O que sustenta a sua identidade?

Em um mundo que não para de se transformar, como podemos nos manter fiéis ao que éramos ontem?

Samuel de Almeida
O Centro
4 min readApr 3, 2018

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Foto: Chris Lawton | Unsplash

Assuntos que até poucos anos atrás eram tabus estão ganhando status de discussões sérias, e certas ideias que eram pilares de uma sociedade conservadora mostram um considerável desgaste.

Por que o aborto é ilegal? O que leva à proibição de algumas drogas, enquanto outras são vendidas na padaria da esquina? Por que aceitamos e repetimos o preconceito contra as mulheres, os negros, os LGBTs, as pessoas gordas, as que têm alguma deficiência, e assim por diante?

As formas de ganhar a vida também estão se reinventando; podemos esperar que movimentos como home-office e nomadismo digital se intensifiquem e sejam aperfeiçoados, a partir das novas ferramentas de comunicação, gerenciamento de funcionários, pagamentos…

Os relacionamentos acontecem de forma leve; começam e terminam mais facilmente sem a necessidade de formalizar um namoro.

A economia do compartilhamento se solidifica através de grandes empresas como Uber e AirBnB; o dinheiro é cada vez mais um número em uma tela; e quase todo mundo tem um computador ultra potente nas mãos.

Todas essas realidades fazem parte de um de conceito que você talvez já conheça, descrito pelo sociólogo Zygmunt Bauman como Modernidade Líquida.

A ideia de que nos tempos atuais as relações de indivíduos entre si, com as instituições e com as regras têm as características de um líquido: fluir, moldar-se aos espaços que ocupa e se modificar com certa facilidade.

Para muitos, esse conjunto de transformações significa a dificuldade em se manter de pé, com muitas “verdades” que os apoiaram durante toda a vida sendo derretidas, uma por uma.

Uma parte deles vai reagir da mesma forma que uma pessoa desesperada ao se afogar: debatendo-se de forma descontrolada.

É o que faz conservadores atacarem atirando braços e pernas em todas as direções, na esperança de encontrar uma parte dos sólidos despedaçados onde possam se agarrar.

Um exemplo recente e extremamente marcante desse ataque foi o assassinato da vereadora Marielle Franco, símbolo de uma política alinhada com essa nova realidade, como descreve muito bem o post de @Leonardo Rossatto.

Essas pessoas, e muitas instituições políticas e religiosas importantes, possuem identidades pesadas, noções quase imutáveis sobre o que consideram certo e errado, e são incapazes de se moldar ao espaço que ocupam como fazem os líquidos.

Lembra daquele brinquedo infantil com formas básicas? Bem, estes com identidades pesadas são como um quadrado tentando quebrar e entrar na área reservada ao círculo, apenas por se acharem superiores à ele.

Fazem de tudo para entortar a sociedade em volta de seu próprio formato, sem levar em consideração o espaço que cada indivíduo deveria ter.

Nós, se não quisermos ser afundados, temos a possibilidade de construir uma identidade leve, capaz de flutuar na realidade que nos cerca.

Lógico, você pode — e deve — lutar por aquilo que acredita ser o certo, mesmo que todos ao redor estejam indo na direção oposta. Não falo aqui sobre tornar-se líquido e abrir mão de tudo em que acredita, mas sobre estar atento ao movimento da água e se permitir fluir junto à ela.

Se as evidências mostram que o seu pensamento atual é errado e prejudica a vida de outras pessoas, e você até mesmo já percebeu isso de forma racional, qual o sentido de se apegar emocionalmente a ele, apenas por ser seu?

Grandes setores da economia passaram por transformações profundas, e quem tinha o poder absoluto sobre eles não soube lidar com a situação: operadoras de telefone tentaram barrar as ligações gratuitas do Whatsapp, os taxistas tentaram barrar o Uber, e assim por diante.

Um modelo que funcionou por décadas simplesmente foi superado, e agora eles se debatem atirando braços e pernas em todas as direções.

Nós, como sociedade, estamos vendo modelos de pensamento que funcionaram por décadas serem superados, ainda que num ritmo muito lento.

Estamos aprendendo, mesmo lentamente, que não há nada de errado em ser LGBT; que ter um “emprego de verdade” e esperar a aposentadoria não é tão seguro assim; fazer uma faculdade não é garantia de nada; e algumas linhas de código podem revolucionar as indústrias mais poderosas.

E você, com que modelos constrói a sua identidade? Será que eles podem ser superados amanhã?

Escolha investir sua personalidade em assuntos que valem esse investimento; causas que vão ajudar as pessoas, ao invés de limitar o espaço e as possibilidades delas.

Uma identidade leve, se não for a única, é a melhor maneira de viver num mundo em rápida transformação sem ser deixado pra trás.

Fique à vontade para concordar ou discordar, eu juro que não sou do tipo que fala sobre a importância das diferenças mas xinga quem pensa diferente! 😃

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Samuel de Almeida
O Centro

Aquela bio com uma crise existencial por não saber me definir.