Proposta de Nova Ortografia: Simplificação e Modernização do Português Brasileiro
Observações sobre o seguinte texto:
Palavras correntes do português, ou referências de pronúncia usando a ortografia corrente, quando apresentadas como exemplos, são colocadas entre aspas (“exemplo”), enquanto palavras usadas como exemplo usando a ortografia proposta são colocadas em itálico (exemplo). Neste texto também uso o alfabeto internacional fonético (entre barras, /exemplo/) para indicar com mais especificidade fonemas/sons [leia mais sobre em: Alfabeto Internacional Fonético (Wikipedia); Fonologia da Língua Portuguesa (Wikipedia)].
Neste artigo, apresento uma proposta de reforma ortográfica para o português brasileiro, com o objetivo de simplificar e modernizar sua escrita por meio de uma abordagem mais fonética. Proponho que, predominantemente, cada letra corresponda a um único som. Para tanto, sugiro a adoção de um alfabeto oficial composto por apenas 22 letras, apresentando algumas modificações em relação ao alfabeto tradicional e eliminando o uso de letras que não refletem a pronúncia ou que são redundantes.
O alfabeto proposto é: A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O, P, R, S, T, U, V, X, Z. Cada letra seria denominada respectivamente como: a, be, ce (“quê”), de, é, éfe, ge (“guê”), ha (“rá”), i, jóta, éle, eme, ene, ó, pe, ére, ése (“ésse”), te, u, ve, xis, ze.
Modificações específicas:
- C representaria consistentemente o som /k/ (“casa”, “castelo” = caza, castélo), substituindo o uso de “c” para o som /s/ por s (“céu”, “cílio” → séu, sílio).
- G representaria sempre o som /g/ (“gato”, “pagar” = gato, pagar), e onde “g” precede “e” ou “i” com som /ʒ/ seria substituído por j (“gigante”, “gente” → jigante, jente).
- R representaria apenas o “r coronal” (que dependendo do sotaque pode ser /ɾ/, /r/, /ɹ/ ou /ɻ/) encontrado como “r simples” no meio de palavras (“caro”, “touro”) ou ao final de sílabas (“garfo”, “par”), onde não haveria alteração nessa letra (caro, touro, garfo, par). A letra H representaria o som de “r dorsal” (que dependendo do sotaque pode ser /χ/, /x/ ou /h/) nos casos onde o “r” inicia uma palavra (“rato”, “rei”) ou palavras com “r duplo” (“carro”, “gorro”), onde na nova ortografia essas palavras seriam escritas com h (hato, hei, caho, goho). É importante dizer que alguns sotaques do português brasileiro podem ter outras variações em relação aos sons dessas letras h e r que podem ser contemplados utilizando variações regionais com uma escrita alternativa para essas palavras, como por exemplo, em regiões onde o “r” final de uma palavra é pronunciado como um “r dorsal” (garfo ↔ gahfo), ou em locais onde o “r” no início de uma palavra é pronunciado como um “r coronal” (hato ↔ rato). Uma grafia padrão pode ser estabelecida, mas escrever variações regionais dessas palavras não precisaria ser considerada incorreta.
- -L ao final das sílabas (pronunciado como /w/) é substituído por -u formando assim um ditongo com a vogal precedente (“mel”, “tal” → méu, tau). Neste caso em específico, o plural dessas palavras (“-is” ao invés de “-us”) é mantido e deve ser memorizado (méu — méis, tau — tais).
- S indicaria unicamente o som /s/ (“saco”, “sopa” = saco, sopa) e onde “s” possui o som /z/ seria substituído por z (“casa”, “asa” → caza, aza).
- X teria sempre o som /ʃ/ (“xícara”, “xô” = xícara, xo) e nas instâncias onde “x” possui o som /s/, ou o som /z/ ou o som /ks/, seria substituído por s, z ou cis (i átono), respectivamente (“experiencia”, “exploração” → esperiensia, esplorasâun; “exemplo”, “exame” → ezemplo, ezame; “oxido”, “fixo” → ócisido, fíciso).
- A letra “ç”, assim como as combinações “ss”, “sc”, “sç” e “xc” não seriam mais utilizadas nesta nova ortografia já que todas representam o mesmo som /s/ (“ação”, “canção” → asâun, cansâun; “passar”, “gesso” → pasár, jeso; “ascender”, “crescer” → asendêr, cresêr; “nasça”, “cresça” → nasa, cresa; “excelente”, “exceto” → eselente, eséto).
