Tripura Sundari, A Rainha dos Reis

Satya Devi
5 min readSep 25, 2018

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Tripura Sundari em representação tradicional

Tripura Sundari significa “Aquela que é Bela nos Três Mundos” (numa referência à criação, sustentação e destruição). A Deusa também é chamada de Rajarajesvari , “A Rainha dos Reis”, ou Sodashi, “A que tem 16 anos”, ou Lalita, “Brincalhona”, entre muitos outros nomes. Apesar dos nomes aparentemente pacíficos, em seu mito central ela exerce função de guerreira. O que não constitui contradição, mas sim a essência de seu Poder.

Seu trono é sustentado por 4 Deuses: Brahma, Vishnu, Shiva e Rudra. Ela é adornada com muitas jóias, e é servida por Lakshmi e Saraswati. Está fortemente associada com o Sri Yantra e com o Srividya Mantra. Ela senta-se sobre Shiva em sua forma associada a Kama, deitado sob Ela. Já falamos aqui sobre as iconografias serem, entre outras coisas, afirmações políticas, de certa forma, não? Pois bem. Acho que vocês podem calcular por si mesmos o significado de colocar os 4 principais Deuses dos Vedas para sustentar o trono de uma Deusa sentada sobre Shiva (no mínimo, ousado).

Toda essa complexa iconografia indica que essa Maha Vidya possui características de extrema potência, ‘realeza’ e intensidade. O que se confirma na crença de que ninguém consegue passar a noite completa no seu templo e que seus ‘priests’ em Seus templos não duram muito.

Diz-se também que para absorver e sentir a força total de Tripura Sundari, é preciso que olhe-se para sua imagem: seja em sua forma ‘completa’, na iconografia, ou em sua forma-mantra, o Sri Yantra

Sri Yantra e Srividya Mantra

Sri Yantra

“Tanto mantras quanto yantras são centrais para o sadhana tântrico. Porém, Tripura-Sundari, no culto Srividya, expressa mais claramente do que qualquer outra Mahavidya a importância dos mantras e yantras na adoração e conceitualização dessas deusas. O primeiro ponto que tem que ser enfatizado é que mantra e yantra são afirmados nesse culto como a Revelação imediada, não-humana e além da construção cultural. E também não são relevações parciais: não são simples ‘pistas’, ou aspectos da Deusa transcendente. Eles são A Deusa em sua forma mais pura, alta e intensa.”

David Frawley em Tantric Visions of the Divine Feminine: The Ten Mahavidyas. Tradução e grifo meu.

Acho que depois dessa dispensa maiores comentários. O acesso às Mahavidyas, em especial Tripura Sundari é feito diretamente através dos sentidos (visão, audição) e do mantra. Dispensa intermediários.

Ainda que, diz-se que Tripura Sundari só será adorada por alguém se assim Ela decidir. Algo parecido com o que ouvi de uma praticante do Asè “Não é você que escolhe seu Orixá, é seu Orixá que escolhe você” (tão lindo e tão rico essas similaridades entre os cultos ancestrais não-cristãos, não?). Falando em beleza e riqueza, voltando a Tripura Sundari…

Mito de Tripura Sundari

Tripura Sundari e suas Shaktis Guerreiras

O mito central na mitologia de Tripura Sundari é sua vitória sobre o demônio Bhanda. De acordo com o mito, Shiva destruiu Kama, o Deus do Desejo e do Amor (isso, o mesmo Kama do Kamasutra que o Ocidente conhece, só que não é o que a gente pensa), quando Shiva achou que Kama estava atrapalhando sua meditação. Na sequência um dos ganas (companheiros ou seguidores) de Shiva fez uma imagem de um homem com as cinzas de Kama Deva. Esse homem então suplica a Shiva para que ensine a ele um mantra poderoso, e Shiva concede. Ao recitar o mantra, ele ganha metade do Poder de seu inimigo. Shiva também concede a ele o comando do mundo por 600 anos. Shiva então incentiva o homem com as palavras “Bhanda! Bhanda!” que significa “Bom! Bom!”, mas porque ele foi nascido da Ira de Shiva quando este queimou Kama, ele se transforma em um demônio poderoso e flamejante. ( #porrashiva é gentchy, Shiva dá uns fora cósmico também )

