Black Money: — Por que não fazemos o mesmo por aqui?
Impressões sobre o texto mais triste que li nos últimos tempos
Já faz algum tempo que o Portal Geledés republicou um texto chamado Precisamos falar sobre o “Black Money”. Esse aqui:
Só hoje esse texto chegou ao meu conhecimento e, sinceramente foi uma das leituras mais dolorosas que fiz recentemente.
Podem ler o texto se quiserem pois a partir de agora é com ele que irei dialogar.
Lá vai
Cornel West tem um capítulo no livro Questão de Raça, de 1994, sobre a crise das lideranças negras.
Ele questiona os motivos pelos quais mesmo após toda a luta por direitos, todas as denúncias, toda a mobilização dos anos 60 e 70 etc, os negros continuavam sendo mortos, discriminados e encarcerados, porém agora sem que existissem lideranças de massa como foram Malcolm X e Luther King, por exemplo.
Ele aponta vários motivos pra isso, mas todos giram em volta de um argumento central: segundo West, as lideranças de massa acabaram porque não havia mais líderes que dialogassem com os mais pobres verdadeiramente e permitissem uma união para a luta. Isso porque, após os direitos civis, cresceu uma classe média e alta negra que se importava muito em ocupar espaços, expandir ganhos econômicos entre os seus e ter grandes empresários negros como representantes. Esse grupo acabava por ignorar que o acúmulo de capital no sistema em que vivemos só se sustenta com a miséria e a exploração e que eram os negros mais pobres que se mantinham nesse lugar.
A criança nascida em um bairro negro pobre só dialogava com essa classe média negra quanto a querer enriquecer, mas sem ter os meios sistêmicos para isso, se tornava outro alvo fácil pra violência do Estado.
A ascensão dessa classe média negra foi se dando ao mesmo tempo em que crescia a cultura dos gangsters e o aumento do tráfico nas áreas mais pobres: todos esses movimentos se expandiram e muito durante o neo-liberalismo de Reagan que favorecia o empresariado mais precarizava de um modo absurdo as áreas sociais, por exemplo. Os bancos negros ficaram mais ricos, a guerra às drogas se tornou mais rígida. Celebridades negras vendiam muito, mas não mais do que a polícia matava.
Criava-se assim uma diferenciação de classes e conquistas.
Havia, em tese, meios de todos serem empreendedores e de crescerem honestamente destro do sistema — a tal meritocracia. O negro que mesmo assim não conseguia ascender era com certeza por falta de vontade.
Os criminosos portanto o eram por escolha, etc.
É a época que vemos no documentário A 13° Emenda sendo apresentada como o momento em que as políticas de encarceramento em massa foram formadas e os cidadãos aprenderam a ter medo dos negros — não só os brancos, mas também negros aprenderam a temer outros negros pois a propaganda para tal sempre foi eficiente.
Em resumo: uma liderança negra de massas forte foi impossibilitada pois quando surgia uma voz entre os pobres, ela não dialogava com os interesses, questões e objetivos dos negros mais ricos e, quando a voz surgia entre os mais ricos, não dialogava com os interesses, questões e objetivos dos mais pobres.
Tem uma matéria que circula bastante sobre desabrigados nos Estados Unidos que estão caçando ratos em lixeiras para se alimentar. O país nunca teve tantos ricos, sendo uma parte considerável deles negros, e a consequência direta disso é uma miséria em crescimento. Não estou dizendo que o enriquecimento de negros causou a desigualdade social norte americana — isso seria uma afirmação absurda. Os culpados pelo agravamento dessa situação foram a expansão do neo-liberalismo, o fim das iniciativas de bem estar social e uma política que prezou pelo empresariado fazendo com que o empresário se tornasse mais rico enquanto a pobreza aumentava sem assistência. Empresários negros ganharam benefícios com essas políticas (veja bem, empresários peixe-grande, não a senhora que vende comida de porta em porta pra sobreviver ou o garoto que vende camiseta que ele mesmo pinta na feira da cidade). Logo, a relação da classe média e alta negra se torna a relação de qualquer setor do empresariado diante das políticas neo liberais globais: por mais que se tenha boas intenções, o indivíduo não controla as lógicas do tal “mercado”, é a mão invisível, não é? Enfim…
Graças é essa lógica econômica, o país é hoje o mais desigual em todo o mundo tido como desenvolvido. E não sou eu que estou falando isso não.
