Formas de confrontar a solidão

uma conversa com Warsan Shire

Taís Bravo
2 min readJan 17, 2017
Foto: Nan Goldin

Eu não sei quando o amor se tornou tão elusivo

se tornou tão ardiloso

se tornou tão ilusório

se tornou tão esquivo

se tornou tão arisco

se tornou tão impreciso

Eu não sei quando o amor se tornou

um frame

quando a porta se abre

ele olha só para ela e pelo olhar dele você sabe que ela olha da mesma forma só para ele

o amor se torna

um instante

aquela troca

onde não cabe mais ninguém

o absurdo

de não caber mais ninguém

só pode ser um lapso

uma folha que se solta

o despertar de um vulcão

o passo destrutivo de uma placa tectônica

uma possessão

o amor se torna

o absurdo

no meio do centro do Rio de Janeiro

duas pessoas fecham os olhos

e movem suas bocas

ao encontro uma da outra

duas pessoas de olhos fechados a todas as outras

o risco

é uma banalidade

você vê que eu não

faço da repetição um hábito

porque é precisamente nestes gestos

que se quebra a ilusão

de se repetir

de sermos iguais

de tocarmos o mesmo corpo

de ignorarmos todo o resto

de ignorar o perigo de aderir a primeira pessoa do plural e ignorar todo o resto

o amor se torna

a constatação de não ser intacta

e você tenta

você busca entre as linhas

um ponto que fique

um macete

algo que te dê

o controle de ser quem

arranca a folha

se joga no magma

perfura a tsunami

conduz os ritos

mas você não é

do tamanho

da sua força

você é o que escapa

quando ao seu redor

persiste o abandono

como promessa

o amor se torna

insustentável

--

--