Seu jogo é sujo e eu não me encaixo

Sem nó na garganta
20 min readJul 27, 2023

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Por Natália e Thiago

Militantes do PCB e do Coletivo Negro Minervino de Oliveira

Introdução

Em novembro de 2022, o Coletivo Negro Minervino de Oliveira realizou a sua II Conferência, que costumamos chamar de Conferência de Campo Limpo Paulista. Nesse espaço, nós formamos a nossa primeira Coordenação Nacional do coletivo, que até então contava apenas com uma comissão provisória. No primeiro dia desse encontro, nós conversamos sobre a morte de uma criança de apenas 4 anos, moradora de uma ocupação que atuamos. A causa biológica da sua morte foi a picada de um escorpião. A causa política, foi o capitalismo. Essa foi uma das formas de criarmos um senso de urgência entre a militância que estava presente no encontro.

Foi por isso que deliberamos que a nossa direção nacional seria formada apenas por militantes que possuem trabalho de base consolidado. Como consequência, somos a única instância do nosso partido liderada por maioria de mulheres negras, todas militantes do PCB. Essa composição é resultado de uma construção política que está disposta a realizar um debate franco sobre nossas fraquezas internas a fim de acelerar a consolidação da nossa linha política.

Hoje é evidente que o CNMO é um importante braço do PCB e, consequentemente, ele vem sendo utilizado como um instrumento de disputa interna por camaradas como Jones Manoel e Ivan Pinheiro. Acontece que o trabalho político do CNMO é, justamente, o resultado de uma construção pensada e articulada para superar, a partir da práxis, os problemas internos que debateremos mais a frente. Além de apontar para os limites da “classe média” branca que historicamente pouco arregaçou as mangas para proletarizar e popularizar a esquerda socialista brasileira, e também daqueles que inflam a sua importância por terem uma atuação consideravelmente relevante na internet, mas que não possuem trabalho político interno.

Acrescentamos ainda que esse texto é de total responsabilidade de seus autores e não reflete, necessariamente, as posições do CNMO. Também estamos dispostos a enfrentar os desdobramentos internos por rompermos com uma deliberação coletiva sobre a não realização de debates públicos de forma externa. Até porque nosso pressuposto é de que o centralismo democrático não é de uso facultativo, mas dada a urgência do tema aqui estamos.

Parte I: Não vejo nada, não vejo fita dominada

As análises que apresentamos na primeira parte deste texto, são consenso entre os autores desde, no mínimo, 2020, e elas foram a razão de ser da Conferência de Campo Limpo Paulista. As tornamos públicas com o intuito de colaborar com o debate a partir da perspectiva de quem, dentre outras atividades organizativas, também constrói o Coletivo Negro Minervino de Oliveira.

1. Fortalecer o marxismo

O passado e presente de organizações revolucionárias têm traços excessivamente europeus, assim como bases políticas que se originaram no mesmo continente e que até hoje não foram rompidas pelos brancos que dirigem as organizações — muitos oriundos da pequena burguesia e/ou “classe média”. Como consequência desse não rompimento, seguimos errando a nossa tática, que tem sido marcada por um trabalho prático frágil e que se expressa desde uma ultravalorização da produção teórica, vide acadêmicos que são referência no campo marxista mesmo sem terem contribuições relevantes para a organização da nossa classe, até a ultravalorização do uso das redes sociais (controladas pelas Big Techs) que, diga-se de passagem, nem sempre pode ser caracterizado como agitação e propaganda, se observarmos que essa deve ser consequência do nosso trabalho político e não o contrário.

