Dark Souls — A Disparidade no Universo de Dark Souls

Ryan Sales
11 min readAug 10, 2017

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Essa análise trata da franquia de jogos eletrônicos, com foco no primeiro jogo da série, Dark Souls, de Hidetaka Miyazaki, lançado pela empresa From Software, com sua primeira parte estreando em 2011. Essa é uma análise introdutória de um artigo em processo de trabalho ainda.
Palavras-Chave: Chama Primordial, Disparidade, Velho, Queimado

INTRODUÇÃO
Dark Souls conta a história de uma terra que no começo, na tida Era dos Anciões (Age of Ancients), o mundo era desforme, incompleto, e envolto por névoas. Esse período era dominado pelos Dragões Imortais (Everlasting Dragons), uma terra formada por cinzas e árvores gigantes. Porém com a vinda do fogo nasceu a disparidade.

“Calor e Frio / Vida e Morte / E claro… Luz e Trevas.”

O nascimento do fogo com a Primeira Chama (The First Flame) trouxe poder para quatro seres que viviam nesse mundo.
Nito, o primeiro dos Mortos, a Bruxa de Izalith que dividiu sua chama com suas filhas do caos,
Gwyn e seus leais cavaleiros e o furtivo pigmeu, tão facilmente esquecido, que desapareceu após esse evento.

Com esse poder, Gwyn, Nito e a Bruxa de Izalith, com a ajuda de Seath um Dragão sem
escamas que traiu sua própria raça, desafiaram os dragões e deram início a Era do Fogo (Age of Fire).

Para essa análise utilizaremos da base Peirceana:

A representação triádica do signo. (Signo, Objeto e Interpretante)

Signo: Representa algo
Objeto: O algo representado
Interpretante: Repertório, base interpretativa do signo para objeto

O signo em relação a ele mesmo. (Qualisigno, Sinsigno e Legisigno)

Qualisigno: Qualidade, Possibilidade, Sentimento
Sinsigno: Realidade, Atualidade, Existente, Sensação
Legisigno: Lei, Ideia, Lógica

O signo em relação ao Objeto. (Ícone, índice e Símbolo)

Ícone: Semelhança, Imagem, Diagrama, Objeto Imediato
índice: Conexão, Referência, Vestígios
Símbolo: Convenção, Abstração, Representação, Hábito

Em primeira instância analisaremos o mundo e como ele se apresenta para todos.

Um mundo disforme, incompleto que usa do termo e da representação da Névoa para indicar que ainda está em formação. A névoa traz o mistério, o desconhecido, o que não tem forma. As Árvores gigantes (Archtrees), com seus topos inalcançáveis e aparência de colunas, dando a ideia de segurar o céu, ajudam a indicar o quão pequeno qualquer um é perante o mundo e os
Dragões Imortais, são o Perigo que habita o desconhecido. O próprio termo Imortal (do original, Everlasting) representa no caso não necessariamente que o mesmo não poderia morrer, mas que os fracos não conseguiam combater, não conseguindo pôr um fim na ameaça.

Archtrees e o Mundo Coberto por Névoa.

A Primeira Chama trouxe uma nova era, porém como dito no começo ela também mostrou que existe desigualdade. Os que adquiriram poder por ela tomam a frente perante os que não obtiveram e após eliminar os Dragões, se auto denominam Deuses.

A história do jogo utiliza a questão do ciclo para contar suas eras. Assim como a Era dos Anciões acabou, eventualmente a Era do Fogo também iria acabar e como tal, com o tempo, a Chama dá sinais de que irá se apagar. Para os que dela vieram, aquilo é significação pura do fim de sua existência. Para evitar que isso aconteça, Gwyn e a Bruxa de Izalith tentam encontrar formas de evitar que isso aconteça, com Gwyn constantemente usando a sua própria chama, desgastando-a, para manter a chama primordial acesa e com a Bruxa de Izalith tentando achar uma forma de recriá-la.

Junto aos indícios do fim da chama, outros seres que também vieram dela, começam a apresentar sinais de uma deterioração de seu próprio corpo, a isso é chamado de Hollowing ou Vazio. Esse Vazio piora a medida que o ser “morre”. Aperece também o sinal da chama, ou, o Darksign, que não permite que seus portadores morram, mas os faz passar pelo processo de Vazio à medida que passam por situações que teoricamente os matariam. É iniciada então como que uma missão para os que possuem o Darksign de que devem buscar manter a chama acesa, pois isso os faria ficarem livres do sinal, permitindo que obtivessem a verdadeira humanidade. Humanidade essa que foi criada pelo Furtivo Pigmeu, o quarto portador da chama, que fugiu para o Abismo, mas falaremos disso depois.

Gwyn, como dito, constantemente se atem ao fogo, para tentar manter a chama, isso também é representado em todo o ambiente do jogo, em seus diversos mapas, pois toda a ambientação passa a ideia de algo velho, corroído, queimado. Também é colocado como ponto chave o fato do personagem sempre se encontrar contra-luz.

