A revolução vem do incômodo

Stephanie Moreira
4 min readAug 28, 2021

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Numa singela manhã de sábado, meu pai entra em uma reflexão e leva o resto da casa junto: ele lembra de ter sido um aluno exemplar em sua época de escola. Mas naquele tempo, não tinha língua inglesa na grade de matérias da escola.

Hoje, percebe que tudo que aparece pra ele ler, escutar ou consumir de uma forma geral tem palavras em inglês. Assim, ele nada na corrente do que as embalagens e algoritmos oferecem.

Não conheço o artista, peguei no Pinterest

A última vez em que isso o incomodou tanto foi nessa semana, quando motivado pela lamentável notícia da morte de Charlie Watts, batera do Rolling Stones. Ele decidiu escutar umas músicas da banda que dispensa apresentações e disse que “a batida, o ritmo, tudo bom de ouvir, mas… fiquei constrangido, até um pouco triste. Me sentindo literalmente um ANALFABETO”. Em caps lock mesmo.

Isso me levou a pensar em coisas que têm alugado um triplex na minha cabeça ultimamente, com a minha graduação chegando ao fim. Podemos ser os magos da média alta que pudermos ser na escola e na faculdade, mas se não continuarmos buscando o conhecimento sem ser sob o pretexto de uma obrigação, naturalmente ficaremos para trás. Em termos mais práticos: eu tô com medo de ficar burra quando a faculdade terminar.

imagem de Chloe Gauntley, extraída do Pinterest

Talvez seja essa a origem de tantos males na nossa sociedade, onde diversas gerações existem e coexistem. Por exemplo, de um lado, um baby boomer ralha “na minha época não era assim” com sua sobrinha geração Z de 15 anos enquanto ela tenta lhe explicar o que é a identidade de gênero não-binária.

Voou no parágrafo anterior? Pois é, o meu objetivo foi trazer esse incômodo, mesmo. Essas coisas existem, são conceitos que circulam por aí e eles não vão deixar de existir porque você nada sabre sobre eles. Ai, essa doeu. Mas é a mais pura verdade. Passa um Merthiolate (que agora não arde), bota um band-aid e volta pro resto do texto.

Sinta-se abraçado/a pelo band-aid. Arte de Henn Kim. Peguei aqui

Vou deixar aqui a minha teoria sobre o que se quer dizer com “no meu tempo”: quando a curadoria de conceitos e novos aprendizados no cérebro de uma pessoa estava sendo montada porque ela estudava, se informava, e aprendia coisas novas. Se assim for, será ingenuidade demais da minha parte dizer que seu tempo deveria contemplar toda a sua existência? Porque ao se deparar com algo que você não sabe, o incômodo é inevitável. E há uma série de coisas que você pode fazer com isso: reclamar que no seu tempo não era assim ou acrescentar essa coisa nova na sua biblioteca mental.

Meu pai poderia até reclamar que hoje em dia tudo tem uma palavrinha em inglês, e ele não entende porque na época dele ele não estudava isso e parar por aí. Mas esse incômodo despertou nele a vontade de estudar pelo menos um pouquinho de inglês. Isso, de certa forma, causou uma revolução dentro dele. E é essa a beleza do incômodo.

Arte de Lizi Boyd. Catei aqui.

Rubem Alves já dizia em seu livro Ostra feliz não faz pérola: “A ostra, para fazer uma pérola, precisa ter dentro de si um grão de areia que a faça sofrer. Sofrendo, a ostra diz para se mesma: preciso envolver essa areia pontuada que me machuca com uma esfera lisa que lhe tire pontas outras felizes não fazem pérolas. Pessoas felizes não sentem a necessidade de criar. O ato criador seja na ciência ou na arte, surge sempre de uma dor. Não é preciso que seja uma dor doída. Por vezes a dor aparece como aquela coisa que tem o nome de curiosidade.”

A revolução vem do incômodo. E entenda revolução num sentido de revolução pessoal. Nesse ponto, não me sinto tão louca por “ter medo de ficar burra” depois da faculdade. Basta que esse incômodo me persiga pro resto da minha vida e eu continue buscando conhecimento. Mas com cuidado:

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Stephanie Moreira

Uma jovem com língua afiada e cabeça cheia de ideias que por acaso virou publicitária.