Essas concepções são alguns dos motivos que fazem com que a esquerda socialista tenha pouca ou quase nenhuma territorialização nos bairros populares, o que dificulta a inserção orgânica no seio da classe trabalhadora, em especial, nos trabalhadores dos setores estratégicos. No caso do PCB, corpo partidário do qual fazemos parte, tem sido fundamental o trabalho dos seus coletivos partidários para essa inserção e superação desse problema. Seja com o trabalho do LGBT Comunista, do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro ou de suas frentes de massas como a Unidade Classista (UC), Coletivo Cultural Vianinha e a União da Juventude Comunista (UJC). Os desafios ainda são gigantes e nosso trabalho ainda é artesanal. Contudo, atuar nesses territórios e nos locais de trabalho nos traz uma visão mais fiel da realidade social brasileira, com suas dinâmicas e contradições difíceis de captar por quem está apartado das massas trabalhadoras.

Uma dessas dinâmicas, cara para nós, é a lógica do “mundo online” e das redes sociais que facilitaram a inserção de novos militantes nas organizações, mas não necessariamente a sua internalização no sentido dos desafios da luta socialista brasileira. A utilização das redes sociais têm cumprindo um papel importante de apresentar, ainda que de forma difusa — pela própria forma do meio em que se difunde — ideias socialistas para, sobretudo, certa juventude desiludida com o capitalismo.

Outro ponto que pensamos sobre a relação entre teoria e prática (práxis), é o desgaste político que organizações estruturadas majoritariamente por e para brancos provenientes das camadas médias e intelectualizadas — em especial homens cis heteronormativos — causa às mulheres, pcds, LGBT’s, desempregados e demais grupos sociais subalternizados que precisam lidar com diversos tipos de violências sofridas pelo capitalismo.

É importante dizer que isso não significa que não existam, por exemplo, negros nas direções e formuladores com trabalho sério e consequente. E muito menos que não existam camaradas brancos que são verdadeiros exemplos de abnegação e comprometimento com a classe trabalhadora. A eles, nosso profundo respeito. De toda forma, as nossas condições de lutas não são iguais para todos os militantes. Quanto antes reconhecermos isso, mais rápido iremos driblar as dificuldades enfrentadas por esses grupos, uma tarefa fundamental para conseguirmos atuar de forma massiva.

Nesse sentido, formou-se não apenas uma tradição, mas uma dinâmica que, por vezes, não considera as experiências das organizações populares brasileiras em nome de uma linha política que possui o seu valor, mas que não ganhará corpo se não acertarmos taticamente. É evidente que teríamos mais elementos para a superação dos nossos erros táticos se tomássemos como exemplo experiências dos movimentos dos povos dos campos, florestas, quilombolas, indígenas e de ocupações de fábricas mundo afora.

Para nós, esse acúmulo de lutas dos povos oprimidos é um norte para o fortalecimento da nossa organização. Como aprendemos com Clóvis Moura, não é possível retomar a importância do Manifesto do Partido Comunista e ignorar o histórico de lutas quilombolas. Frente a exploração do sistema colonialista, o povo negro organizou rotas de fuga, territórios, economia própria, sistemas de escoamento da produção agrícola para fora dos quilombos, entre outras formas de resistência. Os escravizados possuíam um nível organizacional que era capaz de realizar greves reivindicando descanso aos domingos ou grandes levantes, como a Revolta dos Malês. Cabe dizer, que essas revoltas não eram espontaneístas, mas sim, articuladas coletivamente para pensar rotas de fuga contra a opressão que sabiam que iam sofrer. Tereza de Benguela, por exemplo, foi liderança política do Quilombo do Piolho e coordenava a economia local. Isso deixa claro que, antes da tradição comunista, nós já tínhamos um histórico de resistência e organização de alto nível. Isso precisa ser resgatado.

No entanto, nós acreditamos que é necessário somar esforços para termos um salto de qualidade nessa crítica. O marxismo produzido na Europa, em si, é ruim? Ele deixou de cumprir o papel de analisar a própria realidade a partir da relação entre o particular e o universal, pautando a concretude e historicidade? Cabe a nós comunistas criticarmos o marxismo acadêmico de maneira abstrata? E mais, cabe a nós nomearmos as produções marxistas brasileiras que são ruins por não darem conta de analisar a própria realidade, de marxismo europeu?

