Um texto sobre nada já é alguma coisa

Yoná Souza
3 min readSep 11, 2024

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É curioso que no momento em que eu menos tenho tempo e mais tenho coisas para fazer, é quando eu tenho mais vontade de escrever.

Agora, já passa da meia-noite e eu preciso acordar dentro de algumas horas. Acontece que, rolando o feed do instagram antes de dormir (um grande erro), me deparei com um vídeo da Janis Joplin cantando Cry Baby. Até aí, tudo bem. No entanto, foi a partir disso que uma série de pensamentos aleatórios me acometeu e eu decidi escrever. Alguma coisa ou qualquer coisa.

Cry Baby foi a primeira música que ouvi da Janis. Aliás, eu a conheci ainda na adolescência, em algum canal de TV, entre 2007 e 2008, assistindo a esse mesmo vídeo que me apareceu agora no instagram.

Lembro que fiquei completamente perplexa, realmente embasbacada quando a vi e a escutei naquela ocasião. Alguma coisa ali parecia dialogar comigo de uma maneira muito íntima. Hoje, penso que talvez tenha sido a estranheza que a Janis sempre causou, seja na voz ou mesmo na sua figura.

Na adolescência, a gente tem aquela ânsia de se diferenciar, de se individualizar o máximo possível, de se afirmar e se colocar no mundo como o oposto daquilo que esperam de nós, e para mim, a Janis foi esse lugar emocional que me permitia ser diferente e me encontrar na minha estranheza.

Essa lembrança me levou a outro pensamento: eu sempre estive engajada com alguma coisa (Janis Joplin foi uma delas), eu sempre estive efetivamente muito envolvida por um artista, um livro, um filme, uma série, uma banda, ou mesmo uma ideia (por exemplo, quando conheci o feminismo ou a teoria sócio-histórica). Em resumo, sempre cultivei pequenas obsessões.

Sinceramente, acho que estar engajado com alguma coisa de que gostamos e nos identificamos cumpre um papel importante de nos tornar menos autocentrados: sempre achei meio triste conversar com alguém que não tem outro assunto além de si mesmo e cujas referências são apenas vivências particulares. Não há nuances.

Hoje, já não escuto Janis Joplin com a mesma frequência, mas tenho muito carinho por ela e pela arte que ela produzia tão visceralmente. De alguma forma, foi uma figura significativa em uma fase importante da minha vida.

E toda essa verborragia era para dizer, parafraseando John Keating, de Sociedade dos Poetas Mortos, que de fato existem as coisas que são necessárias à vida e aquelas pelas quais vale a pena viver. E entre essas últimas: todas as formas de arte. Ou seja, minhas pequenas obsessões —e aqui eu dou um destaque para a literatura, que se algum dia me tirassem, seria como perder a linguagem.

Minhas pequenas obsessões fizeram e continuam fazendo parte do que eu sou —mas agora, distante da adolescência, penso que, ao contrário de me diferenciarem, elas me identificam no mundo. Se, por acaso, eu precisasse dar algum tipo de definição sobre quem sou eu, provavelmente, ao lado do meu nome, da minha profissão e minha filiação, estaria que sou também um apanhado das coisas de que gosto.

Pensando bem, talvez este texto não seja sobre nada, afinal, e sim uma defesa explícita das pequenas obsessões e uma apologia descarada ao declínio das personalidades autocentradas.

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Conversa paralela e literatura. instagram: @ysouza

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