Lembranças: minha sorte do dia

mr. born to be free
3 min readSep 30, 2019

Hoje é 30 de setembro de 2019. Há cinco anos o Orkut chegava ao fim. A rede social não estava mais em seu auge quando “morreu”, mas eu, no auge da minha adolescência, lembro como a rede social foi importante para o meu amadurecimento como pessoa. Que o site era infestados por fakes (pessoas que fingiam serem outras pessoas) não é segredo pra ninguém. Acontece que eu era uma delas, e tenho muita saudade do personagem que contruí lá, ainda em 2012.

Na época eu tinha apenas 13 anos e estava em uma fase de descobertas e aceitação. O fato de fingir ser outra pessoa e interagir com outros fakes me deu uma liberdade que eu acreditava ser impossível de ter na vida real. Foi no Orkut que eu descobri sobre a minha sexualidade e aprendi a aceitá-la para mim mesmo. Nas comunidades que fazia parte, conheci pessoas (geralmente mais velhas) especiais que em ajudaram nesse processo e me fizeram perceber como não havia nada de errado comigo.

O fato de estudar de manhã e não poder ser eu mesmo era algo que me destruía, mas saber que ao chegar em casa eu poderia correr para me conectar era algo animador. Passava as tardes e as noites fingindo quem eu realmente queria ser. Com o tempo, as relações na rede começaram a passar para a vida real, e até hoje tenho uma melhor amiga que me conhece melhor que ninguém, alguém que me acompanhou durante todo esse processo e sempre me ajudou a passar por momentos difíceis, mesmo morando em outro estado e nunca tendo me encontrado pessoalmente.

Mas nem tudo eram flores… Do mesmo modo que conheci minha melhor amiga em um fake de Orkut, na rede eu também posso dizer que conheci meu primeiro amor. O pior de tudo é que essa é uma puta história clichê, digna de um filme teen. Éramos melhores amigos, e foi difícil chegar nesse estágio, já que ele era hétero e um pouco preconceituoso, mas ele venceu essa barreira e passou a me aceitar e a me respeitar. Lá pelo começo de 2014 tivemos uma experiência que me levou ao maior pesadelo da minha vida.

Do nada estávamos tendo um relacionamento a distância e escondido do grupo de amigos que tínhamos em uma comunidade de jogos. Minha ingenuidade aos 15 anos me fez acreditar em algo que era tão falso quanto os personagens e a vida que interpretávamos, mas realmente houve uma entrega da minha parte. Quando esse relacionamento também ultrapassou a rede, já era tarde pra mim.

Mesmo não conhecendo ele pessoalmente, eu acabei criando a ilusão de que o amava, e as crises que ele me fez viver a partir disso me tornou uma pessoa insegura e com dificuldade de se relacionar com outras pessoas. Eu só consegui me desapegar dele quando entrei na faculdade e finalmente pude me tornar o personagem que antes eu fingia ser no fake. Depois do fim do Orkut, nos tornamos um Mesmo continuando a viver uma vida dupla, eu conseguia ser eu mesmo fora das telas e do teclado, e foi quando pude conhecer pessoas de carne e osso que reafirmaram para mim: não havia nada de errado em ser eu mesmo.

O aniversário de morte do Orkut pode me trazer boas lembranças sobre conhecer amigos virtuais e sobre meu amadurecimento pessoal, principalmente quanto a minha personalidade e sexualidade, mas também serve como um lembrete para o que me tornou uma pessoa amarga e incapaz de se entregar para outra pessoa novamente. Esse é um trauma que nunca tive coragem de compartilhar com ninguém, mas essa data só me faz refletir em como esse é um fantasma que eu preciso apagar. E eu vou. Um dia, eu vou.

--

--

mr. born to be free

André Lima, 22. Escritor de alguns contos chatos nas horas vagas. Tudo neste perfil é fruto de uma imaginação fértil, ou não.