Aglomerado de pessoas da comunidade ‘Taquaral’ cercadas pela polícia com tática alemã chamada Kettling condenada internacionalmente | Fotografia de Gabriel Albertini /SUP

PM do Estado de São Paulo utiliza contra trabalhadores desabrigados tática condenada internacionalmente, inclusive pelo seu próprio manual interno.

Chamada de “Kettling” que em português significa caldeira, tática foi usada 1ª vez em 1986 na Alemanha reprimindo manifestantes que protestavam contra a construção de usinas nucleares, e no mesmo ano foi condenada pelo Tribunal Administrativo de Hamburgo.

SUP — Mídia Livre

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por: Carlos Canedo

O fato aconteceu no interior do estado de São Paulo e a SUP foi a única mídia que conseguiu estar dentro da comunidade durante o despejo na cidade do lugar onde o peixe para e o pobre come bala, a polícia impediu todas as mídias de entrar na comunidade e por se fazer presente narramos objetivamente os fatos a seguir contando com a descrição de quem esteve no front dessa guerra popular cotidiana da luta por moradia, o erro da justiça foi achar que ninguém estaria vendo, mas a verdade é que o mundo todo assistiria. Piracicaba está aproximadamente à 173 km de distância da capital, e foi lá, distante dos olhos da esmagadora maioria das pessoas que a Polícia Militar do Governo do Estado de São Paulo mostrou que está definitivamente a serviço da elite brasileira e já não procura mais disfarçar de forma alguma. Em plena pandemia do COVID-19 alastrada pelo mundo todo, com o Estado de São Paulo no topo da lista de infectados com mais casos e mortes em todo o Brasil, com criteriosas medidas de cuidado sanitário e necessidade eminente de rígido isolamento com escolas fechadas, comércio fechado, apenas os serviços essenciais em funcionamento,mas parece que para a ilustríssima meritíssima Fabíola Giovanna Barrea Moretti (que recebe acima do teto constitucional um salário de R$ 43.900,00), despejar pobre também é um desses serviços essenciais indispensáveis como descreve em sua sentença, que foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em decisão monocrática do desembargador Samuel Francisco Mourão Neto (que também recebe acima do teto um salário de R$ 69.700,00).

Última parte da decisão que manteve o despejo em Piracicaba-SP

“Por fim, é certo que a situação da pandemia não impede, por si, o cumprimento de atos de natureza urgente, como no presente caso, mormente diante das informações constantes de que o número de famílias que se encontram no local é diminuto.” Processo nº 1001115–49.2020.8.26.0451, 4ª Vara Cível de Piracicaba, decisão de fls. 217/219

E foi simples assim que na última quinta-feira dia 07 de maio, o Poder Judiciário amparado pelo aparato policial estatal cumpriu uma reintegração de posse contra cerca de 200 pessoas que residiam em uma comunidade ocupada desde janeiro deste ano conhecida por “Taquaral” anexa a conhecida favela “Pantanal”, que segundo a própria juíza “o número de famílias que se encontram no local é diminuto.”, ou seja, ínfimo, mínimo, microscópio, de pequeníssimas dimensões, em pouquíssima quantidade, reduzido segundo nosso dicionário, já todas as notícias e reportagens televisivas que denunciaram o abuso de poder contra as famílias da comunidade Taquaral para o país inteiro reportaram outra realidade. A advogada popular ligada da RENAP — Rede Nacional dos Advogadas(os) Populares, Marcela Bragaia também discorda:

“As famílias não foram intimadas pessoalmente, e nós da advocacia popular fomos acionados apenas na segunda dia 04. Provocamos via oficio a atuação da Defensoria Pública, bem como do Ministério Público, que deveriam ter sido intimados pelo juízo que se manteve inerte nesse sentido. A Defensoria requereu prontamente a suspensão em primeira e segunda instância na tentativa de reverter a situação, mas o frustrante é que os argumentos das decisões estão desconexos com a realidade fática enfrentada pela comunidade, não condiz com os problemas que essas famílias enfrentam” diz a advogada popular.

