A LOUCA(um complexo político atual)

A louca correndo em círculos pela pradaria gritava em todas as direções:

-Dormêncio?- Dormêncio?
- Ai, mulher… onde foi parar meu crocodilo?
Muito atenta, a mulher simples que agachada lavava sua roupa no rio olhou e respondeu:
-Os homens passaram para fiscalizar, surpreenderam-no em lágrimas de esguicho devorando o próprio filho, inflamados, assim como o fizeram com o famoso bode, levaram-no para expiar…
Indignada a louca respondeu:
-Que exagero, é comum entre esses répteis comerem a própria cria, e o Dormêncio mal enxergava… Por que o levaram para espiar?
- É que enquanto faziam a catarse, no frenesi da loucura, resolveram te homenagear.
- Quanta demência! Quanta desordem! Não entendi nada…
Ao que ultimou a lavadeira:
-Nem eu, por isso sigo lavando a minha roupa.

Essa fábula atenta para as lacunas que distorcem as nossas passagens, quanto aos padrões de incompletude das passagens das nossas vidas, das nossas estórias.
Primeiramente eu gostaria de chamar a sua atenção para uma energia muito específica que assola os nossos padrões, e nesse momento me refiro ao padrão esquizo da coletividade. A palavra esquizo vem de skhizein , que significa rachar, separar, romper. A primeira pessoa que empregou o termo para descrever esse padrão de comportamento foi o psiquiatra suíço, companheiro de Jung, Eugen Bleuber (1857–1939).
Posto isso, então me refiro ao termo, como um padrão de comportamento que adota por hábito a capacidade de romper. Isso vale para as relações, acordos, vínculos, compromissos, deixando sempre uma marca, um rastro de incompletude no caráter. Wilhelm Reich ao decodificar essa energia, descreveu-o como um caráter de compleição franzina, com histórico de rejeição e cisões energéticas nas juntas, em decorrência dos anéis de tensão. Por vezes apresenta um histórico de sofrer muita invasão, abuso e atropelo; como se seus progenitores quisessem ocupar um lugar dentro do seu corpo para corrigi-lo, para educá-lo. Por esse motivo nutre a preferência pela estratégia de recuo ao dialogar. É um caráter de contradição, cujas emoções não costumam acompanhar os pensamentos, as palavras não acompanham as ações. Podendo ter desajustes de coluna e uma irascível resistência por ancorar e fincar suas percepções na realidade física e compromissos do dia a dia. Sua frase de resumo é “proximidade é igual a ameaça de sua própria vida”.
Claro que a essa altura, quando transportamos o padrão para o analisarmos, na coletividade, observamos milhares de pessoas cujos eventos não somam histórias. Eventos pelos eventos, aqui e ali, formam uma roda viva de não realizações, forças giratórias que voltam a reviver semiconscientemente os padrões inférteis.
Eventos sem histórias, movimentos sem ações, acabam por compor uma poderosa massa primitiva que pouco contribui para a nossa evolução.
Agora, gostaria de chamar a sua atenção para um outro padrão, a energia da histeria. O termo vem do grego, hystear, que significa útero. Foi designado às mulheres com problemas uterinos e suas respectivas sequelas hormonais, emocionais. A histeria foi diagnosticada no século XIX . Naquela época, sintomas como irritabilidade, insônia, ansiedade, choro, falta de apetite, entre muitos outros, compunham o diagnóstico de uma doença psíquica que atingia apenas as mulheres. Acreditava-se ser um distúrbio uterino, somado à insatisfação sexual que não levaria ao óbito, mas que seria necessária a massagem vaginal por um médico em consultório. Na época, foi criado um óleo de lírio para isso. O paroxismo histérico seria o indício de que a paciente teria atingido o seu ápice de descarga; depois de gritos e gemidos, ela voltaria a acalmar.
Anteriormente, em 1653, o médico holandês Pieter Van Foreest já havia recomendado o tratamento, mas a questão fica realmente engraçada quando os médicos passaram a sofrer de lesão por esforço repetitivo. Pelo excesso de massagens aplicadas, culminou toda a aventura no primeiro vibrador mecânico da história, criado pelo médico americano George Taylor que o patenteou de “The manipulator”.
Por volta de 1885, Jean Martin Charcot recebe então como aluno Sigmund Freud, no hospital de La Salpétrière, na França. O hospital das cinco mil mulheres foi um marco na história da psicanálise.
“Médico neurologista de formação, Freud foi contra a própria medicina que produziu, sua primeira ruptura epistêmica. Isto é: logo percebeu que as pacientes histéricas, afligidas por sintomas físicos sem causa aparente, eram, não raro, tratadas com indiferença médica e negligência no ambiente hospitalar.”
A troco de entender esse desafio que assolava a racionalidade médica da época, Freud aprofundou sua atenção sobre essas pacientes, em busca dos motivos psíquicos que causavam esses sintomas, sofrimentos, ao invés das análises clínicas neurofisiológicas. Ouvindo o que tinham a dizer, e tendo como recurso a hipnose que estudava com Charcot, Freud dá início em 1895 a seu primeiro artigo sobre a psicanálise: Estudos sobre a Histeria, com seu primeiro parceiro Josef Beuer. Dessa forma fica então diagnosticada a histeria.
Vale ressaltar que o caráter histérico, em situações de emergência tende a inspirar e afligir os demais a abraçar sua causa, a defender suas necessidades, ante ao pânico de morrer e/ou enlouquecer, oscilando entre estratégias de agressividades e vitimizações. Esse rompante aturdido pelo pânico de cair em si, pode causar como consequência justamente as cisões em detrimento da catarse explosiva, levando a percepção totalmente para fora de si; assim como a louca da fábula, gritando por Dormêncio, inflamando a lavadeira a abraçar a sua causa.
Essa fábula é uma rica ferramenta, no que refere a estudar e entender várias nuances da nossa percepção.
O crocodilo em questão, representa um estado de imersão no todo indiferenciado de forma sombria. Esse leque de percepção extremamente estreito, apesar de profundamente abrangente ; está sob o paradoxo de uma grande cisão de um “todo maior”. Sua extremada identificação com o mundo físico, e literalidade da existência, refuta qualquer percepção simbólica, afetiva, espiritual ou representativa dos papéis.
O mito de Oruborus, é representado por uma poderosa serpente que come a própria cauda. De forma caótica, a serpente consegue reconhecer mais agudamente a necessidade de comer; e não o seu próprio corpo, sua própria cauda, voltando a alimentar-se de si mesma sem o perceber. De outra forma, o crocodilo é capaz de comer a própria cria, ante a impossibilidade de vivenciar o afeto, e justamente esse padrão de consciência é o que compõe a grande massa do coletivo, que não consegue desvencilhar-se do torpor que impede a auto-investigação, auto-percepção, individuação.
Estamos falando aqui de um feminino primitivo na qualidade de Magna Mater (matéria magnânima) e toda sua dormência no todo indiferenciado, um padrão de primitividade, em que o mais importante é comer e sobreviver, consequentemente acasalar. Sua dança primitiva na existência da vida jamais poderá vivenciar a evolução, sem o despertar da consciência para a importância da representatividade, sem reconhecer outros níveis de necessidades e sofrimentos.
É sumamente importante compreender aqui, que toda a passagem da histeria na época, compunha um quadro orubórico de aflições; necessidades de saciações, sem encontrar uma solução. Apesar de os indícios apontarem para as mulheres, configurava-se um quadro de histeria coletiva quando os homens passam para fiscalizar. Outrossim, a despeito de o descontrole ter seu início a partir da louca, o caos se instala de uma forma agravada com o envolvimento do coletivo, de todos os envolvidos em questão.
Atentando agora para a representatividade do bode, do crocodilo, vemos que a ingenuidade, a inconsciência, a imaturidade, expõe o indivíduo à disposição de equalizar o desequilíbrio do coletivo, através da catarse. Vale dizer, que a este coube receber toda a violência dos brutos a troco de acalmar a agressividade no coletivo, em detrimento à sua impossibilidade de defender-se, ao ponto em que a lavadeira prossegue lavando sua roupa para não ser tragada pelo caos. Nesse caso, a sabedoria encontra seu prumo na estratégia de recuo e observação, no cuidado de sua auto-realização.

