Eu fiz uma tatuagem

Suzana Piazza
4 min readMay 4, 2017

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Hoje eu fiz uma tatuagem. Foi louco, porque foi a minha primeira. Depois de alguns anos pensando sobre os desenhos que eu gostaria de fazer, acho que foi há pouco mais de um ano que eu escolhi qual eu queria pra me inaugurar. Pequenininha, lá pra região dos pés, com aquele vinculozinho emocional de leves, só pra testar, sabe?

Mas eu ousaria dizer que, mesmo depois de tanto tempo pensando, foi fácil escolher o desenho. Sabe por quê? Porque “escolher” não acarretava responsabilidade alguma. Eu escolhi o desenho e a região, e aí continuava tudo ótimo na minha vida porque a ideia de ir tatuar, de fato, continuava muito distante da minha realidade. Nesse caso, “escolher” não foi sinônimo de “decidir”.

Era muito confortável estar no lugar de quem só tinha a ideia e não tinha a ação. Aliás, eu faço isso tantas vezes na minha vida que frequentemente me flagro me perguntando como ela seria se eu tivesse tomado a iniciativa de fazer tudo o que eu já quis fazer, desde lazer e vaidade até produções autorais (a exemplo desse medium aqui). E frequentemente me flagro me frustrando demais com isso. É que “eu podia ser mais”, “eu podia ter mais”, “eu podia estar mais”. Eu podia tanto mais. Maldito futuro do pretérito.

Mas a questão é que de um mês pra cá me deparei com uma eu muito insatisfeita. Uma eu que passou a questionar tudo e todos à sua volta, inclusive a si mesma. Eu não sei o que me levou a estar nesse lugar (embora tenha certeza que esse momento transicional de pós-formatura esteja agravando a sensação), mas a verdade é que eu não aguento mais esse mundinho inerte e sem sal, onde eu nunca me sinto preparada. Eu to louca pra sair dessa zoninha meio fria, meio vazia, meio… nhé. E pode ser que a generalidade desse parágrafo incomode, mas nem tudo o que acontece comigo quero compartilhar detalhadamente. O ponto é que eu tenho vivido um paradoxo bizarro de comodidade agoniante que já não tá mais dando. Embora ainda não saiba como fazer isso, eu definitivamente quero sair daqui.

Foi então que eu decidi. Como boa parte das minhas decisões importantes, tomadas única e exclusivamente por e pra mim, sem interferências terceiras, eu de repente decidi. “É isso e pronto”. Vou me inscrever pro intercâmbio e pronto. Vou voltar pra minha antiga faculdade e pronto. Vou fazer essa primeira tatuagem e pronto. É isso. Não falei pra absolutamente ninguém. Fiz. E pronto. E agora digo: fazia tempo que eu não sentia esses espasmos internos de alegria plena, ou orgulho pleno. Fazia tempo demais.

Provavelmente meus pais não vão gostar quando descobrirem. Possivelmente meu melhor amigo, perfeccionista e preciosista, pense com ele mesmo que “eu não faria esse desenho” ou “eu escolheria uma pessoa mais experiente pra me tatuar”. Mal sabe ele que essa tattoo não é sobre perfeição ou controle absoluto, ou sobre o que ele faria/não faria. Talvez outra pessoa ainda ouse me sugerir que “tattoos old school são mais a sua cara”. E pode ser que alguns tios me perguntem “ficou bonitinha, mas vai parar por aí né?”. Na moral? Que se foda. Porque hoje eu relembrei o que é saborear a satisfação de tomar decisões só minhas, fazer caminhos só meus e contemplar os resultados deles, mesmo que imperfeitos ou diferentes do imaginário (sempre diferentes do imaginário, aliás — mas eu amei a tattoo, só pra constar).

Contradizendo o motivo aparente da existência desse texto, eu sei que tatuagem não é nenhum big deal, e entendi isso plenamente hoje. Essa questão inclusive rende um ótimo assunto para um outro texto. Então esclareço aqui: esse texto não é sobre tatuagem. É sobre decidir, sobre dizer “sim” porque se quer, seja em trivialidades do dia-a-dia ou nem tanto. É sobre se livrar do impalpável e desapegar-se do ideal. E sobre todas essas coisas não serem da conta de ninguém além de mim mesma.

Hoje eu me senti estranhamente conectada à Suzaninha criança, que segundo meu pai “tinha o espírito livre demais pra ir pro colégio militar” e vociferava liberdade aos quatro ventos — ela “dava trabalho” porque não perguntava a ninguém o que devia ou não fazer. E sentir essa conexão foi inesperado e maravilhoso. Por mais que esse texto infelizmente ainda passe longe de tudo o que eu senti hoje, eu quis compartilhar essa experiência porque quero que outras pessoas como eu saibam que vale a pena se encorajar. Vale a pena acreditar em si e às vezes não perguntar nada pra ninguém. Mesmo que sutil, isso também é o tal do empoderamento, e gente… é bom demais.

Obrigada Monge, pelo carinho com esse trabalho e pela companhia super gostosa (e tranquilizante) de hoje ♥
Obrigada euzinha, por lembrar de mim mesma como voz independente e inquestionável. Toma aqui uma auto-estrelinha: ⭐

ps: aqui a page do studio dos meninos a quem interessar possa (:

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Suzana Piazza

Estudante de design, fotógrafa às vezes. Feminista e tal. Amo/sou textão.