Em 2010, a ONU soltou um documento com resultados de pesquisas e propostas de soluções para a desigualdade social no espaço urbano e afins. O documento já é direcionado e ideológico porque analisa apenas os países “em desenvolvimento” assumindo que nos países “desenvolvidos” a análise é desnecessária MAS MESMO ASSIM….
Em termos gerais, as desigualdades de renda em países desenvolvidos são baixas. Entretanto, aumentaram em geral entre meados dos anos 80 e 2005. (…) As variações mais surpreendentes entre os coeficientes nacional e específico por cidade de disparidades de renda ou consumo foram encontradas nos Estados Unidos, onde por volta de 2005 o coeficiente nacional foi de 0,38, mas superou 0,5 em muitas grandes áreas metropolitanas, incluindo Washington, D.C.; a cidade de Nova Iorque; Miami e outras. Esses valores são comparáveis à média dos coeficientes de cidades em países selecionados da América Latina, onde a desigualdade de renda é especialmente grande. —
- O Estado das Cidades do Mundo 2010/2011: Unindo o Urbano Dividido
pág 12
Ou seja, os Estados Unidos é um país que surpreende por sua desigualdade de condições e pela disparidade de renda entre ricos e pobres. Ok, né?
MAS AÍ VOLTAMOS PARA AQUELE TEXTO DO ÍNICIO.
Segue um trecho:
“Segundo levantamento feito pelo Sebrae, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), os negros correspondem a maioria dos empresários do pais. Confesso que nunca enxerguei toda essa beleza nesse dado e quando detalhei a pesquisa, a decepção foi maior ainda. Sim, somos a maioria entre os empresários no Brasil e ainda assim nossa renda corresponde à metade do empresário branco. Infelizmente os negros empreendem em setores de menor lucratividade e muitas vezes sem planejamento, é o famoso “empreendedor por necessidade”. (…) Gradativamente esses números tendem a melhorar, considerando que muitos jovens negros enxergam o empreendedorismo como ferramenta de mudança social e estão seguindo por este caminho com mais preparação técnica.
(…)
Entendo que o processo pós escravidão nos Estados Unidos foi totalmente diferente ao nosso, mas uma pergunta não sai da minha cabeça: Porque ainda não temos um “banco negro” aqui no Brasil? Os afro-americanos contam com várias opções de bancos fundados e presididos por empresários negros. O OneUnited Bank é o maior deles, foi criado exatamente com o intuito de mensurar o poder de compra da população afro estadunidense e canaliza-lo para gerar empregos, construir negócios e aumentar a riqueza.Mesmo com todos os possíveis questionamentos, lá eles utilizam o poder econômico como uma ferramenta de protesto. Recentemente após as constantes mortes de jovens negros americanos, criou-se um movimento chamado de BankBlackChallange. A ação tem como objetivo gerar migrações econômicas, ou seja, os negros movimentavam seus investimentos de “bancos brancos” para os “bancos negros”.
Este movimento contou com a adesão de negros famosos, como os cantores Usher, Killer Mike, Solange Knowles. Outro exemplo, foi o aumento na venda de camisetas do jogador Colin Kaepernick nas lojas da NFL. O atleta ficou mundialmente conhecido depois que se recusou a levantar para cantar o hino americano em protesto à opressão aos negros. E sempre me questiono, porque não fazemos o mesmo por aqui onde somos a maioria numérica da população?”
Primeiramente temos que pensar no que a autora define como empreendedorismo e como interpreta os dados do PNDA afinal.
Tiago Augusto é agente de pesquisa e mapeamento do IBGE e sobre isso nos fala:
Na parte em que se fala dos “empreendedores negros”, há um porém muito forte: Existem os empreendedores com funcionários (empregadores) e os que trabalham por conta própria.
