A ansiedade não é um estado natural

Stephanie Moreira
6 min readFeb 3, 2020

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MOOD — Summertime, da Dora Vincze

Eu não imaginava que ia tomar uma lição de moral sobre ansiedade em uma aula de música. Mas foi isso que aconteceu em uma quinta-feira, por volta das 19h30, com meus miolos pegando fogo depois de um dia cheio de informação, uma cólica infernal e um cansaço no corpo inteiro que, ouso dizer, tomava conta até da ponta do meu nariz.

Antes do grande ensinamento que te fez clicar em algum lugar para ter acesso a esse texto, preciso fornecer o contexto: estou fazendo aula de música sem saber tocar absolutamente nada. Só toco o terror, mesmo.

Provavelmente, eu em uma aula prática de violão. GIPHY

Certo dia, estava essa que vos escreve assistindo o jornal matinal despreocupadamente enquanto tomava café da manhã, quando a atenção até então ausente foi arrebatada por uma voz conhecida informando que naquele mesmo dia as inscrições para os “cursos de verão” do Conservatório de Música iriam abrir. E mais: o preenchimento das vagas de cada curso eram feitos por aqueles que realizassem suas inscrições primeiro.

Isso era inédito pra mim. Acho que esses cursos já aconteceram em outros verões. Mas o que eu sabia sobre a instituição era que para ingressar no conservatório de música como aluno regular há um processo seletivo, então é necessário um conhecimento que eu, senhoras, senhoritas e senhores, não tenho. Assim, frequentar qualquer aula no conservatório era, para mim, sonhar mais um sonho impossível… Até aquele momento.

As inscrições começavam naquele mesmo dia, às dez em ponto. A voz conhecida fez questão de ressaltar que, como as vagas disponíveis eram de quem primeiro fizesse a inscrição, o preenchimento seria rápido. “Então fiquem espertos”, ele disse. Falar para uma pessoa “naturalmente” ansiosa pode parecer um comando um tanto redundante, mas como eu disse no título desse texto, a ansiedade não é um estado natural.

Escolhi me inscrever no curso de Apreciação musical e técnicas interpretativas para violão, proposto pelo professor Gilson Santana. Ofertaram 10 vagas para alunos ativos, que precisavam saber tocar violão, ler partitura e todas essas coisas que ainda acho impossíveis de aprender (porque é assim que a minha mente ansiosa lida com algumas dificuldades), e 10 para alunos ouvintes, que não tinham obrigação nenhuma além do interesse pelo assunto. E lá fui eu.

Chase Your Dreams, de AndyWestface

Eu sei, você que está aí do outro lado da tela, que já se foram seis parágrafos e eu ainda não dei uma pista de como uma aula de música virou sermão sobre ansiedade. Mas segura a minha mão e exercita a sua paciência, também. Eu vou chegar lá.

Essa foi a quarta aula e eu já vi na primeira delas que seriam muito mais que lições sobre música, porque o professor Gilson consegue dar orientações musicais que não são passíveis nem de mudança das palavras para virarem “conselhos para a vida”. Não vou me prolongar muito mais: falemos sobre a quarta aula. Depois escrevo sobre a primeira e aí você decide se lê.

Os alunos ativos têm, nas aulas das quintas-feiras, a oportunidade de apresentarem uma música para a turma. Depois disso, conversam com o professor sobre as dificuldades e ouvem conselhos que ele tenha a transmitir sobre o que acabou de ver. Nessa quarta aula, uma aluna, Rose, tocou uma música que, ME PERDOEM, vou ficar devendo pra vocês agora, pois esqueci de anotar o nome, de tão desnorteada que fiquei com o episódio.

De cara, Gilson comentou que ela apresentava uma postura bem tensa, e propôs um exercício. Como o violão estava seguramente apoiado nas pernas de Rose, o professor pediu que ela soltasse o violão, deixando os braços relaxados. Aconselhou, ainda, que ela tentasse ao máximo ignorar que estava na frente de todo mundo, olhasse para um ponto fixo na parede do fundo da sala e só… existisse. Entrasse no estado mais relaxado que pudesse acessar naquele momento. Enquanto isso, ele pedia para a turma pensar em qualquer intérprete foda se apresentando: todos fazem isso calmos, e a postura deles não mente — eles fazem o que sabem tranquilamente. Pediu para a aluna ir aproximando os braços do violão. Era notável: quanto mais próximos os braços dela ficavam do instrumento, mais tensa a postura dela voltava a ficar.

Foi aí que Gilson mencionou a ansiedade pela primeira vez durante essa conversa: “Eu entendo sua ansiedade de pegar o violão e sair tocando, de fazer tudo certo, de lembrar quais notas tocar. Mas adiantar todos esses passos na sua cabeça antes de realizá-los vai tornar o trabalho muito mais árduo. Dá pra fazer tudo isso com calma. A ansiedade só serve pra deixar seus músculos mais tensos e doloridos, dificultando a atividade”.

O professor perguntou se os dedos dela doíam, pergunta respondida afirmativamente pela aluna. Prontamente, ele perguntou se, ao tocar um violão, os demais alunos ali presentes apertavam a corda para que ela encostasse no traste ou no braço. Essa é a hora em que eu vou jogar a foto de um violão pra explicar o que são esses elementos.

Tem coisa aí que eu também não sabia. Fonte

Ninguém quis arriscar uma resposta, parte para não quebrar aquele silêncio de devoção às palavras do professor, parte com aquele “medo de dar a resposta errada”. Assim, ele jogou uma verdade que fez até os estudantes de longa data dessa arte abrirem a boca em um perfeito “o”: a vibração da corda, motivo da emissão do som, acontece da extremidade da corda presa ao rastilho até… o traste mais próximo à casa pressionada. Isso significa que não importa em qual ponto de uma casa você aperta a corda, o som vai ser o mesmo porque a corda vibra até o traste. E o traste é um relevo no braço do violão.

Por sua vez, isso significa que a força necessária para a corda ser pressionada contra o traste é menor que a força necessária para a corda ser pressionada contra o braço do violão. Foi um consenso entre os alunos ali presentes que todo mundo pressionava as cordas contra o braço, com o objetivo de encostar esses dois elementos. Ou seja, aplicando uma força maior que a necessária. Deixando os dedos doloridos para emitir o mesmo som que um dedo menos dolorido pode fazer soar perfeitamente. Assim, Gilson solta a frase que eu anotei, grifei e não descansei até transformar o ocorrido em texto:

A ansiedade não é um estado natural.

As nossas vidas já são corridas, o que nos deixa condicionados a partir para as coisas munidos de muita tensão. A gente esquece que o nosso estado natural é de relaxamento. A ansiedade de fazer uma coisa só traz mais obstáculos para sua realização. É preciso, portanto, não sair do estado natural antes de uma tarefa. Assim, não será um fardo executá-la.

É com esse papo de coach que eu me despeço. Pela atenção de todos que continuaram lendo até aqui, obrigada. Ao professor Gilson: mais um muito obrigada.

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Stephanie Moreira

Uma jovem com língua afiada e cabeça cheia de ideias que por acaso virou publicitária.