- As letras “k”, “q”, “y” e “w” (ca, cue, ípisilon e dabliu) seriam excluídas do alfabeto oficial, reservadas apenas para palavras estrangeiras não adaptadas ao português brasileiro.
Dígrafos:
- O dígrafo “ch” seria substituído por x (“chá”, “churrasco” → xa e xuhasco).
- Os dígrafos “lh” e “nh” seriam substituídos por li e ni (i átono), respectivamente (“alho”, “bolha” → alio, bolia; “ninho”, “linha” → ninio, linia).
- O dígrafo “qu” mudaria para c quando o “u” é mudo (“quero”, “queijo” → céro, ceijo) e para cu quando o “u” é pronunciado (“qual”, “quando” → cual, cuando).
- O dígrafo “gu” seria substituído por g quando o “u” é mudo (“guerra”, “guilhotina” → geha, giliotina) e por gu quando o “u” é pronunciado (“linguiça”, “lingua” → linguísa, lingua).
Ditongos, Tritongos e Hiatos:
A proposta define as letras a, e e o como vogais fortes e i e u como vogais fracas, isso porque quando em conjunto com uma vogal forte (seja precedendo-a ou seguindo-a) as vogais i e u são reduzidas para semi-vogais (/j/ e /w/), caso estas últimas não estejam marcadas com um acento agudo [veja: Tônica, logo abaixo], formando assim um ditongo.
Os ditongos decrescente (onde a voga fraca se encontra no final) são: ai /aj/, au /aw/, ei /ej~ɛj/, eu /ew~ɛw/, iu /iw/, oi /oj~ɔj/, ou /ow~ɔw/, ui /uj/ e uu /uw/ (por exemplo em suu ← “sul” e consuu ← “cônsul”). Os ditongos crescentes (onde a vogal fraca se encontra no começo) são: ia /ja/, ie /je/, io /jo/, ua /wa/, ue /we/ e uo /wo/.
Isso vale também para o encontro vocálico de três vogais (tritongo) onde há uma vogal frac + vogal forte + vogal fraca: iai /jaj/, iau /jaw/, uai /waj/, uau /waw/, iei /jej~jɛj/, ieu /jew~jɛw/, uej /wej~wɛj/, ueu /wew~wɛw/, ioi /joj~jɔj/, iou /jow~jɔw/, uoi /woj~wɔj/, uou /wow~wɔw/.
Nasalização:
A nasalização ocorre toda vez que uma vogal ou ditongo encontrasse numa mesma sílaba que termina em uma consoante nasal (-n, -m-). Os ditongos nasais em português, atualmente representados por: “ãe”, “ãi”, “ão”, “õe”, seriam substituídos pelas grafias ain, ain, aun e oin, respectivamente, eliminando assim o uso do sinal diacrítico til (“mãe” → main, “cãibra” → caimbra, “pão” > paun, “põe” > poin).
Tônica:
- Em regra geral a tônica (a sílaba/vogal com a pronúncia mais forte da palavra) cai na penúltima sílaba de uma palavra, ou na primeira sílaba de uma palavra com duas sílabas (dissílaba) ou na única sílaba de uma palavra com apenas uma sílaba (monossílaba); nesses casos, as vogais a, i e u, assim como as vogais e e o fechadas (/e/, /o/), não são acentuadas (“pa-re-de”, “te-le-fo-ne” = pa-re-de, te-le-fo-ne; “me-sa”, “fo-lha” = me-za, fo-lia; “de”, “lá” = de, la). No entanto, quando as vogais e e o forem abertas (/ɛ/, /ɔ/), estas seriam acentuadas com o acento agudo (“pe-ça”, “car-ro-ça” → pésa, cahósa).
- Nos demais casos onde a tônica cai em outra sílaba que não as mencionadas anteriormente, o acento agudo seria mantido como sinal tônico para a, i e u (“ár-vo-re”, “ma-ra-cu-já” = ár-vo-re, ma-ra-cu-já), assim como para e e o quando estes são pronunciados de forma aberta (“ca-fé”, “pró-lo-go” = ca-fé, pró-lo-go), e o acento circunflexo é usando quando estes são pronunciados de forma fechada (“êx-ta-se”, “ô-ni-bus” = ê-cis-ta-ze, ô-ni-bus).