A resposta para todas as perguntas é não. Na realidade, a grande falha que se apresenta nas produções marxistas brasileiras partem de um marxismo que não está verdadeiramente comprometido com a práxis. De um lado, temos produções teóricas que, ao analisarem a realidade, não percebem e/ou ignoram elementos que foram basilares para a formação do capitalismo e seguem estruturando o Brasil, como o racismo. Poderíamos citar diversos marxistas que abordam a formação social do nosso país e não dedicam ⅕ do tempo de suas reflexões para pautar a questão racial. Isso é lamentável. Quem não compreende que o racismo é o fio condutor da nossa história e uma das principais ferramentas da burguesia para manter o capitalismo de pé, pouco entende sobre o Brasil.

Não acreditamos, portanto, que essas produções não contemplam as nossas urgências porque são feitas por pessoas brancas, mas sim, porque elas realmente possuem limitações e não apontam caminhos eficazes para as reais necessidades da classe trabalhadora.

2. Criar um novo perfil de militante

Parte dos entraves que possuímos derivam de um dos maiores problemas da esquerda socialista brasileira: a maioria de seus membros são brancos. E dada as características da nossa classe, essa é uma questão que deve ser encarada frontalmente.

Ao longo de sua atuação política, as organizações socialistas brasileiras contaram com contibuições de negros e indígenas. Muitas delas invisibilizadas até hoje. Por isso seguimos tomando como referência a produção teórica desses militantes e somando no processo de proletarização das organizações revolucionárias. No entanto, não há como negar que a maioria da militância socialista é formada por pessoas brancas e de classe média, com destaque para universitários e servidores públicos.

Frente aos desafios e inúmeros problemas que precisamos superar para avançarmos em questões simples, hoje nós demandamos de um perfil militante que possa e/ou queira estar disposto a encarar as demandas que uma construção política verdadeiramente revolucionária requer, sem que isso desemboque em um moralismo político que julga aqueles que escolhem outros caminhos para suas vidas.

Nesse ponto, nós nos referimos às tarefas que se adequam ao momento da luta de classes em que nos encontramos, como a participação em um mutirão de limpeza numa ocupação. Essa tarefa é simples e comum para militantes ligados à luta popular por moradia, mas se torna um desafio dentro de um contexto de superexploração do trabalho pautado por 40 horas, tempo de deslocamento médio de 5 horas semanais (podendo chegar a 8 em metrópoles como São Paulo) e baixo retorno financeiro para a “recomposição” da força de trabalho vendida (lazer, moradia, boa alimentação e afins).

Assim, uma tarefa que parece fácil atinge um nível de exigência que passa pelo compromisso do militante em dormir cedo no dia anterior para evitar atrasos, deslocamento, dedicar um dia do final de semana para a militância e, dependendo da tarefa, abrir mão do tempo de descanso e/ou lazer. Evidentemente, esse cenário apresenta nuances para cada grupo social e pode ser ainda mais desgastante para militantes que lidam com trabalho reprodutivo e militantes que estão desempregados e num nível maior de precarização do trabalho — não necessariamente pelo desemprego, mas pela condição de vulnerabilidade social e marginalização que o grupo social enfrenta, vide a população travesti.

O caminho que acreditamos ser o mais adequado para superarmos essas questões, é forjar a organização das camadas mais populares e mudar radicalmente o perfil da militância. Mesmo porque, isso será fundamental para realinhar os sensos de urgência e oxigenar as nossas direções.

Agora, de nada adianta termos uma organização formada com presença considerável de pessoas negras se a linha política não for assertiva. Algo fundamental para uma organização que queira pautar a libertação política e econômica dos trabalhadores, é o compromisso inegociável com a legalização e descriminalização de todas as drogas. Essa será uma medida primordial para estabelecer o fim do genocídio negro que é pautado pela guerra às drogas que geram chacinas, encarceramento em massa e o adoecimento mental das mães das vítimas da violência capitalista/do Estado. A guerra às drogas é uma das ferramentas de controle mais exitosas construída pela burguesia local e deve ser alvo direto da classe trabalhadora.

