Formas de confrontar a solidão
uma conversa com Warsan Shire
Eu não sei quando o amor se tornou tão elusivo
se tornou tão ardiloso
se tornou tão ilusório
se tornou tão esquivo
se tornou tão arisco
se tornou tão impreciso
Eu não sei quando o amor se tornou
um frame
quando a porta se abre
ele olha só para ela e pelo olhar dele você sabe que ela olha da mesma forma só para ele
o amor se torna
um instante
aquela troca
onde não cabe mais ninguém
o absurdo
de não caber mais ninguém
só pode ser um lapso
uma folha que se solta
o despertar de um vulcão
o passo destrutivo de uma placa tectônica
uma possessão
o amor se torna
o absurdo
no meio do centro do Rio de Janeiro
duas pessoas fecham os olhos
e movem suas bocas
ao encontro uma da outra
duas pessoas de olhos fechados a todas as outras
o risco
é uma banalidade
você vê que eu não
faço da repetição um hábito
porque é precisamente nestes gestos
que se quebra a ilusão
de se repetir
de sermos iguais
de tocarmos o mesmo corpo
de ignorarmos todo o resto
de ignorar o perigo de aderir a primeira pessoa do plural e ignorar todo o resto
o amor se torna
a constatação de não ser intacta
e você tenta
você busca entre as linhas
um ponto que fique
um macete
algo que te dê
o controle de ser quem
arranca a folha
se joga no magma
perfura a tsunami
conduz os ritos
mas você não é
do tamanho
da sua força
você é o que escapa
quando ao seu redor
persiste o abandono
como promessa
o amor se torna
insustentável