O sentido do Miami Bass na contracultura musical brasileira

Sosti Reis
5 min readAug 2, 2022

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Sóstenes Reis Siqueira

As batidas da Roland TR-808 (um compositor eletrônico de ritmos), a referência direta ao gênero hip hop, à música negra estadunidense e a energia alucinante e efusiva das décadas de 1980 e 1990. É a partir desse manifesto pulsante, futurista e otimista que nasce o gênero musical Miami Bass, nos Estados Unidos da América. Logo este gênero, marcadamente de música eletrônica de pista — MEP, foi apropriado em diversos lugares do mundo, e principalmente no Brasil, especialmente a partir do funk carioca e brasileiro. Nos Estados Unidos, o gênero já era contracultural, uma resposta à música mainstream das grandes gravadoras daquele país e um grito de “eu estou aqui” de comunidades, grupos sociais organizados e de empoderamento étnico. Os aparatos tecnológicos, desta vez mais portáteis e acessíveis, poderiam ser utilizados em quartos e pequenos estúdios caseiros, o que possibilitou a amplificação e protagonismo de vozes, até então desconhecidas, vindas de periferias e favelas pelo mundo. No Brasil, a chegada de sintetizadores, amplificadores semi profissionais e discos de vinis com samples e bases do hip hop e rap norte americano, permitiram a apropriação do gênero Miami Bass. Vale enfatizar que este foi um dos fatores (porém, não o único) que culminou no nascimento do funk carioca, ali no final dos 1980 e começo dos 1990, já que a cultura de bailes black e soul explodia em diversas capitais.

A ideia deste DJset (seleção musical e mixada) foi criar um panorama do gênero Miami Bass, na cultura musical brasileira, a partir de uma pesquisa musical feita do gênero a partir de 1989 até os dias de hoje. Iniciamos com uma introdução falada do Rap do Arrastão, de Ademir Lemos, faixa produzida e lançada no disco Funk Brasil (1989), por DJ Marlboro, um dos expoentes do funk carioca, que segue com trabalho ativo até os dias de hoje. Na sequência, o Rap do Missionário, do Fábrica Ritmos, grupo e disco homônimo, de 1992, lançado em Belo Horizonte/Minas Gerais. Em seguida, uma faixa medley, uma espécie de seleção mixada e sampleada por DJ Marlboro, para o seu disco Funk Brasil (1989). Partimos para Spring Beat, um funk com letra em inglês, lançado pela Furacão 2000, no ano de 2000, em comemoração aos 27 anos da produtora. O Furacão 2000 é uma das primeiras produtoras e segue, ainda em ativa, produzindo e lançando artistas importantes para o funk carioca e música pop nacional, como Tati Quebra Barraco, Ludmilla, Anitta e outros. Kabo Kaki, faixa que dá sequência ao DJset é de Tati Quebra Barraco, talvez a maior artista feminina expoente do gênero no país. A música é do seu primeiro álbum Boladona, de 2004. A faixa entrega sua vez para Feira de Acari, funk com forte pegada social de MC Batata, que conta a divertida história de uma feira de trocas no bairro de Acari, localizado na zona norte da cidade do Rio de Janeiro/RJ. Esta faixa faz parte do seu primeiro álbum — Conselho — de 1990. Feira de Acari foi um sucesso na música brasileira daquele ano. MC Batata a apresentou em muitos shows, programas de televisão e rádios de todo o Brasil.

O Miami Bass não deixou de amplificar suas ondas até os dias de hoje. A faixa que dá sequência ao DJset é eu, vc & O mar, dos artistas Lixo eletrônico e Ruanb7, de Porto Alegre/Rio Grande do Sul. Esta música faz parte do álbum Miami Hyper Bass, lançado em 2022. A próxima música do set é Dont Stop the funk, do Lions Beat. Esta faixa foi lançada na seleção DJ Marlboro apresenta DJs Beat, de 1993. Na sequência, Gaitero 2000, da produtora Furacão 2000, lançada também no ano 2000. A próxima faixa da seleção é Demole meu barraco, da Tati Quebra Barraco, do seu disco debut, de 2004. Esta música é a mais experimental do seu álbum, com uma letra que se resume a uma frase — “Demole o meu barraco” — e beats por DJ Marlboro. A seguir, o set caminha para um Miami Bass mais reflexivo e melancólico intitulado Vilarinho, do artista Vhoor, de Belo Horizonte/Minas Gerais, lançado em 2022, no seu álbum Baile & Bass. Após este momento de memória afetiva, o DJset entrega Disco Club 2, um funk disco da carioca Fernanda Abreu, do seu primeiro álbum solo Sla Radical Dance Disco Club, de 1992.