A própria paleta de cores utilizada para mostrar a maior parte dos lugares é uma paleta com tons escuros, mortos, em alguns casos quase conseguindo transmitir o ar fétido. Se vemos uma floresta, a mesma se encontra nas trevas, com bastante musgo e águas turvas. Tudo parece ter sido consumido. O signo do velho é algo constantemente mostrado em diversos pontos, tanto em formas mais diretas como indiretas. Os vestígios do tempo, funcionando como um índice, mostram por conseguinte, que aquele mundo está chegando ao fim.

Local da Primeira Chama. Kiln of the First Flame. Onde Gwyn está.

Seguindo o ritmo do mundo se encontram também os humanos que os habitam, aqueles que possuem o darksign se veem obrigados a tentar alcançar a chama e por falharem muito no caminho, alimentando seu processo de Vazio, decidem por esperar o fim. O tons usados, junto ao silêncio que também é uma marca forte da série, trazem o sentimento de tristeza, agonia e um certo desespero contido. Os diálogos feitos com esses personagens que encontramos pelo mundo nos mostram pessoas que desistiram de seus caminhos e apenas tentam sobreviver. Durante a jornada o personagem principal precisa enfrentar todos os grandes seres do mundo de modo a deixar sua própria alma mais forte para assim acender a chama. Ou Não.

A disparidade vem também na forma física de duas serpentes primordiais, Kingseeker Frampt e Kingseeker Kaathe. Ambos acompanharam a humanidade desde sua criação. Frampt diz ao personagem que ele deve completar o ciclo e manter a Era do Fogo, derrotando Gwyn, adquirindo sua alma e assim tornar-se possuidor do poder necessário para reviver a chama. Kaathe pelo contrário, diz que a Era do Fogo já deveria ter acabado e que reviver a chama seria apena adiar o inevitável, tentando convencer o personagem de que no final, fique com o poder para si, não reviva a chama e assim dê início a Era das Trevas (do original, Age of Dark). Cabe ao personagem principal fazer essa decisão.

O jogo por diversos pontos também transmite a dúvida sobre nossas ações. Será que o estamos fazendo é bom ou ruim? Quanto aos personagens que encontramos e são eliminados, estamos fazendo um favor de lhes livrar desse mundo ou simplesmente somos marionetes dos auto-proclamados deuses?

As serpentes podem ser interpretadas como uma alusão ao conto bíblico da Serpente do Paraíso, que diz a Eva que ela irá adquirir o conhecimento do mundo se comer da Macieira no meio do Jardim do Éden. Não comer a maçã, ou no caso, ater a chama, seria como se manter no estado atual, com o fato de comer a maçã, trazer o desconhecido, o novo conhecimento e mostrar que você compreendeu um novo caminho, um novo conhecimento. Seus nomes iniciais (Kingseeker) também indicam qual a sua busca primordial. Cada um deles busca um rei, uma entidade que irá ser apoiada por um deles. Frampt com a Chama, Kaathe com os Humanos.

No final da peregrinação encontramos Gwyn, que possui uma aparência extremamente deteriorada e lhe ataca, pois sabe que você veio para lhe derrotar e fazer algo com o que resta da chama. Nesse momento no ambiente, que é completamente composto por cinzas espalhas pelo chão, toca uma melodia melancólica. A melodia dispensa a utilização de linhas de diálogo, nós sabemos o que viemos fazer e Gwyn sabe seu destino, cada nota tocada expressa isso, mas no final a escolha ainda é sua.

No segundo momento analisaremos alguns símbolos e personagens do jogo de forma separada, mostrando elementos que os compõem e analisando semioticamente seu design.

Bonfire (Fogueira)

A Bonfire trata-se de um ponto onde o seu personagem pode descansar. Como mostrado em diversas outras obras da cultura pop, como filmes, séries e outros jogos, a Bonfire nós dá a ideia de calma, segurança, uma luz que se destaca na escuridão. No jogo, as bonfires carregam uma pequena parte da chama primordial. São acesas por nós mesmos, que a tocamos e acendemos com nossa alma. Sua composição é formada por uma espada fincada em uma pilha de ossos e cinzas. Essa representação nós traz novamente a ideia da disparidade, pois, apesar de utilizar elementos que carregam o sentimento da morte em sua primeiridade, ela nos traz conforto como objeto, resignificando o signo.

Darksign

Símbolo que os amaldiçoados carregam. Formado por um círculo em chamas, sua significação nos traz duas grandes interpretações. A primeiro do círculo, que indica o ciclo que o mundo passa e se repete, com a chama constantemente quase findando e sendo revivida. O segundo ponto é a chama que contorna o círculo, nos mostrando que durante toda a jornada, o fogo é o principal moldador do caminho, pois é graças a ele, sua existência, que o personagem entra em peregrinação.