No fim da madrugada algumas famílias já se reuniam em frente a suas casas | Fotografia: Gabriel Albertini/SUP

A extensa área embora ainda não estivesse totalmente ocupada já contava com todos os elementos que compõe uma comunidade estabelecida, inicialmente a SUP constatou, em seu primeiro contato no dia 04 de maio, aproximadamente 90 famílias instaladas e vivendo no local, mais de 200 pessoas de todas as idades entre jovens e adultos, quase uma centena de crianças e muitos idosos, inclusive uma das situações mais preocupantes era de dona Maria (identificada apenas pelo primeiro nome), uma senhora com mais de 70 anos que segundo os moradores vivia em situação de rua antes de chegar à comunidade e teria de voltar pra rua com a efetivação do despejo, visitamos seu barraco com aproximadamente um metro e meio quadrado, minúsculo com alguns poucos pertences e um colchonete infantil em cima de um engradado onde provavelmente ela dormia encolhida, na noite que antecedeu o despejo ela passou mal de ansiedade e teve que ser internada, suas coisas precisaram ser levadas por outros moradores para não serem destruídas.

Pouco antes da chegada da polícia os moradores ascenderam uma fogueira para espantar o frio, eles não atearam fogo nas barreiras de pneus | Fotografia: Gabriel Albertini/SUP

No dia da reintegração de posse muitas pessoas já haviam deixado a comunidade com medo de represálias e violência, levado seus filhos e pertences para casa de parentes ou amigos, mas a grande maioria das pessoas não conseguiu deixar o local, e aproximadamente 60 famílias permaneceram em suas casas até a chegada da polícia. Algumas pessoas estavam trabalhando e não puderam estar no local no exato momento do início da reintegração e quando chegaram foram impedidas de entrar na comunidade pelo cerco da polícia e perderam seus pertences, como narram alguns moradores que preferem não se identificar com medo de represália policial, um trabalhador que também prefere não se identificar diz que terá de voltar para o aluguel mas não sabe como se não tem mais serviço:

“(…)trabalho como terceirizado na Hyundai e pagava R$ 800,00 de aluguel antes de vir para a ocupação, o último pagamento foi apenas pelos 9 dias trabalhados, agora a empresa está parada e nós não estamos recebendo nem metade do salário, não tenho mais como pagar aluguel” morador da comunidade terceirizado na Hyundai.

Os moradores da comunidade questionam para onde serão levados | Fotografias: Gabriel Albertini/SUP
Helicóptero “águia” da PM sobrevoa o local do despejo | Fotografia: Gabriel Albertini/SUP

Com um aparato de guerra contando com drones, helicóptero, cachorros e armamento pesado com munições letais e não letais, bombas e um grupo de operações especiais do BAEP, a polícia não conteve elevados gastos para prevalecer o direito privado de uma única família de herdeiros em detrimento do direito constitucional de mais de 60 famílias de desabrigados brasileiros entre terceirizados, trabalhadores informais, desempregados e imigrantes haitianos.

Advogados Populares, codeputado e apoiadores tentam dialogar com a chegada da polícia | Fotografia: Gabriel Albertini/SUP

A PM chegou no local às 5h horas da manhã sozinha desacompanhada de qualquer autoridade judicial, mesmo sem a presença do oficial de justiça a polícia invadiu a comunidade e começou a retirar os bloqueios montados pelos moradores na entrada principal. Sem nenhum diálogo, inicialmente se posicionaram em forma de barreira impedindo a passagem de qualquer pessoa para dentro ou para fora da comunidade, nesse momento foi informado de forma bastante intransigente que às 6h eles dariam início a reintegração e derrubaram todos os barracos passando por cima de quem fosse necessário, nas próprias palavras do tenente Átila que aos berros gritava que “todas as casas a máquina vai passar por cima e do que estiver lá”. Segundo as palavras ditas pelo mesmo tenente todos deveriam se retirar para não serem presos por desobediência, inclusive quem não era morador e não deveria estar ali ainda segundo ele.

