SISTÁ
6 min readJun 21, 2024

Existe uma aembauba que poucos chegaram a conhecer. — olha, já vou avisando que este texto é uma grande volta ao mundo, sigo sempre em giros e em ordem espiralar para poder chegar, avisados e voltando — É outro tipo de escrita, porque está ligada a outras manobras de pensar. De olhar, de observar, de aprender, de sentir.

Traduzir o sentir é mais complexo do que parece ser. Para isso é necessário uma investigação das emoções que nos tocam, do que se experimenta, é preciso uma outra percepção e outra consciência.

É ter pêlos arrepiados como antenas. É ter olhos e poros abertos a receber, a captar. A tradução enquanto compreensão são os flashs, são os segundos onde acontecem os acidentes… pode estar nas ligeiras piscadelas e absolutamente também habitando no silêncio. Então traduzir o que se sente, requer um lugar ativo, presente, por dentro. Definitivamente está dentro.

O silêncio… muitos entendimentos se dão através do silêncio. Não falo do silêncio inaudível sem ruído, isolado, em uma sala escura. Falo de um silêncio ativo que se desloca, que interage, que anda com pernas, percebe, cheira e observa. Silêncio calado intencionalmente pela boca e voz, enquanto se vive com os outros sentidos: o toque, o paladar, a audição, o corpo, a pele, os olhos. E a paciência. E aqui tomo da fala pra dizer que ler é exercer a paciência e os sentires, então fique.

Eu sempre gostei de estrada, essa sensação real do deslocamento, de ir de um ponto ao outro, através do corpo, me desperta grande euforia — dentro-.

Gosto muito de andar de ônibus, não sei se existe uma relação por ter um tio que era motorista de ônibus (coletivo urbano, interestadual e frete) onde eu criança presenciava com o corpo e imaginação todo esse percurso e movimento de viagem e diversão.

Minha diversão atualmente é obrigatória enquanto forma de deslocamento na vida adulta, mas segue contemplativa e virtual, na virtualidade filosófica, do mundo abstrato da mente, mundo de interpretações, relações, conexões, significações com as linguagens e imagens.

Nessa virtualidade, dentro de um ônibus, em silêncio, os pensamentos também estão em deslocamento e vão se rearranjando em meio às paisagens e urbanismos, em meio às obras arquitetônicas da cidade, aos lambes, pixos e grafites, ao lixo, aos comércios, aos abandonos, as diversas pessoas, aos trabalhadores, aos pedintes, aos noias, aos sem teto, as crianças, aos bichos, aos carros, bicicletas, por vezes carroças e as PANC’s que insistem em brotar das rachaduras.

Existem alguns momentos, para mim, em uma viagem de ônibus, seja de um bairro para o outro, ou de um estado a outro; tem um momento de observar quem entra e sai do ônibus, observar e ouvir as interações ao redor, as ditas fofocas, que amo, inclusive. E existe esse momento que falei acima, de observar o que se vê pela janela de um ônibus: olhar de dentro o mundo fora! Olhar o mundo lá fora. Isso é tão forte em mim, que vem até no onírico, por meio de diversos sonhos dentro de ônibus.

Fui para o centro de João Pessoa, o ônibus passa pelo rio Jaguaribe, que hoje é esgoto, extremamente poluído, virou um grande depósito de lixos variados e exala toda a podridão do progresso desenvolvimentista da sociedade moderna, globalizada.

Toda vez ao passar por esse lugar, eu me faço imaginar, em minha virtualidade, o rio Jaguaribe completamente limpo, com água doce e potável para beber, com vidas manifestadas em suas correntes d’água.

Esse é o segundo momento para mim, o de olhar para fora, estando dentro. Quando no atual, no presente, vejo o mundo contemporâneo, quando dentro das paisagens dadas, imagino outras realidades, outras TEMPORALIDADES e outros mundos.

Imagino quantas vidas esse rio serviu, alimentou e tirou a sede. Imagino o som em sequência, dos “tibuns” dos múltiplos saltos de crianças nessas águas, das paradas estratégicas do nosso povo, e por aí tempo adentro. Eu visualizo e me aproximo dessas imagens, o rio enquanto direção de caminho pra tanta gente que passou. O que contam essas águas para além dos livros de história e geografia? E para além de um grande esgoto que a gente vê?