Humanidade

A Humanidade, trazida ao mundo pelo furtivo pigmeu, é negra. Possui traços mistos de fogo com cinzas. Sua forma se assemelha a de uma pessoa. A utilização do tom escuro na humanidade concorda com o conceito de que com o fim da Era do Fogo e o início da Era das Trevas, os humanos que estariam livres de sua maldição poderiam então reinar. O item é usado no universo de Dark Souls para temporariamente rejuvenescer um corpo afetado pelo processo do Vazio. Consequentemente em termos dentro do jogo, quando utilizamos uma Humanidade e voltamos a nossa forma normal, ganhamos mais pontos de vida, nos fazendo mais resistentes, não só em combate, como a coisas como envenenamento e sangramento e aumentando nossa força. É possível adquirir mais de uma Humanidade por vez e isso afeta também o seu poder. A Humanidade traz para o mundo também o conceito de ganância.

Estus Flask

O Estus Flask é um dos únicos itens capazes de curar seu personagem. Sua forma assemelha-se a de uma pequena ânfora, que quando cheia brilha incandescente. A utilização do tom claro, vibrante, nos lembra o fogo, porém de um ponto de vista mais reconfortante. Quando vazio, só pode ser enchido quando descansamos em uma bonfire, pois ele carrega uma parte da própria bonfire. A palavra “Estus” é uma derivação de duas palavras, uma de origem grega, “εστία” — “Estea”, que significa do coração, ou fogo do coração, ou da palavra em Latim “Aestus” que significa Calor. Ambos são condizentes com a função do objeto e por ícone e signo nos passam a mesma sensação.

Agora trataremos de alguns personagens importantes da série, os quatro seres que adquiriram poder na Chama Primordial.

Gwyn

Composto por roupas que indicam nobreza, artefatos e pulseiras brilhantes e uma coroa. Todos esses elementos contrastam com o ar deteriorado que o corpo possui após tanto tentar reviver a chama. Sua coroa é longa e pontuda, assim como vários elementos da arquitetura gótica, bastante presente no jogo. O velho se apresenta como primeiridade muito forte, quase como personificando o signo. Gwyn por vezes pode ser a tentativa de materialização do signo.

A Bruxa de Izalith

A Bruxa de Izalith utiliza um grande manto que cobre grande parte de seu corpo, simples, sem grandes detalhes. Aprendeu a manejar a Chama e com ela criou a arte da Piromancia, o domínio do fogo. Possui mãos com sinais claros de queimadura remetendo a seu poder. Dividiu sua chama com suas sete filhas, as transformando em Filhas do Caos (Daughter of Chaos), onde cada uma utilizou de formas diferentes. Algumas sendo consumidas pela chama e se tornando criaturas desformes e outras repassando a arte da Piromancia. O ato da divisão de uma parte de si para suas filhas remete ao momento bíblico da Santa Ceia, onde Jesus passa para seus apóstolos uma parte de seu corpo no formato de óstia, dizendo que agora são um só.

Nito, O primeiro dos Mortos

Nito, O primeiro dos Mortos, apresenta um corpo composto completamente por esqueletos, talvez de outros que não conseguiram suportar o nascimento, no começo. Sua primeiridade é forte, combinando com seu nome, que traz a ideia do fim. Seu grande poder é um miasma, uma espécie de névoa que deixa em estado de putrefação o que toca. Carregando signos clássicos da morte, Nito, ao contrário da Bonfire, nos mostra a primeiridade cara a cara. Sua espada é chamada de Gravelord Sword ou Espada do Lorde da Tumba e é também toda composta por ossos e uma lâmina grande e podre.

Furtivo Pigmeu

O Furtivo Pigmeu não apresenta nenhuma característica marcante, possuindo um corpo simples, calças rasgadas e estatura normal. Um ser que adquiriu um pedaço da Chama Primordial e fugiu, sumindo do mundo. De sua parte nasceu a Alma Negra (Dark Soul) e com ela foi capaz de criar o conceito de Humanidade. Em suas andanças, Pigmeu encontrou uma cidade chamada Oolacile e nela conheceu a ganância humana. Os seres dessa cidade e sua constante busca por tesouros, corrompem o Pigmeu, que foge para uma área que posteriormente seria chamada de Abismo. Um lugar completamente escuro, afastado. Lá o Pigmeu se deleita em Humanidade e muda sua forma completamente, tornado-se uma besta. Do abismo paira uma aura pesada, escuro, semelhante ao óleo de petróleo quando se espalha em água. A representação Abismo dessa forma traz a primeiridade do sujo, aquilo que se espalha, infestando um local. O Pigmeu pode ser tratado como o próprio signo que passa por uma resignificação. Sua transformação em besta com o passar do tempo, advindo da ganância e da busca por poder, nos passa medo, perigo. Seu nome então passa a ser Manus, o Pai do Abismo.

Links de Referência:
Gwyn’s Theme: https://www.youtube.com/watch?v=AB6sOhQan9Y
Aestus: http://latindictionary.wikidot.com/noun:aestus
Estia: https://www.vocabulary.com/dictionary/it/Estia

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