Da nossa gente. Na nossa terra. Com muita alegria.
Aos trinta e três anos sinto falta de não ter começado uma faculdade. Mas acredito que pude construir um trabalho sólido.
Me sinto deslumbrado sobre como as coisas se desenrolaram. Um caminho que beira o aleatório na busca pela sobrevivência mas que, ao observar agora, percebo que me conduziu a momentos mágicos. Não é racional, soa acidental a maioria das vezes. Só vejo coerência quando olho pra trás e percebo um ciclo encerrado. Compreendo que os desvios me levaram longe dos atalhos e me aproximaram da possibilidade de melhorar. Seja como pessoa, seja como profissional.
Minha procura em fazer fotografias honestas trouxe cenários para além da subsistência. Tenho enorme carinho por todas as pessoas que me ajudaram durante cada passo dessa jornada. No início tinha medo de estar só. Tive sorte: muita gente boa me ensinou e também tive chance de errar.
A vida é uma oportunidade maravilhosa e quer que a gente sorria e siga em frente.
Trabalhar na Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) foi uma oportunidade bacaníssima.
Sobrevivi à caça às bruxas que fora o desmantelamento da equipe do ministério do professor Marcelo Neri, um economista dinâmico, para trabalhar no time dos garotos do Mangabeira Unger, gente de compromisso existencial com suas causas.
“Esse homem tem boas ideias”, alguém falou durante nossa primeira missão, o Piauí. “Ele tem as melhores”, rebateu o nosso então secretário de Desenvolvimento Sustentável.
Viajávamos para lugares distantes, pedaços esquecidos do Brasil continental, para semear uma mensagem subversiva. Coisa perigosa, sobre autonomia dos Estados, sobre uma “revolução institucional”. Foi nessa época que fizemos uma reportagem espinhosa sobre prostituição infantil no município de Melgaço, na gigantesca Ilha de Marajó. O fato de meu pai ser marajoara e eu possuir essa ligação com aquele canto remoto me sensibilizou para fotografar um Brasil invisível. Fiquei tão encantado quanto abismado com um povo esquecido, que vive sobre a água mas não dispõe de água pra viver.
Eu estava apaixonado em trabalhar ali. Meus colegas eram maravilhosos, ganhava bem, tinha minha própria mesa com internet e café liberado. Usava barba, botas e meu colete favorito, que adquiri durante os Jogos Paralímpicos de Londres, em 2012. Apesar disso tudo notava muito medo de enclausurar minha fotografia na política, por mais pé-na-estrada que fosse.
Tão incrível quanto colaborar com a SAE foi a decisão de me desligar para correr atrás do sonho olímpico. “Você vai trocar um bom emprego por uma aventura”, me disse à época o chefe da redação. O “Ministério do Futuro” ( o apelido da SAE, por seus entusiastas ) ou “Jilózinho da Esplanada” ( adjetivo utilizado pelos maledicentes, em ironia à situação de orçamento zero e ineficácia para gerar resultados autorais eleitorais ) foi extinto em outubro, três meses após minha saída para acompanhar os Jogos Pan Americanos de Toronto, a trabalhar pro Comitê Olímpico do Brasil (COB).
Não sabia o quanto iria receber em dinheiro, queria mesmo era viver essa aventura.
No dia do embarque pro Canadá me encontrava do jeito que sempre sonhei: a caminho de uma pauta inesquecível, carregado de equipamento caro e pesado, totalmente fora da zona de conforto. No meio de gente estranha. Mas com alguma coisa em comum: nossos uniformes atléticos do COB. Com a Nike patrocinando, recebemos peças lindas de roupas que outrora jamais me interessei. Achei estranho no começo mas entrei no jogo e já me sentia à vontade porque, afinal de contas, a matéria prima do meu ofício é gente. E fotografar gente é minha paixão.
Consegui dormir a viagem toda devido ao cansaço de amarrar todas as pontas do emprego anterior para embarcar suave e tranquilo na nova empreitada.
(“eu vi que você desabou”, comentou a nutricionista de nossa delegação, próxima a minha poltrona. Senti vergonha, acho que fiquei de boca aberta, roncado, babando, o pacote completo…)
Carreguei coisas excessivas com receio de não conseguir — por qualquer contratempo — o equipamento CANON através de minha conta diamante. Num trabalho como esse nada pode falhar, principalmente porque foi minha primeira prova com os olímpicos. Trouxe a experimentação dos Jogos Paralímpicos de Pequim e Londres, e todas as outras competições que fotografei até ali. Mas agora tinha que ter humildade para perceber que iria começar tudo de novo com pessoas novas e também haveriam novas modalidades esportivas pra mim. Se não desse pra dar o melhor, morreria tentando.
Tinha me esquecido do quão extenuante é uma competição desse nível. Mesmo me preparando antes — nos dois meses anteriores voltei a correr pra ampliar a resistência — muitos foram os momentos em que quase desisti. Ao final de cada dia as costas doíam, as pernas latejavam, a cabeça à mil e ainda tinha que fazer backup das fotos.
Encontrei apoio no sorriso dos colegas e no exemplo de quem já havia passado muitas vezes por aquilo. Pô, valeu muito Sérgio Dutti. Com o mestre Washington Alves pude tomar uma cervejinha em algumas raras noites, ajudava a aguentar a correria. Com o Eduardo Rocha sentia a responsabilidade que nossa equipe carregava, o tanto que nossa presença era importante.
Pois é nesse espírito que aguardo os Jogos Olímpicos Rio 2016. Sabendo que não vai ser bolinho, que não vai ser brinquedo.
Mas que será muito muito muito bacaníssimo porque estarei lá para trazer comigo cenas fantásticas da nossa gente. Na nossa terra. Com muita alegria.
Um abraço, do seu amigo
Saulo Cruz
fotógrafo