Salemnotthecat
2 min readJun 29, 2024

TEXTOS-TERONA

Segundo a Academia Brasileira de Letras, necropolítica é “a capacidade de estabelecer parâmetros em que a submissão da vida pela morte está legitimada”. É algo pesado, denso e até mesmo assombroso pensar que existem instituições políticas que se articulam para decidir quem vai viver e quem vai morrer, como um plano secreto, mirabolante e maligno. Porém, pelo contrário, é algo que pode ser observado à luz do dia, escalando a terra insegura das encostas e moradias de terrenos irregulares em que pessoas se amontoam para sobreviver, num regime cruel. Quanto mais frágil politicamente um grupo, mais inclinado a sofrer com represálias, muitas vezes justificadas por uma ética heterocolonial, que corrompe os seres a tal ponto que eles deixam de pertencer ao “ser”.

A população transgênera e travesti, em destaque nesse texto, se encontra em uma guerra justa e intraestrutural, onde lutam pelos seus próprios corpos, arriscando sofrer a condição de sobreviventes. Vivemos em um mundo onde pele é fabricada por máquinas de impressão 3D. Ainda assim, a transição de gênero e a hormonização são vistas como formas de mutilação, excludentes e anti-naturais. Se as existências fora do sexo/gênero binário cis-heteronormativo são subalternizadas e tratadas como se não possuisem nexo político, e suas subjetividades pouco importassem, o estado os entende como não merecedores da dádiva da vida. Nesta condição, direitos básicos vão lhes sendo retirados, como a saúde, educação e moradia. Essa máquina de destruição afeta não só o gênero, mas a sexualidade, o amor e os afetos. Como nos comportamos quando colocados em tais frestas do cis-tema? Quando somos incessantemente culpabilizados pelos inúmeros problemas estruturais que surgem com as crises inevitáveis do capitalismo? Como viver à margem da página com tantos pontos a serem discutidos?

Frestas são a melhor maneira de criar rupturas, e é disso que precisamos. Não existe nada pior para a transgeneridade que o assimilacionismo. O confronto, a ruptura com as instituições, a fabricação dos nossos próprios corpos e dos nossos próprios espaços. Não tomamos, dividimos e multiplicamos. Quando exigimos que rostos como os nossos estejam em evidência não estamos invadindo, estamos ocupando. Quando fazemos nosso próprio gênero, não estamos roubando, estamos criando.