A dor do abandono

Reflexão/Análise de músicas de Steven Universo: O Filme

vini
5 min readSep 22, 2024

Obs: Ouvir as músicas ao serem mencionadas no texto torna a experiência mais imersiva, então, se quiser, deixei o link do vídeo de cada música anexada aos títulos que estão sublinhados, por exemplo: “Drift Away"

O filme de Steven Universo me marcou de tantas formas, especialmente pela história da personagem Spinel e por três músicas que capturam sua trajetória melancólica — “Drift Away”, “Other Friends” e “Found” — elas me fizeram refletir sobre a complexidade das relações humanas, o sentimento de abandono, o desejo de pertencimento e o processo de cura emocional. Desenhando um arco narrativo profundo, que vai do abandono e ressentimento à aceitação e ao renascimento emocional.

Para inicio de conversa, é preciso falar um pouco sobre as duas personagens que vão ser mencionadas durante o texto: Diamante Rosa e Spinel. Diamante Rosa é uma das 4 Diamantes, líderes de um povo extraterrestre, e, em sua corte existia uma serva chamada Spinel, que era uma espécie de boba da corte ou amiga de brincadeira, como as outras Diamantes citam, que existia para entretê-la.
Diamante Rosa era a líder mais nova e inexperiente, por isso passava boa parte do seu tempo se entretendo com Spinel, no jardim e em bailes cerimoniais, mas Rosa sempre quis uma colônia, até que um dia ela ganhou a primeira, a Terra. E é aí que tudo desanda e culmina em Drift Away

Essa 1° música se passa no jardim em que Rosa e Spinel brincavam. Rosa ganha a Terra e logo perde interesse pelo entretenimento de Spinel, e, não querendo magoá-la, inventa uma brincadeira onde deve-se manter parado e assim, a Diamante vai se afastando e nunca mais retorna ao local. O egoísmo, inconsequência e falta de consideração da Diamante Rosa dá um texto ENORME, mas isso é assunto para outra análise, já que a vida dela tem tantas reviravoltas e detalhes que mostram que ela não é a coitadinha, mas também não é a megera que parece ser. Para mim, ela é a personificação do processo de evolução humano.

Voltando a ”Drift Away”, canção em que Spinel expressa sua dor diante do abandono. Aqui, vemos o retrato de um relacionamento unilateral, onde ela fica esperando e se sacrificando por alguém que a deixa para trás. O tom melancólico e submisso da letra evidencia a longa espera por reciprocidade que nunca veio. Isso me faz pensar em quantas vezes, nos apegamos a relacionamentos e pessoas que não retribuem o que oferecemos, e como demora para percebermos que estamos sozinhos, presos em um ciclo de expectativas não atendidas. A dor da traição e do abandono aqui é avassaladora, mas também há uma tristeza contida ao ver a pessoa que amamos se afastando, quase como uma aceitação dolorosa de que o fim já chegou.

A dor nos transforma, ela pode gerar uma indignação, ressentimento e fúria que nos transfigura, tal qual aconteceu com Spinel, pois, quando não sabemos lidar com a perda e com a traição, ela nos mune de armas que podem causam estragos ao nosso redor. Agora em “Other Friends”, ela parte para Terra em busca de explicações e vingança.

É interessante como a 2° canção revela o impacto que o abandono pode causar: Spinel se sente excluída, substituída por outros amigos, e isso alimenta seu desejo de revanche. A pergunta recorrente “O que ela disse sobre mim? O que vocês fizeram sem mim?” é uma ferida aberta, um desejo de entender por que foi descartada. Quando nos sentimos traídos, muitas vezes projetamos nossa dor em quem nos cerca, sem perceber que o verdadeiro confronto deve ser interno, com nossos próprios sentimentos. Spinel se vê como uma perdedora de um jogo no qual os outros amigos de Rosa nem sabiam que estavam participando, algo que muitas pessoas podem se identificar quando se sentem deixadas para trás sem explicação.

Finalmente, em ”Found”, vemos o início de um processo de cura. Steven (filho da Diamante Rosa) oferece a Spinel uma nova perspectiva: a chance de recomeçar, de encontrar alguém que a trate melhor. Essa música marca a transição do ressentimento para a aceitação de que é possível encontrar novos significados e relacionamentos, e que o amor pode ser redescoberto. O reconhecimento de que todos podemos ser encontrados e valorizados por quem realmente nos aceita é um ponto crucial. Spinel começa a ver que seu valor não está vinculado àqueles que a abandonaram, mas sim àqueles que a desejam por perto e a tratam com carinho e respeito, e que a única pessoa que pode ditar seu valor é ela mesma.

Isso me faz lembrar a fala da psicóloga Maria Nogueira, de que a pessoa que amamos não é a fonte do nosso amor, é apenas receptora da expressão do amor que cultivamos dentro de nós. Pessoas vem e vão da nossa vida, e, ao uma ir embora, isso não remove o amor que há em nós, pois ela era uma receptora, não a origem da expressão do nosso amor. Logo, continuamos sendo capazes de amar. Nunca devemos nos esquecer de cuidar da fonte e manter-nos receptivos para utilizar essa capacidade de amar outras coisas e outras pessoas, independente de quem esteja ao nosso lado.

No fim, esse ciclo de abandono, mágoa e cura é algo profundamente humano. Às vezes, somos deixados para trás, e a dor disso pode se manifestar de formas negativas, como a raiva e o ressentimento. Mas há sempre a possibilidade de encontrar cura, de se reerguer e abrir o coração para novas conexões.

Sentir a dor é importante, então deixe-a te atravessar, mas não que permaneça em você e te apodreça por dentro. Viver preso à dor é como entregar o poder de sua vida a alguém que já não faz parte dela, permitindo que, mesmo ausente, essa pessoa continue a controlar e destruir o que você constrói. “Found” sugere que não estamos condenados a viver presos em nossa dor. Sempre há um caminho para nos sentirmos encontrados novamente, seja por outros, ou por nós mesmos.

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