- Vogais tônicas nasais encontradas fora da regra geral são sempre acentuadas com o acento circunflexo (“pân-ta-no”, “car-me-sim” = pân-ta-no, car-me-zîn).
- Quando a tônica cai em um i ou u que precede ou segue uma outra vogal (o que normalmente formaria um ditongo) esta recebe o acento agudo para indicar que este é um hiato (“sa-í-da”, “sa-ú-de” = sa-í-da, sa-ú-de).
- No caso dos ditongos ui ou iu serem tônicos, mas um ditongo crescente, o acento agudo é usado na última vogal (uí /wi/, iú /ju/), como em linguísa.
- Em palavras (geralmente estrangeiras adaptadas para o português) onde a vogal tônica é seguida por uma consoante nasal, mas não é nasalizada, ou palavras que possuem um encontro vocálico entre uma vogal forte e uma vogal fraca seguidas por uma consoante nasal, mas não formam um ditongo nasal, o acento agudo é usado ao invés do circunflexo (án, én, ín, ón, ún, áin, éin, óin).
- Opcionalmente o sinal tônico também poderia ser empregado em interjeições como: á!, ô!, ó!, ân? ou háháhá!.
Outras Mudanças:
- O “-m” ao final das palavras de seria substituído por -n (“bom”, “porém” → bon, porêin).
- Um i átono seria inserido em consoantes mudas como em “subtítulo” → subitítulo, “dignidade” → diginidade, “psicologia” → pisicolojía, “ctônico” → citônico, pneumático → pineumático e mnemônico → minemônico.
- O acento grave não seria mais aplicado para marcar a crase, ao invés disso aplica-se o apóstrofo (“à” → a’, “às” → a’s, “àquele” → a’cele). Este também pode ser utilizado em outros casos informais onde há elisão e supressão de um fonema, como é encontrado no português corrente na contração “d’água” = d’agua.
- A letra â pode ser usada para representar a vogal tônica ao se transcrever sons de vogais medianas de outras línguas que não são comuns no português (/ɐ/, /ə/, /ʌ/, etc.).
Gênero Neutro:
- Seria introduzida uma forma neutra para palavras biformes (onde se usa o final “-o” para o masculino e “-a” para o feminino), utilizando o final -e (menino, menina e menine; gato, gata e gate). Os artigos neutros correspondentes seriam ei e eis para os artigos definidos (ei menine, eis gates), e ume e umes para os artigos indefinidos (ume menine, umes gates).
- Os pronomes elu e elus seriam adotados como a forma neutra do pronome pessoal da terceira pessoa do singular e plural (complementando os pronomes masculines ele/eles e os femininos éla/élas).
Este conjunto de reformas visa a uma ortografia mais intuitiva, alinhada com a fonética, buscando facilitar tanto o aprendizado quanto a escrita correta do português brasileiro.
Reconheço que tais mudanças representam um desvio significativo das práticas ortográficas atuais, requerendo uma adaptação cuidadosa por parte dos falantes da língua.
Exemplo 1
CANSAUN DO EZÍLIO
Minia téha tein paumeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, ce ací gorjeiaun,
Naun gorjeiaun como la.
Nóso séu tein mais estrelas,
Nósas várzeas tein mais flores,
Nósos bósces tein mais vida,
Nósa vida mais amores.
En sismár, sozinio, a’ noite,
Mais prazêr eu encontro la;
Minia téha tein paumeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minia téha tein primores,
Ce tais naun encontro eu ca;
En sismár sozinio, a’ noite
Mais prazêr eu encontro la;
Minia téha tein paumeiras,
Onde canta o Sabiá.
Naun permita Deus ce eu moha,
Sein ce eu vóute para la;
Sein ce disfrute os primores
Ce naun encontro por ca;
Sen c’inda aviste as paumeiras,
Onde canta o Sabiá.
[De Primeiros Cantos — 1847 (miu oitosentos e cuarenta e séte)]
Exemplo 2
GAROTA DE IPANEMA
Ólia ce coiza mais linda, mais xeia de grasa
É éla, menina, ce ven e ce pasa
Nun dose balanso a caminio do mar
Mosa do corpo dourado, do sóu de Ipanema
O seu balansado é mais ce un poema
É a coiza mais linda ce eu ja vi pasár
Á, porce estou taun sozinio?