Afirmar que é um problema a maioria dos militantes socialistas serem brancos não se trata de essencialismo racial, muito menos da positivação do povo negro, indígena e dos demais grupos que são racializados pelo capitalismo. Como citamos, as urgências políticas que se formam possuem dissidências: militantes brancos que constroem disputas políticas em espaços universitários não terão a mesma urgência de militantes negros que organizam atos contra chacinas realizadas pela polícia. Portanto, uma construção política que almeja construir o poder popular, necessita das camadas mais populares em suas fileiras para se tornar exitosa, o que torna necessária a construção das condições materiais que possibilitem que mais trabalhadores possam se organizar.

3. Fortalecer a nossa política de finanças

Não devemos ter nenhum apego com a pobreza ou orgulho das nossas dificuldades sobre a nossa política de finanças, isso porque, enquanto ela não for fortalecida, nós não conseguiremos levar nossa linha política e essa é uma questão material de primordial importância. Precisamos de militantes que elaborem sobre essa questão para darmos um salto de qualidade nas finanças de nossas organizações — isso não se trata de “empreendedorismo” e negócios individuais que pautam o socialismo, mas sim de pensar objetivamente e coletivamente essa questão.

Nós precisamos efetuar uma política robusta de finanças porque sem condições objetivas para o desenvolvimento do trabalho político seguiremos produzindo militantes doentes e frustrados — vide os casos de suicídios e problemas de saúde mental na militância de todas as organizações socialistas. Sem capacidade inventiva para a superação dos nossos problemas, seremos presas fáceis da lógica capitalista do adoecimento.

É possível, a médio prazo, desenvolver uma política de finanças que garanta maior atuação política das camadas mais precarizadas, sem recorrer a esquemas de corrupção em ocupações ou adentrar na máquina de sindicatos contra revolucionários? Nós acreditamos que sim, embora as soluções para essas questões não estejam completamente claras ou com a quantidade necessária de militantes realmente dispostos para resolvê-las. Novamente, formular sobre isso não é tarefa apenas das direções e as bases devem seguir experimentando caminhos para superarmos essa questão.

4. Retomar a importância e a centralidade do trabalho político

A não compreensão do que é ser um militante gera graves problemas organizativos e é importante que fique claro que isso é um problema das organizações, e não de nenhum militante de forma individual. Os problemas citados anteriormente geram uma formação política ruim e essa questão fica evidente em períodos de crescimento exponencial, quando as direções que já tinham debilidades, não dão conta dos processos formativos necessários para que aqueles que pretendem se organizar politicamente consigam compreender a dimensão das responsabilidades que entrarão em seu cotidiano. Isso é fundamental, inclusive, para que as pessoas possam escolher se realmente querem militar ou não.

Um dos problemas de uma formação débil, ainda muito presentes nas organizações socialistas, é a autoafirmação e a autoproclamação “revolucionária”. Acreditamos que elas são deletérias para qualquer organização séria e geram um ambiente de carreirismo e personalismo. Precisamos inverter essa lógica: militância socialista (no nosso caso, comunista) significa, antes de tudo, comprometimento com a classe trabalhadora e com a superação do capitalismo.

Outra deformação decorrente de uma má formação é a militância querer uma organização acabada, sem defeitos. Esse é um dos muitos traços do individualismo e do idealismo típicos da nossa sociabilidade. Essas características podem ser superadas com trabalho político sério, bem como, com formações e trabalho de massas.

Também é importante destacar o que é o trabalho dirigente. Direção não é cargo empresarial e o que um dirigente deve ganhar a mais sendo direção é trabalho e menos tempo livre, e não prestígio político ou inflações de vaidade. É incrível o apego de certas figuras a desejarem — a qualquer custo — serem direção. Isso só demonstra a incompreensão profunda do trabalho dirigente. Portanto, afirmamos: as direções tem problemas (e muitos!). Inclusive, nós, que também somos direção. O que as bases e os dirigentes devem fazer é, novamente, formular e superar os problemas através do trabalho.