Fotografia: Gabriel Albertini/SUP

Exatamente às 6h da manhã, enquanto advogados de defesa ainda tentavam dialogar para que a reintegração acontecesse de forma pacífica, a PM comandada pelo Capitão Donizete iniciou a operação surpreendendo todos com uma tática alemã conhecida como Kettling (caldeirão ou chaleira no nosso idioma), também chamada de panela de Hamburgo atualmente ela é amplamente criticada por organizações nacionais e internacionais que lutam por direitos humanos, em 1986 ela foi condenada pelo tribunal de Hamburgo após ser utilizada para conter manifestantes que protestavam contra usinas nucleares após o crime ambiental ocorrido em Chernobyl.

Comunidade devastada pela Polícia Militar, moradores cercados por tática alemã condenada mundialmente | Fotografia: Gabriel Albertini/SUP

No ano de 2016 em uma entrevista para o Justificando a advogada da organização de Direitos Humanos Artigo 19 Camila Marques afirmou que a tática viola o próprio Manual de Controle de Distúrbios Civis da Polícia Militar sobre o tema, ela afirma ainda que o uso da tática não só aumenta a violência como dá início à ela, a advogada popular Marcela Bragaia concorda:

“A própria tática utilizada era hostil e tendia à violência iminente inevitável. A comunidade se manteve pacífica a todo momento, fomos confinados e acuados, aglomerados sem qualquer tipo de cuidado, nem em relação ao vírus nem com a segurança das pessoas no local, e quando a PM começou a atirar contra a comunidade que protestava do outro lado se viraram contra nós e atiraram indiscriminadamente nos impedindo de sair da linha de tiro e atingiram gratuitamente várias pessoas, inclusive idosos com a mobilidade reduzida. O tempo todo buscamos conscientizar o comando da PM de que o confinamento era impróprio e inadequado principalmente naquelas condições, mas fomos absolutamente ignorados e eles insistiram na covardia e violência. Ao questionarmos com o oficial de Justiça Cyd Merz da Silva, ele respondeu que não poderia fazer nada pois quem ordenava era o capitão, um absurdo sem lógica jurídica.”

O manual da polícia realmente prevê inadequada a tática do confinamento de pessoas e previsível a violência que segundo o manual deveria ser indesejada mas na prática foi o meio utilizado para atingir o objetivo:

“A multidão não deve ser pressionada contra obstáculos físicos ou outra tropa, pois ocorrerá um confinamento de consequências violentas e indesejáveis.” — Manual de Controle de Distúrbios Civis da Polícia Militar, item 3.2.1.

A tática já foi utilizada pela polícia do governo do estado nas manifestações contra a Copa do mundo na Avenida Paulista e amplamente criticada internacionalmente naquela época. A PM de Minas Gerais também chegou a utilizar da mesma tática na mesma época também vindo a ser recriminada, mas agora a PM do Dória, que nem sempre foi a PM do Alckmin, que antes era a PM do Serra já foi do Covas, Fleury e Quércia, até do Franco, a PM da Ditadura, da repressão, conseguiu enfim se superar em todos os aspectos de repulsa e irresponsabilidade social ao se utilizar da tática alemã para reprimir os moradores de uma comunidade pacífica de sem teto, despejada arbitrariamente sem ampla defesa ou análise profunda do contraditório princípios processuais que não servem aos pobres, tudo no célere rito especial das ações possessórias, a decisão ocorreu , Sem ouvir a outra parte,ou seja, sem que a outra parte (no caso os moradores) fossem ouvidos ou apresentassem uma defesa, já que nos casos de litígios coletivos de luta por moradia, após o cumprimento da liminar a matéria perde o efeito o que faz com que a liminar extingua o litígio pois o despejo é irreversível considerando a devastação com que é efetivado sempre destruindo e derrubado o trabalho duro de famílias honestas e trabalhadoras, um paradoxo jurídico da segregação da justiça. Essa mesma lei que prevê o rito especial também prevê medidas para evitar esse tipo de tragédia, como a citação do Ministério Público e da Defensoria Pública em casos de litígio coletivo, mas foram todos ignorados pelo juízo e o MP só se manifestou ( fica evidente pelo documento que sem conhecimento nenhum da causa) impulsionado pela Advocacia Popular e Defensoria Pública que por sua vez só tomou conhecimento através da advocacia popular de Piracicaba e não intimada pelo juízo como prevê a legislação processual civil.