Á, porce tudo é taun triste?
Á, a beleza ce eziste
A beleza ce naun é só minia
Ce tambêin pasa sozinia
Á, se éla soubése ce cuando éla pasa
O mundo inteirinio se enxe de grasa
E fica mais lindo por cauza do amôr
Á, porce estou taun sozinio?
Á, porce tudo é taun triste?
Á, a beleza ce eziste
A beleza ce naun é só minia
Ce tambêin pasa sozinia
Á, se éla soubése ce cuando éla pasa
O mundo inteirinio se enxe de grasa
E fica mais lindo por cauza do amôr
Por cauza do amôr
Por cauza do amôr
[Tom Jobim (Ton Jobîn)]
Exemplo 3
NÚMEROS CARDINÁIS
- un, uma, ume
2. dois, dúas, dúes
3. tres (treis)
4. cuatro
5. sinco
6. seis
7. séte
8. oito
9. nóve
10. dés
11. onze
12. doze
13. treze
14. catorze
15. cinze
16. dezesêis
17. dezeséte
18. dezoito
19. dezenóve
20. vinte
21. vinte-e-un
22. vinte-e-dois
30. trinta
40. cuarenta
50. sincuenta
60. sesenta
70. setenta
80. oitenta
90. noventa
100. sein
101. sento-e-un
102. sento-e-dois
110. sento-e-dés
111. sento-e-onze
112. sento-e-doze
200. duzentos
300. trezentos
1 000. miu
10 000. dés-miu
100 000. sein-miu
Exemplo 4
DIÁLOGO
Ana: Oi, Joâun! Vosê asistíu au’ fiume “O Segredo da Montania”?
Joâun: Oi, Ana! Sin, asistí onten a’ noite. Gostei bastante. E vosê, o ce axôu?
Ana: Eu tambêin gostei muinto. A istoria é envouvente eos personajens saun bein dezenvouvidos. Cuau foi a súa parte favorita?
Joâun: Axo ce a minia parte favorita foi cuando eles finalmente descobriraun o segredo da montania. Foi muinto emosionante! E a súa?
Ana: Eu adorêi a sena fináu, cuando tudo se encaixa e fas sentido. Foi uma heviravóuta inesperada!
Joâun: Verdade! E a trilia sonora tambêin ajudôu muinto a criár a atimosféra do fiume. Vosê reparôu na múzica ce tóca cuando eles estâun esplorando a montania?
Ana: Sin, reparêi! Éra perfeita pro momento. A múzica contribuíu muinto pro suspense da sena.
Joâun: Concórdo. E os efeitos vizuáis tambêin foraun incríveis. Paresía tudo taun real!
Ana: Ezatamente. Eu ficêi muinto impresionada con a cualidade dos efeitos. Vosê ja tinia visto algo paresido ein augûn outro fiume?
Joâun: Axo ce só ein augûns fiumes de ficisâun sientífica, mas “O Segredo da Montania” healmente se superôu nese aspécito.
Ana: Con serteza. Estôu pensando ein asistír de novo pra pegár mais detalies ce talvês eu tenia perdido na primeira ves.
Joâun: Boa idéia! Cen sabe a jente naun asiste junto da prósima ves? Asîn podemos comentár as partes mais interesantes encuanto asistimos.
Ana: Adorêi a idéia! Vamos combinár de asistír no fin de semana?
Joâun: Combinado! Até la, Ana.
Ana: Até, Joâun!
PALAVRAS ADAPTADAS DO INGLÊS
Algumas palavras em inglês usadas comumente em português poder ser tanto escritas na sua forma original ou na sua forma adaptada:
- selfie ↔ séufi
- shopping ↔ xópin
- ok ↔ ócei / ocei
- food truck ↔ fuditrâce
- wifi ↔ uaifái
- notebook ↔ notibuce
- replay ↔ replei / heplei
- smartphone ↔ esmartifone
- outdoor ↔ autidór
- hot dog ↔ hotidóge
- fitness ↔ fítines
- jeans ↔ djins
- check-in ↔ xecîn
- email ↔ imeiou
- link ↔ lince
- game ↔ geime