Meu EGO saiu para passear e voltou pulando de uma perna só

Sabrina Cupim
5 min readJun 21, 2017

--

Galway, Irlanda. Foto de Daniela de Oliveira Duarte

Em meados de 2015 sai do Brasil e fui me aventurar em um intercâmbio cultural pelo mundo. Eu tinha 28 anos, diploma em psicologia e estava desempregada por opção há 8 meses, depois de trabalhar alguns anos no comércio. Naquela época, estava tomando mais consciência da situação política do Brasil e sendo inundada pelos sentimentos de revolta e indignação. A possibilidade de voltar a ser mais uma trabalhadora brasileira me desanimava e me dava um certo pânico. Eu estava há 4 anos morando em Belo Horizonte e a vida numa grande metrópole já me trazia reflexões existenciais conflitantes. A naturalização da violência e da pobreza me causava um grande mal-estar.

Eu sempre tive um espírito aventureiro e explorador e sentia dificuldade de me enquadrar em padrões sociais. A rotina com o seu enredo de mesmice me causava uma ansiedade muito grande. Foi quando minha irmã ao voltar de uma viajem da Europa, me expôs suas observações a respeito do modo de vida europeu. O que mais chamou minha atenção foi “ As pessoas lá não te olham dos pés a cabeça”. “Lá não existe essa correria capitalista frenética que existe no Brasil”. Pimba! A expressão unir o útil e o agradável nunca fez tanto sentido… Vou fazer um intercâmbio! Viver o desconhecido que minha alma anseia, aprender inglês e fugir dessa atmosfera sufocante de dor e injustiça do Brasil.

Cheguei na Irlanda cheia de sonhos, com pouco dinheiro e com muita sede por novas experiências… Meu primeiro impacto foi com a questão da moeda. Não tinha ideia, até então, de como funcionava a Economia. Fiquei estarrecida com a facilidade de vida que ali proporcionava.

Com 2 euros você come MUITO bem… O que você faz com 2 reais?

Com 15 euros você consegue tomar champanhe e comer caviar. Fácil ser feliz e rico assim, não?

Me liguei que no Brasil consumimos o real convertido nas moedas mais altas e o quanto nossa exploração era necessária para manter a vida nesse camarote do mundo que se chama Europa. Comecei a perceber que o Brasil era apenas uma pecinha nesse jogo de tabuleiro econômico que é o mundo. A partir dai eu comecei a ver o Brasil por um novo ponto de vista, eu percebi que a bagunça na política brasileira é conveniente a uma ordem mundial.

No meu sonho utópico eu achava que a solução do mundo era acabar com o capitalismo. Não que eu tenha mudado de opinião, mas percebi que sim, é possível viver nesse sistema desde que TUDO funcione.

….Haa e como é bom andar pelas ruas sem a neura da violência e da dor… Como é bom se sentir LIVRE… Por que só eles podem?

Na Irlanda trabalhei com coisas que sempre foram problemas nos meus relacionamentos no Brasil. Cheguei a trabalhar como Aupair, onde vivi na casa de uma família e cuidava de um menino de 7 anos. Virei uma mãe terceirizada! Ensinava, educava, dava banho, cozinhava e limpava. Trabalhei em um hostel onde limpava em média 10 banheiros por dia… Logo eu, que nem arrumava minha cama. Fui percebendo o quanto eu estava evoluindo ao desenvolver as habilidades de disciplina e organização! Trabalhei com sentimentos de gratidão e a certeza de um propósito maior. Estava me sentindo em um treinamento. Por último, me mudei para o interior da Irlanda e fui trabalhar com mais uma pessoa. Nos cuidávamos de uma senhora de 80 anos que tem Alzheimer em estágio bem avançado. Essa experiencia trouxe muitas reflexões e vou discursar sobre elas em um próximo texto.

Depois de 1 ano vivendo na Irlanda eu me mudei para a Nova Zelândia seguindo o meu sonho de viajar pelo mundo. Antes da mudança, em uma viagem à Holanda, eu comecei a ficar desconfortável com o preconceito e o empecilho da língua. A sensação de alguém te olhando por te julgar menor e por achar que você não tem direito de estar ali. Não desejo para ninguém. Muitas vezes pela limitação da língua, engoli o famoso sapo sem poder contra-argumentar e o tanto que isso me chateava. Já na Nova Zelândia, no auge da angústia tomada pela frustração, o Universo implacável me ajudou a obter as respostas que eu precisava. Eu comecei a fazer um link entre todas as experiências vivenciadas até o momento.

Descobri que o sapo que eu tinha dificuldade de engolir, era na verdade do tamanho do meu EGO, da minha arrogância e da minha dificuldade em ser contestada. Vi que por mais que eu me indignasse com os preconceitos e as injustiças sociais, eu não tinha sentido na pele, até então, o que é ser vítima de preconceito. Descobri que inconscientemente eu não me aceitava na condição de oprimida, eu não aceitava servir. Eu fui tomada pela vergonha ao ver as minhas esquivas para não ter que dar conta de estar nesse lugar. Que na verdade a minha agressividade e julgamentos era contra a mim mesma, contra o meu lado opressor que me punha numa condição diferente e adorava ser servido sem o mínimo de esforço. Percebi o quão julgadora e hipócrita eu era. Que ironia… Logo eu, que lutava e discursava tanto a favor da igualdade e a beleza do diferente, me sentindo culpada e com vergonha por ser diferente… Caindo nas armadilhas do meu próprio ego opressor, que é afetar minha auto estima. Logo eu, que sou linda, brasileira e tenho muito orgulho das minhas raízes… Não… Aqui não!

Outro fator que foi impactante para mim foi reconhecer meu lado corrupto, o quão estava naturalizado no meu ser e o tamanho da hipocrisia que eu tinha quando julgava isso. Vi que nos brasileiros, independente da classe social, nascemos nessa perversão que é institucional e o quanto isso esta enraizado. O quanto odiamos isso, mas que infelizmente achamos que esta inerente a nós. Me toquei que a primordial mudança deve ser a interior, para aí sim refletir no exterior. Materializamos a realidade que existe dentro de nós. Culpar o outro e esperar que venha um salvador da pátria e mudar tudo, é muito fácil.

Enfim, hoje o sentimento de revolta, indignação e raiva se transformaram em vontade de lutar e compaixão… Eu precisei sair do Brasil para ver isso! Percebi que nós brasileiros temos que parar de brigar e nos julgar, e nos unir, para lutarmos pelo que é nosso. Por que independente do CEP, enquanto houver MISÉRIA, haverá corrupção de valores. E o maior aprendizado… Para mim é ainda melhor viver e lutar em uma atmosfera onde exista amor mas que esta um pouco perdido na ignorância, do que viver nas bolhas das facilidades, onde o sofrimento do outro é alheio a mim. Estamos em tempos cruciais e a hora de escolher e defender sua bandeira é agora. A minha é a do AMOR! Chega de indiferença!

--

--