Mulher Baniwa na roça de pimenta de sua comunidade, no Içana. Crédito: Beto Ricardo/ISA

Pimenta Jiquitaia Baniwa para corpo e alma

Instituto Socioambiental
Histórias Socioambientais
6 min readOct 11, 2016

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Vira livro a história do cultivo feito exclusivamente pelas mulheres, dos usos do fruto na culinária e nos rituais dos índios Baniwa e, recentemente, da comercialização e conquistas no cenário gastronômico brasileiro

Por Inês Zanchetta, jornalista do ISA

A valorização de ingredientes da agrobiodiversidade indígena brasileira e sua incorporação ao circuito gastronômico é recente. A pimenta jiquitaia Baniwa é um desses casos. Cultivada exclusivamente por mulheres, que todos os dias colhem em suas roças e quintais uma pequena porção, a pimenta vem despertando crescente interesse e contribuindo na expansão de nossa cultura gastronômica. Restaurantes estrelados de São Paulo e de outras capitais brasileiras como Belém e Manaus já utilizam em suas receitas a pimenta vinda do Rio Içana, Alto Rio Negro, no noroeste amazônico.

A história dessa pimenta — utilizada nas cozinhas dos índios Baniwa e em seus rituais de iniciação — está contada no livro Pimenta Jiquitaia Baniwa, lançado pelo ISA, pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e pela Organização Indígena da Bacia do Içana (Oibi).

No formato de livro de bolso, a publicação leva o leitor a percorrer, através de 63 páginas, as roças e jardins de pimenta da Bacia do Rio Içana, guiado pelas mãos das mulheres, as guardiãs das roças, que cultivam, cuidam das plantas e entoam cânticos de iluminação para que elas cresçam saudáveis e a colheita seja farta. Fotos e ilustrações, explicações e muitas histórias revelam um mundo de 78 variedades, encontradas em território Baniwa, na Terra Indígena Alto Rio Negro. Receitas com jiquitaia desenvolvidas por chefs como Alex Atala, Felipe Schaedler e Bela Gil, incentivam o leitor a experimentar e se deliciar.

De corpo e alma

Cuia com variedade de pimentas Baniwa frescas. Crédito Roberto Linsker/Terra Virgem

O fruto tem papel fundamental na cosmologia desses povos. Nos ritos de passagem (da adolescência para a vida adulta), meninos e meninas experimentam pimentas para a purificação e proteção de seus corpos. O ecólogo Adeilson Lopes da Silva, do ISA, explica que ela funciona como um escudo-espada, um adorno-poder, invisível, para proteger contra a agressividade dos espíritos causadores de doenças. E destaca a relação imaterial dos Baniwa com o fruto, desde sua domesticação até a conservação desse importante patrimônio genético amazônico. Adeilson é coordenador da pesquisa desenvolvida pelos Baniwa e acompanha de perto o projeto da Rede de Casas da Pimenta.

O poder das pimentas em melhorar a saúde e bem-estar das pessoas é reconhecido no mundo inteiro. As elas são atribuídas uma série de efeitos, tais como: atividade redutora de doenças cardiovasculares, potencial antioxidante, propriedades anticâncer, ação analgésica, anti-úlcera, influência sobre o sistema nervoso, melhora do aparelho respiratório, ação anti-inflamatória, antidepressiva e ainda a propriedade de aceleração do metabolismo, beneficiando processos de emagrecimento.

“Funciona como um escudo-espada, um adorno-poder, invisível, para proteger contra a agressividade dos espíritos causadores de doenças”, explica o ecólogo Adeilson Lopes da Silva, sobre a importância da pimenta nos rituais de iniciação dos jovens indígenas Baniwa

Nos rituais de passagem meninos e meninas experimentam o fruto para proteção e purificação de seus corpos. Crédito Renato Martelli Soares/ISA

Assista o vídeo que resume essa história:

Em termos de importância regional, a pimenta só fica atrás da mandioca, base do Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, reconhecido em 2010 como patrimônio cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Os detalhes sobre esse sistema agrícola também são um item específico do livro.

