‘Libido esquisita’ depois de iniciar alguma prática espiritual? Hora de parar tudo e repensar. MESMO.

Satya Devi
4 min readJul 12, 2018

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Arte por: Viktor Ivanovych Nizovtsev

Tenho observado um aumento gradual — porém consistente — nos últimos tempos (meses, anos, talvez) na popularidade de valores espiritualistas cada vez mais associados com um distanciamento da matéria, e, em especial, da sexualidade.

Mesmo em meios que intencionam se distanciar de valores judaico-cristãos, e/ou se aproximar de linhas filosóficas pagãs ou de contra-cultura.

Não é sobre um grupo, ou dois. Está em todo lugar.

E isso me preocupa.

Primeiramente porque esses meios são aonde boa parte das pessoas que estão cansadas do status quo procuram um caminho diferente. E às vezes podem ser induzidas a crer que estão realmente ‘fazendo a diferença’ mas continuando a reproduzir a mesma essência.

‘Segundamente’, não acho que seja coincidência que nossos valores ‘subversivos’ estejam ficando cada vez mais comportados com o passar do tempo, indo na mesma tendência e no mesmo ritmo do avanço do conservadorismo no país. Sabemos que há muitos ‘mestres’ super ‘mygos’ de políticos conservadores de direita. E também que muito dos livros que são referência no meio espiritualista foram escritos por autores claramente misógenos e racistas.

Tudo isso contribui para que uma parcela boa da população, especial a população jovem (menos de 30), que poderia estar organizando-se politicamente, seja de forma mais institucional ou mais anárquica, mantenha-se MANSA.

Ok. Esses são os aspectos mais políticos, mais ‘visíveis’ da coisa.

No aspecto mais pessoal e espiritual, o impacto mais nítido é a redução da libido.

O(a) praticante, ao longo do tempo, vai notando uma redução no seu interesse por sexo. E também por outras coisas ‘mundanas’ (aí cada linha tem o seu próprio entendimento sobre o que é ‘mundano’).

Uma boa parte dos praticantes acredita sinceramente que isso seja algo bom, porque está “canalizando sua energia para a espiritualidade”. Ou que está “transmutando energia densa”.

Como se a vida não tivesse “elementos densos” e como se essa “transmutação” significasse desconectar-se totalmente de aspectos materiais da vida como: gerenciamento financeiro, gerenciamento de tempo, e às vezes até mesmo o cuidado básico com a casa e com o corpo.

Se você está negligenciando os aspectos materiais do seu cotidiano em detrimento do seu ‘caminho espiritual’, sorry, mas não tem chances de que isso seja sustentável no longo prazo, e são grandes as chances de que você colha desequilíbrios a partir disso.

A real é que muitas de nós, mulheres, ainda temos os mesmos gatilhos de vergonha que fomos criadas. E tudo bem. Mas podemos nos tornar conscientes delas para que esses gatilhos não sejam manipulados por terceiros em nome de uma ‘estética’ de espiritualidade. O jeito de lidar com esses gatilhos é encarando-os olho no olho, é trabalhar com nossas sombras.

Já cheguei a ouvir “terapeutas tântricos” dizerem que suas pacientes tinham “excesso de libido”, e atribuindo a razão disso ao culto à Kali (e armei um barraco com ele rs). Também já ouvi mulheres e homens relatando que se sentiam ‘observados’ durante o ato sexual por ‘entidades’ ou ‘presenças’ que afetam seu prazer sexual. Eu mesma já vivenciei isso por um curto período e foi bem difícil. O lance é que a mente projeta a vergonha e o pudor em um ‘observador astral’ que nos repreende ou mesmo que nos pune ‘roubando nossa energia’ ou algo do tipo. Mas sacar isso não faz o fenômeno ir embora. E esses relatos não são exceção, infelizmente.

Em direção a uma espiritualidade saudável

Uma espiritualidade saudável não é uma espiritualidade sem corpo, sem matéria. Mas sim uma espiritualidade que “dá conta” tanto do material quanto do energético — de forma que existe pouca necessidade de separá-los o tempo todo nos discursos e nas práticas. É dar conta de manter a casa em ordem, o corpo saudável e em exercício, e ao mesmo tempo, disponibilidade pra meditar, pra sonhar, pra cantar mantras, orar, o que quer que seja o seu babado… É chegar em casa depois de um dia ralado de trabalho e ter o carinho de ter um momento de conexão consigo mesmo(a) antes de dormir (seja na técnica/prática que for).

E não tem NENHUMA CHANCE de que isso possa ser conquistado com uma libido ‘mais ou menos’.

KAMALA, uma face de Lakshmi. Também conhecida como a “Lakshmi tântrica” é representada tradicionalmente como uma mulher jovem de curvas suculentas e sensuais, por vezes escorrendo leite dos mamilos, em um lago de água ou leite e elefantes jogando água pra cima. O uso de roupas como na imagem acima é exceção. “Kama” é o deva do Desejo, de onde deriva seu nome. Os tantrikas com isso ‘sugerem’ que a abundância começa na libido, e depois se expande a outras áreas da vida.

Uma espiritualidade saudável, ao meu ver, é uma espiritualidade que vai aumentar a libido, o tesão de viver… Pegar seu ‘fogo interior’ e transformá-lo numa fucking fornalha de derreter padrões de comportamento e correntes de opressão. E foda-se se isso se expressa no desejo de ter um ‘momentinho íntimo consigo mesma’, ou se isso se expressa em desejo de sair pra fazer uma trilha, ou dar aquela faxina cósmica na casa. O importante é que existe desejo. E que ele é vibrante, vivo, poderoso. Alimente-o! Não tome-o como inimigo… O Desejo é um aliado poderoso. É força motriz. Mesmo desejos autodestrutivos podem ser conduzidos de forma sábia.

E diversos exercícios foram criados pra aumentar esse ‘fogo interno’. O Hatha Yoga foi um deles, tem raízes nas artes marciais (energia agressiva). Práticas de respiração acelerada e ritmada, também. Alguns mantras, no seu ritmo e canto originais são sensuais AS FUCK. Tendo essa energia disponível e encontrando o seu propósito sincero na vida a coisa acontece por si só. Tanto a libido quanto a prosperidade material vão fluir bem mais fácil. Consequência natural, é só deixar o fluxo acontecer.

Então, recadinho: se depois que você começou alguma prática espiritual específica, sua libido caiu, ou ‘ficou esquisita’, é hora de parar tudo e repensar. MESMO.

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Satya Devi

Escrevo sobre Deusas porque nós mulheres precisamos re-assumir o poder de escrever nossos próprios Mitos, e, consequentemente, reescrever nossas Histórias.