A PM iniciou então uma truculenta operação de guerra encurralando os moradores e defensores populares na Panela de Hamburgo(incluindo a advocacia popular, um codeputado estadual, a mídia livre e apoiadores) formando uma aglomeração absolutamente perigosa e de alto risco para todos, não apenas por todas as questões já debatidas contra a utilização dessa tática ao se conter civis, mas também pelo alto risco de contágio do vírus COVID-19, considerando que Piracicaba está com um índice alto de contágio em um quadro que só se agrava no nosso estado. A tática que é considerada ilegal por diversos juristas do mundo, inclusive já foi julgada ilegal por um tribunal alemão, é desumana em condições normais, ainda mais em condições extraordinárias de saúde pública como a que nos encontramos, foi um desespero angustiante para quem esteve lá.

Policial atira conta manifestantes rendidos e cercados. Imagens retiradas de vídeo feito por cinegrafistas amadores da comunidade.
Policial aponta para cinegrafista que escapa por pouco de ser atingido, outra pessoa foi atingida nas costas nesse momento | Imagens retiradas de vídeo feito por cinegrafistas amadores da comunidade.

Depois de todos cercados no caldeirão da PM (vamos chamar assim), a polícia retirou o codeputado estadual Fernando Ferrari da Bancada Ativista de dentro da ocupação se utilizando de má-fé para afastá-lo da ação policial, instantes depois outra parlamentar seria hostilizada pela polícia e impedida de acompanhar o despejo na entrada principal (fato reportado por diversas mídias), a deputada estadual Bebel foi ameaçada de prisão por desobediência e chegou a ser tocada à força pelo Tenente Átila que depois se conteve e desistiu de prendê-la. Dentro da ocupação todos ficaram desamparados dos olhos da lei pelo legislativo paulista por impedimento da PM, apenas os advogados populares, apoiadores da cidade e essa mídia que lhes narra se mantiveram presentes, estavam preparando o campo para as agressões que viriam a seguir,sob a justificativa de que a comunidade do outro lado do córrego estava protestando com rojões a PM iniciou uma barbárie ao atirar indiscriminadamente contra a população já contida e sem ter para onde correr por estarem presas no caldeirão da polícia militar, a polícia também atirou bombas de efeito moral e balas de borrachas contra mulheres e crianças das duas comunidades, muitas pessoas passaram mal e uma criança e uma senhora chegaram a desmaiar, quem estava filmando também era hostilizado e tinha armas apontadas para si como intimidações, algumas armas continham nitidamente munições letais, e as tropas que cercaram a população estava completamente sem identificação. muitas pessoas passaram mal e uma criança e uma senhora chegaram a desmaiar, quem estava filmando também era hostilizado e tinha armas apontadas para si como intimidações, algumas armas continham nitidamente munições letais, e as tropas que cercaram a população estava completamente sem identificação.