Esses da conta própria, englobam desde a tia que vende Natura, até o cara que vende bala no sinal/trem/ônibus, passando por uma infinidade de ocupações de rentabilidade baixa, e que normalmente tem como função complementar a renda da família, dando uma ajuda para o (a) cônjuge, filhos(as) ou pais. Esses “empreendedores por conta própria” superam de longe em número os empregadores, dentro do “empreendedorismo negro”. E a autora erra feio, erra rude, ao não revelar esse porém.
Mesmo entendendo que a maioria imensa da população negra vive no modo empreendedor por necessidade, por desespero e por não encontrar outros meios de se sustentar diante da falta de emprego e oportunidades, a autora JURA que os números tendem a melhorar e já dá aquele salto sugerindo que passemos da fase do Black Money a brasileira pra nos espelharmos na experiência norte-americana até finalmente podermos também usar o “poder econômico como uma ferramenta de protesto” (?????? q).
Enfim, vamos aos exemplos:
- Fico pasma em perceber que tem gente que caí no conto do banco que existe para gerar riqueza entre a população.
Nem sequer consigo comentar isso. - Diante da morte de diversos jovens negros norte americanos um banco cria um movimento para que negros migrem suas fortunas e economias para bancos negros como uma forma de protesto…………………. tipo……….
Não existe um banco negro no Brasil porque a população negra brasileira é majoritariamente pobre. Não daria pra ver negros brasileiros migrando suas fortunas pra um banco negro, logo não existe o interesse — ou vocês acham mesmo que os bancos negros norte americanos existem para os pobres poderem abrir conta salário? O próprio OneUnitedBank passou por processos de falência depois de sua criação (em 1968) e só conseguiu finalmente se reerguer e se estabilizar após se voltar paras grandes fortunas e não só para a comunidade em si…
- Um jogador profissional de futebol americano protesta contra a morte de jovens negros se negando a cantar o hino do país e a população negra reage comprando várias camisas dele no site da Liga Nacional de Futebol…………… tipo……………….. really?
Se tem uma coisa que o negro brasileiro jamais deveria desejar é ver o país igual aos Estados Unidos: maior população carcerária do mundo (com uma absurda maioria de negros em uma região onde são apenas 15% da população geral); desigualdade social gritante, onde 46,7 milhões de americanos (um em cada sete) vive na pobreza, inclusive 20% das crianças; com números absurdos de negros assassinados pela polícia e de pobres que vivem na miséria extrema. É como eu sempre digo: onde tem muita riqueza pode ter certeza que vai ser fácil de encontrar a extrema miséria ao lado.
Pra mim com o povo negro dos EUA em uma situação dessas, só devemos usar a região como parâmetro para o que NÃO fazer ou desejar
MAS, voltando ao texto:
pra mim é óbvio o esvaziamento político e os métodos herméticos que em nada influenciam a vida daqueles que estão morrendo.
Que diálogo há entre os que protestam contra a morte de homens negros comprando uma camisa de futebol oficial e a família do homem negro que foi morto após roubar pra poder comprar a mesma camisa?
E ainda perguntam porque não fazemos o mesmo por aqui…
Fazer o mesmo aqui seria querer um Brasil mais norte-americano onde alguns negros protestam migrando suas fortunas de banco enquanto outros negros matam ratos para poder se alimentar.
Ain a Suzane não quer ver negros ganhando dinheiro, invejosa e…
Er… Antes que você termine a frase:
Não, o problema não é e nunca será o do negro ter dinheiro, empreender ou enriquecer. Que tenha, espero ter um dia também, porque não? Seria muito show. O problema é colocar o ter dinheiro e o mercado como soluções para o racismo estrutural, como fins a serem alcançados para esgotar os problemas de uma população que ainda é uma das mais atingidas pelas lógicas econômicas em que somos obrigadas a viver.
Acho sinceramente muito bonita a ideia de que se cada um fazer sua parte poderemos todos nos fortalecer economicamente e, munidos do valor que hoje só é dado aos ricos, diminuir o racismo até seu fim.
É bonito.
Mas infelizmente não leva em conta o mundo onde realmente vivemos e acaba por promover apenas extensões de cores diversas da mesma lógica de morte e exploração.