Mais de 50 famílias perdem suas casas em meio à pandemia de covid-19 em Piracicaba

SUP — Mídia Livre
6 min readMay 7, 2020

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A ação de reintegração de posse aconteceu hoje (7 de maio) última quinta-feira, na Comunidade do Taquaral, situada em um terreno específico no bairro Monte Líbano, na região sul de Piracicaba (SP). Mais de 50 famílias viviam no espaço que autor alega que há 100 anos fazem parte da família e são usadas para pastagem de gado, porém conforme constam nos autos do processo de nº 1023304–60.2016.8.26.0451, o autor litiga por usucapião as terras em que alega ter posse, são mais de 110 anos sem cumprir sua função social.

Uma ação foi ajuizada pelo coproprietário da área e deferida pela juíza Fabíola Giovanna Barrea nos autos de nº 1001115–49.2020.8.26.0451, sob alegação de que os documentos relatados comprovavam a propriedade e a posse indireta, além de conceder uma liminar nos autos da reintegração requerendo reforço policial para comprimento da medida, a juíza considerou a alegação de que as pessoas não viviam no local o que restou evidente ser inverdade considerando todas as pessoas que ainda permaneciam na área.

Fotos: Gabriel Albertini @gabrielalbertini

Na terça-feira (5), a Casa de Cultura Hip-Hop de Piracicaba juntamente com mais de 25 grupos, entre coletivos, entidades, centros acadêmicos e partidos políticos, enviou uma carta para a prefeitura do município pedindo o adiamento da reintegração. Em resposta, a prefeitura disse se tratar de uma reintegração de posse em terreno particular e que as respostas dependiam da juíza, deixando de considerar a responsabilidade por abrigar seus cidadãos.

Marcela Bragaia, da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap), enviou ofício à Defensoria Pública argumentando a falta de notificação ao órgão referido e ao Ministério Público Estadual(MP-SP) em relação à reintegração e risco da ação em meio à pandemia. A Defensoria Pública, por meio de provocação, entrou com pedido urgente de suspensão da reintegração de posse na justiça e com um agravo de instrumento no tribunal de SP, que não foram concedidas nem pela juíza Fabíola nem pelo Desembargador.

Fotos: Gabriel Albertini @gabrielalbertini

A operação estava marcada para as seis horas da manhã. Moradores da comunidades, advogados, militantes políticos e apoiadores deram início à organização da comunidade por volta das três e meia da manhã, logo em seguida a Polícia Militar se fez presente na comunidade ainda na madrugada criando tensão entre os moradores.

Fotos: Gabriel Albertini @gabrielalbertini

De forma arbitrária e hostil, a Polícia Militar encurralou os moradores em uma área do terreno até o momento da reintegração obrigando todos a se aglomerarem desrespeitando todas as orientações de prevenção da pandemia do COVID-19, e ordenou que apenas os advogados constituídos no processo os despejados poderiam permanecer no local e que o descumprimento da ordem resultaria na prisão por desobediência expulsando a mídia que estava no local, chegando até mesmo a expulsarem o Co-Deputado Estadual Fernando Ferrari que acompanhava a ação policial para evitar excessos a pedido dos advogados populares.

Fotos: Gabriel Albertini @gabrielalbertini

Os moradores e colaboradores da comunidade permanecem em resistência no local exigindo os requisitos mínimos para a saída, os caminhões para a mudança e autorização para entrarem em suas próprias casas retirarem seus pertences. A imprensa, agentes da sociedade civil organizada, conselheiros municipais, deputados estaduais, e os moradores residentes que estavam do lado de fora não puderam entrar na comunidade.

As seis horas da manhã, a Comunidade do Taquaral concordou em deixar o terreno de forma pacífica e quatro tratores deram início a derrubada das moradias.

Fotos: Gabriel Albertini @gabrielalbertini

A população da comunidade vizinha, conhecida como Pantanal, deu início à manifestações contra a ação. Entre palavras de ordem e gritos de indignação, um rojão foi estourado para o alto, dando início à uma ação truculenta da polícia militar sob a falsa justificativa de estarem atirando neles.

Bombas de gás lacrimogênio, spray de pimenta e tiros bala de borracha foram disparados contra os moradores das duas comunidades. Famílias, crianças e idosos tiveram suas casas atingidas, o ataque continuou até oito horas da manhã, algumas pessoas tiveram escoriações leves, desmaios e falta de ar.

Fotos: Gabriel Albertini @gabrielalbertini

As moradias foram derrubadas, as famílias foram realocadas com auxilio da sociedade civil sem amparo algum da prefeitura. O prefeito não manifestou nenhuma forma de solidariedade, ao contrário, trata com descaso e omissão as 50 famílias que se encontram sem moradia durante uma pandemia de um vírus letal.

Em nota, o 8º Promotor de Justiça de Piracicaba Luciano Gomes De Queiroz Coutinho, escreveu que “Era urgente e necessário que a reintegração fosse realizada o quanto antes, a fim de se evitar que a área fosse ocupada por grande número famílias. É certo que se a reintegração fosse feita daqui a alguns meses, os 150 barracos estariam concluídos e ocupados, tornando a desocupação extremamente traumática, implicando maiores prejuízos e sofrimentos para número muito maior de pessoas.”

Fotos: Gabriel Albertini @gabrielalbertini

Em meio a pandemia devemos ficar em casa, mas em qual casa essas pessoas vão ficar? O promotor apresenta dois pesos e duas medidas, se por um lado reconhece o direito do autor como proprietário, por outro desconsidera a inexistência do cumprimento da função social da terra e o direito constitucional que todas as pessoas têm à uma moradia digna.

Ao final as famílias foram realocadas temporariamente para a Igreja Batista Raiz por mediação da Deputada Estadual Bebel , no bairro Morumbi, em Piracicaba (SP). A sociedade civil iniciou uma campanha de arrecadação de roupas, cobertores, produtos de higiene pessoal, alimentos, As doações podem ser feitas no local.

Texto: Redação SUP
Fotos: Gabriel Albertini

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