Ele constrói uma cidade ao redor da cidade dos Deuses, comandada por Indra, Senhor do Céu e dos Trovões. Quando Bhanda ataca Indra, Indra, a pedido do sábio Narada, chama Tripura Sundari para ajudar. Indra também instrui seus aliados a agradar à Deusa oferendo sua própria carne e sangue em ritos védicos. Ao final desses ritos a Deusa aparece e concorda em ajudar os Deuses. Enquanto isso, os 600 anos concedidos a Bhanda a governar o mundo expiram.

Depois de algum tempo de batalha, as Deusas e suas shaktis associadas, vão para a batalha contra Bhanda e seu exército. Bhanda está encantado com o exército de mulheres e subestima as mulheres, achando que elas serão tão ineficazes quanto sua líder, Lalita (um dos nomes de Tripura Sundari, que significa ‘delicada’, ‘brincalhona’). Porém, Tripura Sundari e seu exército mostram-se superiores ao exército de Bhanda. Até que restam em batalha apenas Tripura Sundari e Bhanda. Enquanto batalham, partes de seus corpos produzem outros seres, já conhecidos pelas mitologias hindus. Por exemplo, bhanda cria Hiranyakasipu. Lalita então cria Prahlada que sabidamente no mito Vaishnava derrota o demônio, e assim por diante. Em seguida, Bhanda cria Ravana, ao que Lalita responde criando Rama a partir da sujeira debaixo de suas unhas. Até que finalmente Bhanda produz Mahishasura, e Lalita produz Durga Devi, que é quem é capaz de derrota-lo, como descrito no Devi Mahatmya e conforme é celebrado no Navaratri. Finalmente, Lalita derrota o próprio Bhanda. Depois da batalha, os Deuses, conduzidos a pedido de Rati (A Deusa que simboliza o ato sexual), a esposa viúva de Kama, implora para que Tripura Sundari ressucite Kama, seu marido, que Shiva hava destruído. Ela assim o faz, e então o Desejo é restaurado no Mundo. Os Deuses então celebram a re-união entre Kama e Rati — bem como de Lalita e Shiva, que se casaram no meio da guerra contra Bhanda.

Olha toda a treta que acontece quando a Consciência tenta — e consegue — acabar com o Desejo durante um processo de meditação. Já vi muitas vezes esse trecho em que Shiva queima Kama com o olhar durante sua meditação ser utilizado em conversas e debates como um ‘modelo’ a ser seguido por nós praticantes, ‘porque o verdadeiro Sadhana não tem espaço para o desejo mundano’. Mas tá aí toda a história que aconteceu depois disso. Olha o trabalhão que deu pra consertar depois.

Não à toa que Tripura Sundari é associada com o Desejo, em especial como resgate do Desejo depois que este é destruído pela irritabilidade da consciência (Shiva).

E também com a intensidade, realeza e potência — já que foi Ela que salvou a cidadela dos Deuses de ser queimada por Bhanda, “o bom”.

Acho que por hoje está bom sobre as Maha Vidyas. Espero que estejam gostando da série.

Se você tem alguma referência, comentário ou sugestão por favor deixe seus comentários. Estou escrevendo conforme consigo e com o pouco de informação — e muito de prática — que consegui sobre o tema.

Até a próxima Maha Vidya!

Fontes:

Outras referências úteis:

  • Urban Tantra, de Barbara Carellas

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Satya Devi

Escrevo sobre Deusas porque nós mulheres precisamos re-assumir o poder de escrever nossos próprios Mitos, e, consequentemente, reescrever nossas Histórias.