Cairo & Maria
Meu avô Cairo faleceu antes mesmo de eu nascer, há uns 30 anos atrás. Ele era o marido da minha vó Maria, a melhor pessoa que já conheci, e que assim como os filhos, sempre falou muito bem dele. Eles eram os pais de nove filhos: Joanita, Amélia, Joel, João, José, Jorge, Jane, Janete e Julio.
Na última sexta-feira, almocei na casa da tia Janete. Durante o almoço, com muito peixe, ela e a minha mãe, a Jane, estavam comentando que essa época do ano era a mais farta da família, a época da sexta-feira santa. Meu avô era pescador: foram os primeiros moradores e pescadores da Vila Assunção, em uma época em que não tinha nada lá, a não ser um rio limpo pra tomar banho e pescar peixes que podiam alimentar muita gente. De acordo com elas, as pessoas chegavam a formar filas enormes pra comprar os peixes do Cairo e da Maria "como se fosse no mercado público".
A tia Amélia, que chegou um pouco mais tarde, comentou também sobre essa "fartura" das semanas santas, e contou uma história:
"Em uma dessas épocas de fartura foi quando o pai comprou a nossa primeira tv. Era a única tv na rua inteira, então toda a criançada ia lá pra casa assistir com a gente. Ele era muito inovador. Mas antes mesmo da tv, o pai era muito criativo. Nós éramos nove crianças, e pra nos distrair, ele montava um cinema na casa. Funcionava assim: ele desenhava lugares e coisas em pedaços de vidro, e com uma vela e uma caixa, ele projetava as imagens na parede. E contava as histórias sobre cada um daqueles lugares e coisas".
A Tia Amélia nos contou essa história de forma emocionada, olhos marejando. Parece simples, e é. Eu já li um pouco sobre inovação e criatividade emergirem das situações mais precárias, e cada vez isso parece fazer mais sentido.