Além disso, a base e a direção devem possuir uma relação de troca para que ambos consigam manter a organização com unidade política, e centralizada a partir das deliberações congressuais, que devem estar constantemente em análise e com os espaços internos adequados para que esse debate ocorra — e isso não é apenas a direção nacional que pode construir, a própria base pode fomentar esses espaços e pensar dinâmicas que poderão ser replicadas nacionalmente, caso sejam exitosas.

Nesse sentido, a base também pode centralizar a sua direção, mas isso só pode ocorrer se houver um contato direto entre a base e seus dirigentes. Por isso é importante a direção ter atuação política com a militância e não estar distante do trabalho de base realizado pela própria organização. Esse afastamento político é deletério e produz encaminhamentos políticos, formulações e orientações que não dialogam com a realidade.

Devemos extirpar a postura mimada — muito baseada na cultura do imediatismo fomentada pela agilidade das redes sociais — de que os problemas serão resolvidos da noite para o dia, através de insights. A realidade é mais dura que um passe de mágica, mas ela é o único terreno de atuação que temos e é nítido que quem não tem trabalho político não sabe o tempo das coisas. Fortalecer o perfil do militante que compreendeu a necessidade de formarmos uma geração com a devida disposição para avançarmos, é o caminho para que as direções e os militantes que realmente trabalham fiquem menos sobrecarregados.

Como expusemos na primeira parte do texto, a nossa leitura em relação ao PCB passa pela necessidade de superação de dois campos políticos. No entanto, Ivan Pinheiro e Jones Manoel estão, literalmente, organizando um racha do PCB e essa informação foi o motivo de iniciarmos a escrita desse texto. Está sendo construída a tentativa de formação de uma frente chamada PCB/Reconstrução Revolucionária, portanto, o fracionismo apontado pela CPN não é uma tentativa de calar o debate, embora a mesma não tenha construído os melhores caminhos para lidar com a crise. Nesse sentido, é importante que fique claro, hoje o que existe em nosso partido são dois grupos: os que são a favor do racha e os que são contra. Fazemos, sem ressalvas, parte do segundo grupo.

Parte II: Em qual mentira eu vou acreditar? Sobre Jones Manoel, Ivan Pinheiro e demais fracionistas

Neste momento de turbulência que estamos passando, já era esperado que o trabalho do Coletivo Negro Minervino de Oliveira fosse reivindicado como um possível escudo para tentativas fracionistas, mesmo que, a nossa militância não esteja protagonizando esse movimento e, possivelmente, não tenham sido chamados para a resenha. O que demonstra a arrogância, personalismo e falta de habilidade política desse grupo. Talvez superestimaram a importância da internet e acreditaram que o verbo se tornaria em carne. Além de ignorarem a possibilidade das direções e bases dos coletivos terem capacidade suficiente para realizar as suas leituras sobre a nossa organização e pensarem estratégias de enfrentamento aos problemas que temos.

Sim, também temos problemas. Inclusive, quando não conseguimos seguir com os debates internos acerca de uma nota construída pelo PCB de Pernambuco em apoio à um policial “antifascista” [sic]. Acabamos por priorizar as ações ligadas à construção da nossa Conferência, pois ela traria saltos organizativos mais concretos, inclusive para que possamos retomar, com qualidade, esse debate o mais breve possível. Além disso, avaliamos que quem estava defendendo isso internamente não teria força política o suficiente para levar isso adiante e acertamos. Dito isso, o que precisamos esclarecer, é que quem defendeu que o PCB saísse em defesa da polícia foi, justamente, Jones Manoel.

Tratando da assistência que recebemos do partido, gostaríamos de reforçar que a recebemos do CC a partir da Secretaria de Antirracismo e de Lutas Indígenas, de forma inédita.