Não só com o rio Jaguaribe, mas absolutamente em todo canto e pedaço de terra que eu percorro, seja aqui, ou fora, eu sempre imagino quem pisou antes, como era, o que mudou, que história a terra vermelha ou arenosa, que está debaixo do piche de asfalto pode nos contar? O que viu e viveu uma árvore quase centenária e única, isolada perversamente por mãos coloniais em uma praça de bairro pode nos revelar? Quantas cantorias, oferendas, quantos passarinhos, quantos agradecimentos e pedidos no pé de sua raiz?

Rastros de uma gênese. Foi quando em 2019, percorrendo a estrada da Baixa Verde — PE, eu vi centenas de Tapuyas correndo, mais velozes que a veraneio que me carregava, a partir desse dia, eu passei a ter bem mais cuidado e respeito pelo chão e terras que piso. Passei a calar voluntariamente, para poder ver e ouvir o que a terra tinha pra me contar.

E por quê estar falando disso, é que há tempos não retomo com essa escrita de gênesis da memória, do sentir.

AEMBAÚBA, nasceu para o mundo em 2018, mas nasceu comigo até onde posso contar, há quase 30 anos atrás.

Gosto de me comunicar e gosto de ler o mundo. Melhor que os enigmas, só suas traduções. É desse lugar que me aproprio, juntamente com estranheza em me deixar levar pelo o que não se vê.

Ser guiada somente pelo sentir — No atropelamento da vida, a intuição virou caso de descrédito pela ansiedade e neurose. Ignorar a intuição, que é divina, que é em terra nosso cordão de proteção, é como apanhar sem possibilidade de se defender. Vim sendo surrada, possa crer!— A intuição e poder senti-lá, ouvi-lá, é um fogo e curiosidade em traduzir, sentir traduzido, sem saber a tradução, sem aula ou explicação. Começou pelas músicas que escuto/ava em Patois, Twi e Yorubá, hoje essa caminhada se estendeu.

Eu sempre gostei de ler dicionários, algumas palavras, alguns cantos, rezos, frases de outros idiomas e dialetos, me tocam com suas fonéticas e sentidos tão fundo, que sem conseguir explicar a sensação, como mote, escrevo coisas da alma-corpo-antigo, que eu Társis, só, não acesso, mas AEMBAUBA, sim.

Corpo texto e seus signos, a vida, o dia a dia e a herança dos diversos símbolos de proteção, de bênçãos, maldições e contações de histórias, dos rastros de planta, bicho e gente. A carne morre, o espírito, não: — “E que não morra comigo!” Gritaram os velhos. Se o corpo fala, se o tambor fala, se o movimento de uma mão que corta vento fala, e se o dedo que aponta para o céu uma flecha fala, em que língua posso traduzir o que se armazena no sangue e pele?! Que língua é essa que não foi totalmente esquecida por mim, já que posso sentir?!

Em 2020, em um laboratório, minha pesquisa foi tolhida descabidamente, fui silenciada e recebi comentários tão severos e depreciativos que a intenção de quem estava a frente, era só uma, acabar com aquilo já, que eu esquecesse e cortasse de vez qualquer pensamento de que eu poderia estar ali, a intenção era que eu depois daquela chibatada não tivesse força e nem vontade de seguir adiante. Por muito tempo se fez assim.

Eu hoje entendo o porquê, galho frondoso assusta, significa que tem boa raiz, que tá cravado fundo na terra, que vai seguir ocupando espaço. Eu tirei todo rastro dessa escrita por aqui, e por cima, fui fazendo outras coisas com resquícios do que essa escrita já foi e segue sendo pra mim, tem significado real com minha fé e a permissão de até hoje estar viva.

Escritor, poeta não se dá por meio de títulos, mas sim, quando a escrita convoca e toca, quando chama! Às vezes não temos escolha, a não ser seguir o chamado, me autorizo a seguir, pelas tantas convocações que já causei e pelo calor que essa escrita me arde e grita com vontade de sair. Na verdade, há um tempo, um bom tempo ignorando, quem está sendo convocada sou eu… não brinque nunca, jamais com o mundo invisível. No ciclo in natura, eu me comprometo com esse plantio bonito de rosas (sempre há espinhos) entendendo partes do que sou, partes do mundo, partes da cura, mode afastar o banzo preso na boca do estômago e garganta.

aembaúba vive, sinhô, até que amanheça e anoiteça, AEMBAÚBA VIVE!