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THE CRAZY WOMAN

(A current political complex)

The crazy woman, running around in circles shouting in the prairie in all directions:

-Dormencio — Dormencio?

- Oh, woman … where’s my crocodile?

Very attentive, the simple woman, washing her clothes at the river, crouching, looked at her and said:

-The Men passed by to inspect. They caught him devouring his son in tears splashes , inflamed, just as they did with the famous goat, so they took him to atone …

Outraged, the crazy woman replied:

-You are exaggerating, it is common among these reptiles to eat their own offspring, and Dormencio could barely see … Why have they taken it to atone?

- While they were doing the catharsis, in the frenzy of madness, they decided to honor you.

- That is insanity! What a mess! I understood nothing…

The laundress replied:

-Nor did I, therefore I’ll keep on washing my clothes.

This fable attempts to the gaps that distort our passages, as to the incompleteness standards of the passages of our lives, our stories.

First I would like to draw your attention to a very specific energy that plagues our standards, and at that point I refer to the schizoid pattern of the community. The word schizo comes from Skhizein, meaning crack, split, break. The first person who used the term to describe this pattern of behavior was Swiss psychiatrist, Jung’s colleague Bleuber Eugen (1857–1939).

That said, I refer then to the term, as a pattern of behavior that adopts as habit the ability to break up. That goes for relationships, agreements, bonds, obligations, always leaving a brand, an incompleteness trail in character. When Wilhelm Reich decoded this energy, he described it as a character of slight complexion, with a history of rejection and energy divisions in the joints, due to the tension rings. Sometimes it has a history of suffering a lot of invasion, abusing and trampling; as if their parents wanted to have a place inside your body to fix it, to educate you. For this reason, the schizo nourishes the preference for a recoiling strategy when in dialogue. It is a character of contradiction, whose emotions do not usually follow the thoughts, and whose words do not follow the actions. One may have spine misalignments and irascible resistance to anchor and put down their insights into physical reality and commitments of everyday life. His sentence summary is “proximity equals threat to my own life.”

