Seinfeld: S01E05 — The Stock Tip

Sitconizando
6 min readDec 23, 2021

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O “seinfeldismo” em sua plenitude.

A cena inicial desse episódio talvez seja, dentre tudo que foi apresentado nessa primeira temporada, a que mais resume o “seinfeldismo” em seu estado mais puro: um assunto completamente besta, irrelevante e, até de certa forma, infantil, sendo levado a sério e sendo tratado como importante. Já havíamos presenciado esse comportamento em Jerry, quando ele decide trocar de apartamento, mas aqui isso deixa de ser um mero detalhe cômico para se tornar quase que uma característica primordial da obra.

Ok, na verdade, a primeira cena é a do stand up — um dos que eu mais gosto por sinal, já que a discussão sobre a importância que o dinheiro tem, antes e depois de uma refeição, é brilhante e, mais uma vez, verdadeira (vai me dizer que você nunca se arrependeu do tanto que gastou quando estava com fome?). Logo depois, vemos Jerry e George na cafeteria discutindo sobre o Super Homem ter ou não um super humor, já que, na visão de Jerry, se o herói possui um super de tudo (super força, super velocidade), o super humor é apenas uma consequência. George discorda, já que o Super Homem nunca disse nada engraçado. Aparece então Elaine, que diz ter se atrasado porque perdeu uma uva na cozinha e ficou dez minutos a procurando. Sim, isso mesmo que vocês leram, ela ficou angustiada por causa de uma, UMA UNIDADE, de uva. Não um cacho, não uma videira, mas sim uma uva. A banalidade oca e vazia não fica restringida apenas aos “nerds” da cena — isso seria muito fácil. Inclusive, dentro dos parâmetros atuais, com todo esse furor de heróis pra cima e pra baixo, esse tipo de conversa até poderia ser considerada normal, mas a lamentação por ter perdido uma única uva eu confesso que ainda não havia presenciado em minha vida.

E o brilhantismo da cena não se resume apenas a isso, pois na sequência temos algumas informações que o roteiro pontua de forma orgânica na narrativa e que serão mais exploradas ao longo do episódio: Elaine reclama que seu atual namorado possui uma certa fixação pelos seus gatos (o que faz George destilar um pouco de sua homofobia), Jerry diz que levará Vanessa para uma viagem (o que faz George destilar um pouco de sua descrença na humanidade), e a menção de George sobre o mercado de ações e um palpite que ele ouviu. Ah, e um detalhe que sempre me faz gargalhar com FORÇA é a expressão que Elaine faz para Jerry quando ele conta sua história sobre a “uva que aterrorizou o Texas”. Nada precisa ser dito para que saibamos o que ela está pensando e isso é maravilhoso.

Jerry fala sua história…
E Elaine reage (sem reagir).

Depois de ter sido convencido por George a investir dinheiro nas tais ações, Jerry começa a se desesperar assim que percebe um prejuízo vindo em sua direção. O que eu mais gosto dessa trama é como Kramer se delicia ao ver Jerry perdendo dinheiro, porque mesmo que não faça muito sentido prático na vida do próprio Kramer (quanto mais rico for o Jerry, mais comida ele poderá roubar de sua geladeira), é raro vê-lo numa posição de total mesquinhez, se divertindo unicamente com a miséria de terceiros — o que mais uma vez reforça o quanto esses personagens não são os melhores exemplos no que diz respeito à caráter e decência. Depois de tanta sofrência e agonia, Jerry decide vender a sua parte das ações. George faz o oposto, alegando que irá “afundar com o navio” — e a pompa de importância que ele dá ao seu gesto só não é maior que a sua cara de pau.

Kramer feliz porque Jerry perdeu dinheiro: uma pessoa merda (isso é um elogio).

E então temos a melhor cena do episódio — talvez uma das melhores da temporada. Jerry e Vanessa estão em Vermont e, graças a chuva, estão presos dentro da pousada. Ele já não tem mais ideias do que utilizar como assunto, enquanto ela parece pouco se importar até para tentar alguma coisa diferente. Ele comenta sobre um cara que o ajuda a comprar seus tênis e ela diz que ele já falou disso. Ele elogia o relógio dela e ela nem se dá o trabalho de prosseguir com o assunto. Nesse meio tempo, somos abençoados a ouvir os pensamentos de Jerry, que, justificadamente, são os piores possíveis — e a expressão de falsidade quando ele pensa na viagem de volta é fantástica. Porém, o momento em que eu me desfaleço em risadas é quando ele pergunta qual perfume ela está usando e ela, por alguma razão que talvez só faça sentido em sua própria cabeça, se nega a responder. O “Yeah, that’s real normal” que ele pensa na sequência, enquanto sorri desanimado, é um dos meus momentos favoritos de todo o show, sério mesmo.

Eu dei risada só de bater o print, não tem como.

O episódio termina com um raríssimo momento de felicidade para George, que consegue lucrar por ter deixado seu dinheiro investido. Jerry e Elaine, por outro lado, estão para baixo, já que Jerry estragou tudo com sua viagem (além de ter estragado seu investimento) e Elaine resolveu dar um ultimato ao “cara dos gatos” e ele, logicamente, ficou do lado dos bichos. George ainda cita novamente o Super Homem, dando uma amarrada bonita no roteiro, antes de esbanjar um pouco mais de dinheiro a fim de impressionar a garçonete — para se arrepender logo em seguida e pegar uma parte do maço de notas novamente, amarrando também o seu gesto com o stand up do início. Tem como não amar esse roteiro?

Elaine contando que foi trocada pelos gatos: mais uma expressão de Julia que me faz passar mal.

Alguns pontos curiosos (pra mim pelo menos):

  • Eu já tô de saco cheio disso, mas novamente os quatro quase estiveram juntos no mesmo take, se não fosse Kramer ter saído do apartamento de Jerry segundos antes de George chegar. Inferno Larry David, você é um psicopata!
  • Eu adoro que a Elaine não deixa Jerry comer atum no começo do episódio, mas depois destila seu ódio pelos gatos do namorado, a ponto de brincar que assassinaria os animais. O mais engraçado, contudo, é que se tratando de Elaine Benes, eu não acho que ela estivesse apenas brincando.
  • Jerry faz aqui sua primeira menção a uma de suas maiores paixões na vida: o Super Homem. Eu não sei até que ponto isso se mistura com a personalidade do Seinfeld “real”, mas essa é uma piada recorrente tão específica que eu não duvidaria do verdadeiro Jerry ser um fanático pelo tópico.
  • Novamente a persona do “figurante demente” se faz presente, com o atendente da lavanderia que, depois de tanta insistência, acaba admitindo que errou com a camisa de Jerry. Inclusive, lavanderias são um tema muito importante para nosso protagonista, já que (até agora) são duas cenas e dois momentos de stand up inteiramente dedicados ao assunto. Mania que americano tem de não comprar uma Brastemp.

Nos vemos agora em 2022, na segunda temporada!

E obrigado a quem me leu até aqui. Vocês devem ser loucos, pqp.

Nota: 3,5 de 5,0.

Lucas Thurow (22/12/21).

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