O funk carioca, ao longo desta trajetória na música brasileira, passou por diversas apropriações, inclusive por uma cena cultural compreendida como indie-rock, em meados dos anos 2000. A faixa que segue o set é Marina do Bairro, do grupo Bonde do Rolê, do disco Bonde do rolê with lasers (2007). O grupo em questão fazia uma fusão das batidas clássicas do funk carioca com guitarras e samples de sucessos dos gêneros musicais indie-rock e hardcore. A faixa a seguir é Polícia Covarde, do duo FBC e Vhoor, do álbum Baile, disco declaradamente ode ao gênero Miami Bass, lançado em 2021, pelos artistas que são de Belo Horizonte/Minas Gerais. Na sequência, entra Na Captura, faixa do artista paranaense RHR, um dos grandes produtores e DJs do gênero no país. RHR lançou essa faixa no disco Linha de ofício 93, no ano de 2022. E dá lugar e vez ao Melô do Gol, faixa do MC Batata, lançada em 1990, em homenagem às torcidas de futebol. A faixa que entra a seguir é Jazmine Kika (2018), da artista Badsista. Badista é natural do Rio Grande do Norte, mas mora na zona leste da capital de São Paulo desde a infância. Hoje, é uma das maiores produtoras e DJs do gênero funk e Miami Bass, tendo produzido artistas importantes para a cultura LGBTQIAP+ do Brasil como Linn da Quebrada e Jup do Bairro. A próxima é do MC Catra — Bonde do Justo, do álbum homônimo, de 1998. Bonde do Justo é uma referência à consciência social do funk e sua relação direta com a honestidade dos moradores de diversas comunidades e favelas do Rio de Janeiro (por ele citadas ao longo desta música). Tua Xota é Gostosa é a próxima faixa da sequência, dos artistas Drama.efx (Boituva/SP) e Apsu (Contagem/Minas Gerais), do disco Ds no Asfalto, de 2021, uma faixa com um sincretismo conceitual de elementos sonoros/timbres do funk e miami bass. A seguir é Bomba Explode na Cabeça (2007), do MC Dodô, um funk saudosista sobre senso de comunidade, irmandade e a representação de Deus. Este trabalho marca a transição de MC Dodô para a música gospel.

Encerrando o DJset, a faixa Fashion Volt, da produtora Furacão 2000, lançada no álbum Festa Techno Volume II, em 2000. A música contém uma letra única em espanhol que diz “Una nueva sensación sacudiendo”, que evidencia que o Miami Bass permanece e move para sempre a contracultura musical brasileira.

Lista de faixas musicais

Rap do Arrastão — Ademir Lemos (1989)

Melô do Missionário — Fábrica Ritmos (1992)

Marlboro Medley — DJ Marlboro (1989)

Spring Beat 2000 — Furacão 2000 (2000)

Kabo Kaki — Tati Quebra Barraco (2004)

Feira de Acari — MC Batata (1990)

Eu, vc & O mar — Lixo Eletrônico, Ruanb7 (2022)

Don’t stop the funk — Lions Beat (1993)

Gaitero 2000 — Furacão 2000 (2000)

Demole meu barraco — Tati Quebra Barraco (2004)

Vilarinho — Vhoor (2022)

Disco Club 2 — Fernanda Abreu (1992)

Marina do Bairro — Bonde do role (2007)

Polícia covarde — FBC & Vhoor (2021)

Na captura — RHR (2022)

Melô do gol — MC Batata (1990)

Jazmine Kika — Badsista (2018)

Bonde do justo — MC Catra (1998)

Tua xota é gostosa — Drama.efx e Apsu (2021)

Bomba explode na cabeça — MC Dodô (2007)

Fashion Volt — Furacão 2000 (2000)

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Sosti Reis

Sosti é jornalista, DJ e integrante do coletivo Masterplano. Atualmente é mestrando em Comunicação pela UFOP.