Como a sociedade civil organizada salvou a LAI essa semana

Social Good Brasil
3 min readMar 30, 2020

Maria Vitória Ramos, jornalista e diretora da Fiquem Sabendo, agência de dados independente especializada na Lei de Acesso à Informação.

Na madrugada da segunda-feira passada (23), o governo federal pegou todos de surpresa ao publicar uma Medida Provisória alterando sem aviso a Lei de Acesso à Informação (LAI) e comprometendo radicalmente a cultura de transparência no país. A MP nº 928/2020 publicada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), com assinatura do ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), praticamente autorizava os órgãos federais a suspender o prazo de resposta até o fim da pandemia do Coronavírus — prevista em lei para dezembro de 2020.

A sociedade civil organizada respondeu, e, em menos de 72 horas, a medida foi suspensa liminarmente pelo ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF). O tribunal acatou pedido da OAB, mas a decisão ainda pode ser revista em plenário.

Editada sem consulta às entidades da sociedade civil que atuam na área, a MP tem um texto confuso, é desnecessária e viola um dos pilares da nossa democracia extremamente delicado. A pandemia, usada como justificativa para a medida, seria mais um motivo justamente para o fortalecimento da transparência pública. Além da necessidade de dados para tomar decisões fundamentadas durante a crise, a flexibilização das regras para uso do dinheiro público no combate a epidemia não pode ser realizado sem o controle social ativo da população brasileira.

Um dos grandes problemas da medida seria justamente o acúmulo de pedidos que geraria, chegando ao limite da possibilidade dos órgãos de responder, e levando, portanto, a criação de um “passivo de protocolos” que nunca seriam atendidos.

No mesmo dia da publicação da MP, a agência Fiquem Sabendo se reuniu a dezenas de organizações para produzir uma nota em que foram apontados os principais problemas da legislação. Entre os motivos estavam: falta de exposição de razões concretas da medida, texto vago e contraditório e falta de diálogo com a sociedade. O pedido da OAB apontou argumentos semelhantes.

A Fiquem Sabendo e a Open Knowledge Brasil protocolaram ainda uma solicitação de providências junto à Controladoria-Geral da União (CGU). Veja aqui o texto.

Para entender os possíveis efeitos da medida, a agência Fiquem Sabendo também lançou imediatamente uma força-tarefa para monitorar todos os pedidos que foram respondidos pelo governo federal durante os 7 dias após a publicação da medida. Encontramos 14 situações em que os pedidos deixaram de ser atendidos com base na MP, a maioria deles com base em universidades públicas. Levamos todas as situações para a CGU.

Essa é a segunda tentativa do governo Bolsonaro para cercear o acesso à informação — a primeira foi no início do ano passado. Mas a LAI não está sujeita a modificações arbitrárias e a sociedade civil organizada deixou isso claro em 2019 e de novo em 2020. E estaremos aqui em 2021 para defendê-la novamente, caso se faça necessário. A #LeideAcesso nos trending topics do Twitter nas duas ocasiões comprovou que a ferramenta principal da transparência no Brasil já foi incorporada como fundamental pelo grande público.

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