O Brasil Odeia Ciência
O que começou como um prefácio de posts nas mídias sociais de divulgadores científicos, principalmente sobre a fragilidade (ou melhor, a falta e o fracasso) dos projetos militares aeroespaciais, tornou-se uma frase-meme para representar qualquer postura anticientífica, negacionista, antivacina ou comparativa com os avanços de outros países, especialmente durante a pandemia.
Atualmente, a expressão “Brasil odeia ciência” carrega todo o desânimo tanto dos entusiastas quanto daqueles que, teimosamente, fazem e divulgam ciência no Brasil.
Para melhor compreender essa visão pessimista sobre como o povo, a imprensa, as autoridades e o governo se comportam em relação à ciência, decidi pesquisar os principais pontos, baseados em pesquisas formais, que ajudaram a popularizar essa afirmação:
Políticos anticiência
No Brasil, essencialmente marcado pelo populismo digital e sem sequer o conceito de partidos com princípios e projetos nacionais, os políticos tendem a ser eleitos com base em retóricas vazias, pautas como moral, patriotismo, corrupção e a luta contra inimigos imaginários (globalismo, woke, elites comunistas, establishment).
Em consequência, políticos anticiência não são eleitos por serem anticiência, mas por se apresentarem como “anti-sistema”.
Para piorar, o sistema eleitoral e o funcionamento do parlamento inibem a representatividade da população, favorecendo lobbies regionais e nacionais.
Há pouca representatividade da população real (poucas mulheres, poucos trabalhadores, muitos brancos, muitos ricos, latifundiários, oportunistas da direita).
O chamado conservadorismo reflete os interesses econômicos e morais de uma elite que busca apenas a extorsão do Estado. As leis não são feitas com base nas reais demandas da população.
Cientistas, universidades e professores são vistos como inimigos da pátria
Para manter e expandir o poder político, seus agentes promovem agressões a cientistas e calúnias contra as universidades. Isso faz parte de uma estratégia maior que não visa atacar a ciência em si, mas sim os mediadores da esfera pública e da democracia.
Aqueles que atacam cientistas, também atacam com mais intensidade jornalistas, órgãos de controle, movimentos sociais, entre outros.
Santa ignorância!
Cidadãos se revoltam contra evidências científicas quando estas não agradam a seus princípios culturais ou religiosos.
No entanto, é importante esclarecer que a negação das evidências científicas está menos associada ao anticientificismo e mais a uma guerra cultural.
Dados mostram que negacionistas climáticos e terraplanistas são mais influenciados por política do que por ignorância.
A desinformação promovida pela nova direita, muitas vezes enraizada em religiões, convenceu as pessoas de que falar sobre fatos científicos é ser “de esquerda”.
Esse movimento anti-intelectualista foi importado junto com a desinformação, advindo do movimento neoconservador dos EUA, ressurgido com a Alt-Right, especialmente após o “crash” de 2009.
Suas raízes – o “bullying” contra “nerds” e o culto a presidentes fortes, ignorantes, brancos e fundamentalistas – têm origem, não por coincidência, no período pós-crash de 1929.
Exemplo: “A gente viu aí na discussão do Ensino Médio, as pessoas falando sobre o que tem que ser ensinado em termos de ativismo LGBT. A gente viu aqui dentro da Prefeitura o programa Saúde para Todos e um protocolo de como tratar a questão do bloqueio de puberdade em crianças”, disse a candidata à Prefeitura de São Paulo Marina Helena (Novo) durante uma sabatina promovida por Folha e UOL em 17.set.24 – Folha 18.set.24.
Condições de trabalho dos cientistas no Brasil são horríveis
Os investimentos em ciência e educação nunca foram prioridade (exceto no período entre 2002 e 2014); desde então, estamos em declínio. Em 2010, o Brasil conseguiu investir 1% do PIB (o mesmo valor destinado às Forças Armadas) em Ciência e Tecnologia (C&T) – considerado o limiar mínimo para um país “existir” na ciência –, sendo que 50% desse valor veio do Estado.
Respeitar a ciência não significa apenas investir e promover o letramento científico da população, mas também criar interfaces de participação pública em C&T.
A Dinamarca, por exemplo, tem uma política de inovação desde os anos 1970, sendo um dos primeiros países da União Europeia a implementar mecanismos de deliberação em C&T com a sociedade. Entre 60% e 85% do dinheiro para C&T naquele país vêm do setor privado.
No Brasil, as empresas não investem; apenas parasitam a pesquisa aplicada financiada pelo Estado, o que agrava ainda mais a situação.
O anticientificismo, enfim, é alimentado mais por políticos e empresários do que pelo povo, que, ironicamente, se vacina mais do que a maioria dos países da Europa.
Fontes:
Políticos anticiência – Artigo: “Populismo e Ciência: O Impacto do Populismo na Política Científica no Brasil” – Este artigo discute como o populismo digital influencia a política científica no Brasil, destacando a retórica vazia e a falta de projetos nacionais. – SciELO
Cientistas, universidades e professores são vistos como inimigos da pátria – Artigo: “A Percepção Pública da Ciência no Brasil: Desafios e Oportunidades” – Este estudo aborda a percepção pública da ciência e como cientistas e universidades são frequentemente atacados por agentes políticos. – Portal de Periódicos CAPES
Santa ignorância! – Artigo: “Negacionismo Científico e Guerra Cultural: Uma Análise das Motivações Políticas e Culturais” – Explora como a negação das evidências científicas está mais associada a uma guerra cultural do que à ignorância. – Google Acadêmico
Condições de trabalho dos cientistas no Brasil são horríveis – Artigo: “Financiamento da Ciência no Brasil: Uma Análise dos Investimentos e Impactos” – Analisa os investimentos em ciência e tecnologia no Brasil, destacando o declínio desde 2014. – SciELO
Sérgio Vieira
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mailto: Projeto Impressões Digitais