Policiais do batalhão de choque estavam todos sem identificação e com o rosto totalmente mascarados | Foto: Gabriel Colombo |PCB
Morador rendido dentro da ocupação é atingido nas costas | Foto: Marcela Bragaia

O oficial de justiça Cyd Merz só entrou na comunidade após o cerco feito e permitiu que as famílias fossem apenas uma de cada vez acompanhadas dele até seus barracos para inventariar seus pertences ou os retirasse imediatamente durante a inspeção, os bens de quem não conseguiu levar para nenhum lugar foram encaminhados à um abrigo da prefeitura e permanecerão disponíveis até destruição caso ninguém busque, já que além de longe e a maioria não ter carro nem dinheiro para pagar um frete, ainda possui uma burocracia desnecessária para retirada (depois para retirar os pertences os advogados precisam peticionar requerendo o pedido no processo e aguardar o deferimento).

Fotografia: Gabriel Albertini/SUP

Ao final a juíza afirma que a Defensoria Pública dissociou-se da realidade:

“Vislumbra-se, portanto, que a manifestação da Defensoria Pública encontra-se totalmente dissociada da realidade fática, havendo até mesmo indícios que os invasores buscam apenas a obtenção de lucro com a venda irregular de lotes, o que não se pode admitir.” Processo nº 1001115–49.2020.8.26.0451, decisão de fls. 217/219

Definitivamente na concepção de realidade essa juíza faltou à aula, segundo a lei um juiz precisa conhecer a realidade da sua comunidade e os anseios de sua população para decidir imparcialmente considerando questões de relevância pública e impacto social, porém ela afirmou que não tinha ninguém morando no local sem visitar pessoalmente ou nomear um perito que o fizesse, ou considerar a questão social do déficit habitacional, mantendo-se a favor do autor que juntou tão somente um contrato de arrendamento vencido em 31/12/2016 (fls. 22 dos autos processuais) restando desmentida por todas as mídias que reportaram o despejo violento, rechaçou a realidade apontada pela Defensoria Pública sem nenhuma argumentação coerente que não fosse os apontamentos do autor, tomando por verdade toda e qualquer alegação da parte autora, sempre sem o contraditório, e quando finalmente aparece uma defesa que precisou ser elaborada as pressas sem o mínimo tempo hábil para conhecimento da demanda, foi absolutamente renegada sem apreciação de fato, uma decisão retórica sem conexão com a verdadeira realidade das famílias ocupantes.

Morador agradece apoio da comunidade ao lado | Fotografia: Gabriel Albertini/SUP
Senhora passal mal e precisa ser amparada por moradores após ataque da PM| Fotografia: Gabriel Albertini/SUP

A juíza justifica ter indícios (não aponta quais) de que os invasores buscavam obtenção de lucro com os lotes, parece estar carecendo de uma aula sobre especulação imobiliária, senão vejamos: Toda ação judicial tem entre seus requisitos indispensáveis a definição do valor da causa que se pleiteia judicialmente, esse valor da causa deverá ser a referência para as custas processuais que deverão ser recolhidas em favor do estado para justificar os gastos públicos com a demanda particular, no caso das acessões possessórias o código de processo civil determina que o valor da causa deverá corresponder à 1% do valor venal do imóvel, nos autos do processo nº 1001115–49.2020.8.26.0451 da ação possessória que desencadeou nesse absurdo despejo o autor apresentou a matrícula nº 4.917 (segundo cartório de registro de Piracicaba) onde alega ser dono de 147.000 m2 (cento e quarenta e sete mil metros quadrados), na ação ele deu à causa um valor de R$ 10.000,00, ou seja referência de 1% (um por cento)do total de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), recolhendo um total de aproximadamente R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais). Ocorre que em outro processo de usucapião também do mesmo autor, em que ele apresentou a mesma matrícula (4.917) nos autos de nº 1023304–60.2016.8.26.0451, referente à um pedido de usucapião da mesma terra que ele alega ter posse (ou seja, tenta ainda provar a posse em outro processo considerada legítima na reintegração), no autos do usucapião para a mesma área deu um valor da causa de R$ 60.000,00, seis vezes mais que nos autos que incidiram no despejo, uma referência de 1% do total de R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais), recolhendo um total de aproximadamente R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), uma diferença significativa e sintomática que retrata a relação do poder judiciário com o cidadão pobre e periférico.