Tradição milenar

Comunidade Tucumã rupitá, no Rio Içana, onde em 2005 as mulheres Baniwa decidiram pela comercialização da jiquitaia no sudeste, como alternativa para o desenvolvimento sustentável das comunidades. Crédito Beto Ricardo/ISA

A ideia de reciclar a tradição milenar para transformar as pimentas em pó em uma alternativa para o desenvolvimento sustentável das comunidades, valorizando o trabalho das mulheres, começou a ser discutida em abril de 2005, a partir do I Encontro de Mulheres do Içana, que contou com a participação de técnicos do ISA. E a proposta de comercializá-la no sudeste ganhou fôlego.

Dona Florinda Emilia (1933–2015) em seu jardim de pimentas em São José do Rio Içana (in memorian). Crédito Roberto Linsker/Terra Virgem

Assim, a Organização Indígena da Bacia do Içana (Oibi), em parceria com o ISA, passou a monitorar dados sobre produtividade e diversidade das pimentas cultivadas e a indicar as melhores estratégias para acessar o mercado. Saiba mais. A ideia é que a pimenta fosse um produto da marca Arte Baniwa, lançada em 1999, com o projeto de cestaria de arumã, e poderia, assim, aproveitar a experiência de produção e comercialização já desenvolvida pela Oibi.

Um ano depois, em novo encontro na Comunidade Tucumã-rupitá, promovido pela Oibi, as mulheres mostraram os experimentos que vinham realizando em suas roças para tentar conquistar os mercados do sudeste agregando aos frutos cultivados valor cultural e ambiental. Saiba mais.

As Casas da Pimenta

Variedades de pimentas secas que serão piladas, peneiradas. Veja na sequência abaixo. Crédito Rogerio Assis

Em janeiro de 2013 foi inaugurada a primeira Casa da Pimenta Baniwa, na comunidade de Tunuí Cachoeira. A segunda a entrar em funcionamento, em 2014, foi a da comunidade de Ucuqui Cachoeira e as duas últimas, inauguradas em 2015, foram respectivamente na Escola Pamaáli, e na comunidade Yamado, na margem direita do Rio Negro, defronte à cidade de São Gabriel da Cachoeira.

À exceção desta última, as outras distam cerca de 400 km da cidade por rio. Uma quinta unidade está em fase de acabamento.

Inauguração da quarta Casa da Pimenta, na comunidade Yamado, em frente à São Gabriel da Cachoeira, em 2015. Da esq. para a dir, os chefs Felipe Schaedler, Bela Gil, e Alex Atala ao centro, acompanhados das mulheres Baniwa da comunidade. Crédito Beto Ricardo/ISA

Além de serem espaços que agregam a produção das roças e quintais familiares Baniwa, as Casas da Pimenta cuidam do processamento, envase e estocagem, e realizam o controle de qualidade e de fluxo de informações. De acordo com o plano de negócios, a expansão da produção é projetada afim de não gerar pressões de demanda que alterem a rotina das comunidades.

Inauguração da primeira Casa da Pimenta na comunidade Tunuí Cachoeira, no Médio Rio Içana, em 2013. Crédito Beto Ricardo/ISA
Segunda Casa da Pimenta, em Ucuqui Cachoeira, inaugurada em 2014, no Alto Rio Ayari. Crédito Roberto Linsker/Terra Virgem
A terceira Casa da Pimenta foi inaugurada em 2015 na Escola Pamáali, no Alto Rio Içana.Crédito Carolina Morelli

Hoje, a pimenta Jiquitaia Baniwa é vendida em lojas especializadas e espaços de destaque no circuito gastronômico de várias cidades brasileiras. Confira aqui.

Graciela Brazão é uma das jovens gerentes indígenas que cuidam de organizar a produção e distribuição. Crédito Roberto Linsker/Terra Virgem

Com o lançamento do Pimenta Jiquitaia Baniwa, também estão sendo reeditados dois livros: Arte Baniwa, Cestaria de Arumã e Kumurô Banco Tukano. Todos estão à venda na lojinha do site do ISA por R$ 20,00 cada exemplar. Clique e adquira o seu.

Crédito Roberto Linsker/Terra Virgem

O projeto das Casas da Pimenta contou com o apoio do Instituto Bacuri, do Instituto ATA, da Tides e a impressão do livro teve suporte da Fundação Rainforest da Noruega.

Para saber mais sobre a Pimenta Baniwa assista ao programa do Globo Rural, levado ao ar em outubro de 2013.

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