Também é importante tornar público que uma das tarefas de Jones Manoel no CC era compor essa secretaria, porém ele nunca apareceu em nenhuma reunião e nunca desenvolveu trabalho político interno para o nosso fortalecimento, inclusive durante a construção da Conferência de Campo Limpo. E aqui não nos interessa desculpas ou subjetivismo narcisista, o que apresentamos são fatos. Além disso, existe um histórico de desrespeito do Jones aos camaradas do CNMO. Por exemplo, no período das pré-eleições de 2022, houve uma reunião do CC após um ato pelo Fora Bolsonaro. O PCB aproveitou para organizar a presença das pré-candidaturas, incluindo o Jones Manoel, e claro, preparamos um esquema de segurança que contou com a dedicação e tempo de um grupo de militantes. Jones, que reclama de falta de segurança durante as eleições, não foi ao ato porque estava de ressaca.

Além disso, Jones Manoel ignora a construção do CNMO em seu estado, exemplo disso, foi o 20 de novembro do ano passado, quando ele promoveu o trabalho de outras organizações políticas e nos ignorou. Também relembramos que ele, ao invés de fortalecer as secretarias de formação do CNMO, despende energia para mais um projeto próprio de formação política antirracista, a qual vem chamando de “Escola de Formação Política Solano Trindade”. Essas questões demonstram que Jones tem pouco apreço pelo trabalho coletivo.

Por fim, as discussões políticas construídas nas redes sociais por Jones Manoel já feriram construções que temos em nosso coletivo. Estivemos presentes com a nossa militância da Bahia na VII Jornada de Agroecologia, organizado pela Teia dos Povos. Afinal, uma das teses de atuação do CNMO passa pela questão territorial e a entendemos como um dos pontos centrais para aprofundarmos a organização de nossa classe. Durante esse mesmo período, Jones traçou uma discussão lamentável (nas redes sociais) com uma das lideranças da Teia, o que poderia atrapalhar a construção que estávamos realizando. Pra deixar tudo em panos limpos: Jones Manoel nunca bateu um prego no sabão em prol do desenvolvimento do coletivo que, agora, ele quer se associar e “defender” enquanto trabalha exclusivamente para o fortalecimento de sua personagem.

Quanto a Ivan Pinheiro, é de extrema importância lembrarmos que o que aconteceu nos anos 90, até hoje, não resultou em um ganho político relevante para o conjunto da classe trabalhadora. Derrotamos os liquidacionistas, mas ainda continuamos sem uma grande relevância social e, de lá pra cá, nós vivenciamos processos históricos em que o nosso partido não teve condições de responder à altura. As jornadas de junho de 2013, o golpe de Dilma (2016) e a eleição de Bolsonaro (2018) são eventos históricos exemplares.

Nesse sentido, queremos levantar alguns questionamentos acerca da figura Ivan Pinheiro, pois acreditamos que a sua trajetória política é inflada e que, novamente, se trata de um processo de ultravalorização do trabalho militante construído por homens brancos de todas as faixas etárias.

Também acreditamos que a militância mais recente não possui dimensão de acontecimentos passados que são importantes de serem retomados. Ivan Pinheiro foi Secretário Geral do PCB e já defendeu que o partido se fundisse com o PCdoB durante o XII Congresso. Alguns coletivos foram criados enquanto o Ivan Pinheiro era secretário político do PCB, mas isso não foi um acúmulo que obtivemos por conta de uma única figura política. Os coletivos são o resultado do acúmulo de lutas daqueles que constroem o PCB desde, no mínimo, os anos 90. Além disso, o militante em questão foi contra a criação do Coletivo LGBT Comunista. E ainda nos perguntamos: qual foi a contribuição prática do camarada para combater a direção que ele diz ser academicista?

