infectados em grande número estejam sendo atendidos nos ambulatórios, pronto socorro e internação.

Embora muitas mães não infectadas sejam tentadas a realizar o parto em casa, em vez de no hospital, ele não é recomendado pelos especialistas, pois a possibilidade de ter complicações e não ter recursos para a atenção imediata é um perigo real. No entanto, cada caso é diferente, e deve ser avaliado cuidadosamente pela equipe que atende à futura mãe.

Referência:

Yang, H. et al. Novel coronavirus infection and pregnancy. Opinion. Ultrasound in Obstetrics & Gynecology. ISUOG: International Society of Ultrassound in Obstetrics and Gynecology, 05 March 2020: https://obgyn.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/uog.22006

O Autor:

O Prof. Renato Marcos Endrizzi Sabbatini é cientista biomédico, graduado e doutorado (Fisiologia) pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), Brasil. Tem 51 anos de experiência como docente nesta Faculdade e também na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Recebeu o Prêmio José Reis de Divulgação Científica do CNPq em 1994 e tem mais de 2.000 artigos de divulgação publicados em muitos jornais, revistas, livros, blogs, sites e outras mídias. Contato: renato@sabbatini.com

ORCID: 000–0003–4886–7298

Como Citar Este Artigo:

Sabbatini, Renato M.E.: Coronavírus e Gravidez: O Que É Importante Saber? Revista Medsfera. Publicado em 24/5/2020: . Disponível na Internet. URL: https://link.medium.com/ewm3o4HBreb

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Renato Sabbatini
Medsfera

I am a Brazilian biomedical scientist, researcher, writer, educator and consultant in IT in medicine and health.