Of course, at this point, when we transport the standard for analysis, in the community, we see thousands of people whose events do not add up stories. Events for events, here and there, make a whirlwind of non — achievements, rotating forces that return to semiconsciously relive infertile patterns.

Events without stories, movements without action, they end up creating a powerful primitive mass that hardly contributes to our evolution.

Now, I would like to draw your attention to another pattern, the energy of hysteria. The term comes from the Greek, hystear, which means womb. It was assigned to women with uterine problems and their hormonal, emotional sequelae. Hysteria was diagnosed in the nineteenth century. At that time, symptoms such as irritability, insomnia, anxiety, crying, loss of appetite, among many others, made up the diagnosis of a mental disease that affected only women. It was believed to be an uterine disorder, added to sexual dissatisfaction that would not lead to death, but that would require a vaginal massage by a doctor in his office. At the time, a lily oil was created for this. The hysterical paroxysm would be an indication that the patient would have reached its discharge apex; after screams and moans, she would calm down again.

Previously, in 1653, Dutch doctor Pieter Van Foreest had already recommended the treatment, but the question is really funny when doctors began to suffer from repetitive strain injury. Due to the excess of massages applied, the adventure culminated in the first vibrator in history, created by the American physician George Taylor which patented it as “The Manipulator”.

Around 1885, Jean Martin Charcot then receives as a student Sigmund Freud, at the hospital La Salpetriere in France. The hospital of the five thousand women was a milestone in the history of psychoanalysis.

“As a Neurologist, Freud was against the medicine that he himself had produced, and that was his first epistemic break up. That is, he soon realized that hysterical patients afflicted with physical symptoms without apparent cause, were often treated with indifference and medical neglect at the hospital environment. “

In order to understand this challenge that hit the medical rationale of the time, Freud deepened his attention on these patients in search of psychic reasons that caused these symptoms and suffering, instead of neurophysiological clinical analysis. By hearing what they had to say, and with the use of hypnosis which he used to study with Charcot, Freud starts his first paper on psychoanalysis in 1895: Studies on Hysteria, with its first partner Josef Beuer. Thus it is then diagnosed hysteria.

It is noteworthy that the hysterical character, when in emergency situations, tend to inspire and afflict others to embrace their cause, to defend their needs, when facing the panic of dying and / or going crazy, ranging from aggressiveness and victimization strategies. This outburst stunned by the panic of coming to her senses can cause as a consequence precisely the divisions at the expense of explosive catharsis, leading perception to be completely out of herself; as well as the Crazy Woman from the fable, screaming for Dormencio, inflaming the laundress to embrace their cause.

This fable is a rich tool, in terms of studying and understanding various nuances of our perception.

The crocodile concerned darkly represents an immersion state in the undifferentiated whole. This range of extremely narrow perception, though deeply extensive, is under the paradox of a major division of a “greater whole”. Its extreme identification with the physical world, and literalness of existence refutes any symbolic, emotional, spiritual or representative perception of the roles.

The Oruborus myth is represented by a powerful serpent eating its own tail. Chaotically, the snake can recognize more acutely the need to eat; and not its own body, its own tail, feeding on itself over and over without realizing it. Otherwise, the crocodile can eat its own offspring, given the impossibility to experience affection, and precisely this pattern of consciousness is what compounds the collective of people, which can not extricate itself from the torpor that prevents self -research, self-perception, individuation.

We are here talking of a primitive feminine as Magna Mater (magnanimous matter ) and all its dormancy in undifferentiated whole, a pattern of primitiveness, in which the most important is to eat and survive, consequently mating. His primitive dance in the existence of life can never experience evolution without the awakening of consciousness regarding the importance of representativity without recognizing other levels of needs and sufferings.

It is extremely important to understand here that the whole passage of hysteria at the time, composed one oruboric framework of afflictions; needs of satiation, without finding a solution. Although evidence pointed to women, a collective hysteria frame would emerge when men pass by in order to inspect. Furthermore, despite the decontrol having its beginning as of the crazy woman, chaos ensues in an aggravated manner with the involvement of the collective, of all those involved.

Paying attention now to the representativity of the goat, also of the crocodile, we see that the ingenuity, unconsciousness, immaturity, expose the individual to the disposal of equalizing the imbalance of the collective, through catharsis. It is worth saying that the collective played the role of receiving all the violence of the brute ones in order to calm down the aggressiveness in the collective, to the detriment of its inability to defend itself, to the point where the laundress goes on washing her clothes to avoid being engulfed by chaos. In this case, wisdom finds its plummet in retreat and observation strategy, in the care of its self-fulfillment.

Pavitra Shakti Shankar

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