A verdade, é que o Ivan Pinheiro não tem moral revolucionária para rifar o trabalho político construído pelos coletivos, em nome de uma pretensa defesa do marxismo-leninismo pautado por um racha que buscará construir a refundação do PCB, mas que na verdade, representará um grave recuo de todo o trabalho político que construímos e que Ivan não vê de perto. Nos parece que houve uma negligência quanto a capacidade política dos militantes dos coletivos e, assim como eles dizem que a CPN faz, diminuem a nossa importância e subestimam a nossa inteligência e trabalho político. Diga-se de passagem, já tivemos enfrentamentos políticos internos com militantes que saíram em defesa do fim da autonomia relativa dos coletivos no último Congresso e que, nessas disputas internas, nós ganhamos. Lembramos que esse tipo de conflito é normal na construção política e que as disputas internas existem, ganha, quem tiver maior peso político.

Para a militância compreender o que um racha significa em nossa organização, trazemos o exemplo prático do Pré-Vestibular Popular Lima Barreto que construímos na Zona Oeste do município do Rio de Janeiro. Para qual lado ficaria esse projeto? E se essa unidade do pré-vestibular ficar de uma lado e a unidade que construímos junto com o partido em Guarulhos ficar de outro? Como ficaria o cineclube organizado pelos camaradas do CNMO na periferia de Olinda? Ou as construções realizadas pelas camaradas do coletivo na Bahia, como eventos culturais que promovem artistas negras ou a mobilização por justiça por Pedro Henrique?

Só pensa nessas questões quem realmente constrói as coisas e sabe o esforço político despendido para que esses projetos sejam concretizados e mantidos com todas as dificuldades possíveis. Em resumo, o que o Ivan Pinheiro e o Jones Manoel estão articulando, abrirá a possibilidade de deixar cair por terra o trabalho político que vem sendo construído por gerações, como se eles representassem a solução iluminada das nossas questões internas.

Ora, se os camaradas tinham críticas e eram minoria, por que não trabalharam internamente para mudar a situação? Nós, quando vimos nossas limitações, fomos construir uma Conferência Nacional porque acreditamos que o trabalho político é a saída para as nossas questões. Já os camaradas que citamos, por não terem trabalho político desenvolvido internamente, precisaram ir para as redes sociais ferir o centralismo democrático, reivindicando os resultados da nossa tática e apostam em uma saída que corroerá o nosso trabalho. Desrespeitaram o centralismo democrático com a justificativa de que não tinham mais alternativas e com expressões como “antes que seja tarde”.

Isso demonstra a fraqueza política e pouca capilaridade interna de ambos darem um salto qualitativo à nossa organização, que dirá orientar nossa classe. Antes que seja tarde pra quê, camaradas? Para racharem o partido como vítimas injustiçadas e verdadeiros herdeiros do marxismo-leninismo? A isso chamamos fracionismo. Isso demonstra a diferença substancial entre aqueles que surgem agora como salvadores dos trabalhadores e aqueles que, de fato, estão preocupados com os rumos de nossa organização.

Conclusão

O distanciamento das camadas mais precarizadas da luta comunista ocorre por diversas razões. Entre elas, destacamos fortemente a falta de condições materiais para que a militância seja uma possibilidade em seu cotidiano. Em contrapartida, isso é justamente o que nos impede de criarmos as condições necessárias para massificar as nossas frentes. Nos parece que existe um comodismo político que impede a esquerda revolucionária de resolver os problemas expostos nesse texto. Como consequência, estamos em uma encruzilhada que, vista de imediato, parece não ter saída. No entanto, nesse momento um desses caminhos é o fraccionismo coberto de uma pretensa superioridade moral revolucionária e que pode corroer o trabalho coletivo que estamos realizando. Por isso, Jones está errado quando afirma tratar-se de uma ala esquerda e uma ala direita. Uma “ala esquerda” que tem como bastião do marxismo-leninismo um defensor da fusão do PCdoB com o PCB, e outro que afirmou querer ser policial num país que mata preto e pobre que nem barata? São questões que a militância que constrói o PCB deve questionar.