Segundo o próprio autor em sua ação de usucapião da mesma área, ele deveria ter recolhido então no mínimo R$ 1.500,00 sendo que recolheu apenas R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais)como comprovam os autos de ambas as ações. Considere agora que em Piracicaba o valor médio do metro quadrado para ser vendido loteado é de R$ 700,00 o mais barato podendo chegar até R$ 2.000,00 em áreas mais nobres, se aplicarmos o índice mais baixo e multiplicarmos pela área do autor chegaremos à um valor imensurável para a pobreza daquele lugar, podemos considerar que após lotear sua área ele poderá ganhar mais de 100 milhões de reais pela especulação daquele terreno por décadas. Ou seja o autor que se identifica com residência em outro município da região, que não vive no local e especula o terreno aguardando a melhor oportunidade de loteá-lo para ganhar milhões é amparado pelo estado e a juíza tem a audácia de afirmar que as famílias pretendem obter lucro.

morador da comunidade vizinha tenta fugir das bombas e balas de borracha atiradas pela polícia indiscriminadamente | Fotografia: Gabriel Albertini/SUP

Com apenas R$ 250,00 o autor conseguiu mobilizar um aparato do estado de milhares de reais, com um custo enorme para o estado, que usou até helicóptero para atender as necessidades do autor. Em outros casos Marcela Bragaia esclarece que costuma recorrer dessas decisões, e são interpostas impugnações através de um processo em apenso que suspende o principal até o julgamento da impugnação do valor da causa, mas nesse caso não havia tempo para nenhuma análise criteriosa dos autos, apenas medidas emergenciais buscando evitar o pior, considerando principalmente os altos riscos decorrente da pandemia do COVID-19, e foi isso que a defensoria e outras defesas fizeram. Mas infelizmente a justiça na pessoa da juíza ignorou todo o alegado e decidiu sem verificar de fato a realidade, provando assim como a relação econômica do estado contra a população se torna uma relação perversa de desigualdade social, enquanto quem tem menos é rigorosamente onerado pelo estado com burocracias inacabáveis, os ricos são servidos sem oneração justificável sem nenhum tipo de fiscalização ou limite, fica evidente que o pobre é roubado pelos ricos não apenas com seu trabalho e mais valia construindo tudo em volta das cidades e, as cidades, mas também em seu sofrimento diário e suas onerosas relações com as instituições estatais que poupam dos mais abastados para oprimir os pobres marginalizando-os e criminalizando-os.

Existem relatos de pessoas que deixaram seus bens para serem levados mas foram destruídos pela PM e pelos autores da ação,

“Uma cama box que eu levei pro meu barraco, muito cara aquela cama, eu ia levar numa vizinha não deixaram, eles falaram que iam pegar e não pegou, ia levar pro depósito da prefeitura e não levaram, a PM está ali embaixo não deixam a gente passar, não deixam entrar entendeu, e eles não deixam infelizmente, a questão é minha cama onde eu vou dormir, quero saber onde vou arrumar dinheiro pra comprar outra cama“ narra Fabrício ex-morador da comunidade que perdeu uma cama nova no despejo.

A sociedade enfrenta um judiciário no país das maravilhas onde tudo é perfeito, que acredita que a sua realidade é espelho da sociedade pois é narcisista demais para ver além do próprio reflexo, da própria beleza, não vê o belo além de si, não vê os reflexos da pobreza na sociedade nem nas demanda que decide, não faz sua parte quando precisamos que suas decisões reflitam mudança social. Como diz Douglas Neves “justiça arrancou as vendas pra ver bem quem ela extermina”.

Assistam o Vídeo:

Produção: SUP | Filmagem e Edição: Samuel Rodrigues da Batalha Central

Texto: Carlos Canedo/SUP
Fotos: Gabriel Albertini
Vídeo: Samuel Rodrigues

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Assista em: Canal da SUP

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