O conflito que estamos acompanhando é a síntese de um problema de fundo. Assim, a nossa crítica fraterna ao nosso corpo é: não podemos ser reféns de quem não tem trabalho político sério e, neste momento, faz de tudo para jogar por água abaixo um trabalho político construído com esforço, como um afogado que quer se apegar a tudo e a todos, e fazer nos submergir para se salvar. Tampouco podemos fazer vistas grossas para problemas históricos que a tradição comunista, incluindo nosso partido, possui e para a dinâmica autofágica que se forma perante tais condições. Foram esses problemas que permitiram a formação de um grupo político que, nas redes sociais, produz debates calorosos que são vergonhosamente acompanhados pela falta do trabalho político com inserção relevante na classe trabalhadora.

Mesmo assim, defendemos a unidade partidária e acreditamos que ela deve se dar através da organização política da classe trabalhadora para que ela possa deliberar sobre a própria existência, inclusive, através do confronto político interno. Embora não produza resultados imediatos, fortalecer criticamente um instrumento centenário de luta, é uma política consequente que tem produzido avanços.

A possibilidade de um racha em nosso partido trará perdas significativas do trabalho coletivo feito por milhares de militantes consequentes que não possuem as redes sociais como tribunas de debates, mas nem chegará perto de acabar com nossa organização. O chamamento de um Congresso, sem discussão com as células, através da internet, é mais uma das táticas fracionistas. Perguntamos: Quem organizará os debates? Quem bancará a estrutura para tal? Quem construirá a política de finanças? Novamente, são questões que só podem ser pensadas por quem trabalha.

Ademais, capacidade organizativa — como demonstramos fartamente — não é o forte de Ivan Pinheiro e Jones Manoel. Certamente ambos querem ser estrelas e não construtores orgânicos de um possível Congresso. Caso ainda não tenha ficado claro, o Jones Manoel não quer construir uma nova organização a partir do racha, ele quer mandar e ser a estrela de sua própria organização que provavelmente se chamará PCB — Reconstrução Revolucionária.

Nós devemos tomar como caminho o que já existe dentro do nosso complexo partidário: o trabalho e a disposição. Os dois podem ser encontrados na militância que constrói os nossos pré-vestibulares, ocupações, brigadas ou que atuam como parceiros em territórios quilombolas, por exemplo. Por isso é fundamental que nesse momento os que são correria dêem as caras e reivindiquem respeito com o próprio trabalho porque é dessa forma que vamos evitar que ele seja disputado pela pequena política.

Por fim, queremos pontuar que o militante histórico do PCB, Geraldinho, compartilhou em suas redes sociais reflexões que dialogam com o que tratamos nesse texto. Suas considerações tiveram uma repercussão praticamente nula, enquanto as de Ivan Pinheiro foram lidas e debatidas a fundo. Parte da militância do PCB, por ter o perfil que já descrevemos — que também está presente em toda esquerda socialista — oferece um peso político a um militante como o Ivan ao mesmo tempo que desconhece a existência, que dirá a relevância política, de um quadro fundamental da história do partido. Geraldinho foi nascido e criado em um quilombo, é Mestre de Jongo, professor e hoje, aos 58 anos e com 42 de PCB, ainda constrói ocupações e dorme na chuva para garantir moradia para a nossa classe. E Geraldinho é apenas um exemplo, entre diversos camaradas valiosos, que construiu nas sombras a nossa história.

Isso é para dizer que o PCB é muito maior do que estamos assistindo, há anos, nas redes sociais como o Twitter. De toda forma, lembramos que foram militantes como o Geraldinho que fizeram a Conferência de Campo Limpo Paulista acontecer porque mesmo que ele não tenha participado presencialmente da construção no ano passado, ele compôs o grupo de militantes que plantaram a semente para que hoje o CNMO seja uma realidade.

No mais, somos parte integrante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e herdeiros de sua tradição que possui tanto erros como acertos. Reafirmamos, portanto, que nós também somos esse partido e que toda agressão ao seu corpo encontrará gente disposta a defendê-lo.

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