Hamilton Vs Jefferson: Rivalidade, escravidão e contradições entre os Pais fundadores

Taka Colon
7 min readNov 17, 2021

Hamilton: An American Musical, lançado em 2015 não só revolucionou a Broadway trazendo o rap para os palcos e levando 11 Tony Awards, como entrou para cultura Pop, trazendo a tona uma nova discussão sobre os Pais e Mães fundadoras dos Estados Unidos. Diante da imensa possibilidade de discussões históricas que o musical nos da, a pesquisa desse vídeo é focada no recorte do embate de Hamilton contra Thomas Jefferson considerado um dos cinco melhores presidentes da história americana, com visões de mundo tão opostas a do protagonista e que reflete na sociedade ocidental até hoje, além da relação de ambos com a escravidão e os ameríndios.

Democracia contra Monarquia

O musical nunca chega a abordar os ideais políticos de Hamilton pós-independência, Alexander nunca foi um grande fã da democracia eletiva que começou a ser construída naquela época, influenciando toda democracia ocidental atual. O modelo que ele acreditava e chegou a propor era o de uma Monarquia Eletiva. Onde o presidente era eleito e governava até a sua morte, onde só assim teríamos novas eleições. Sendo a favor de um estado forte, comandado por poucos mais com mentes brilhantes.

Porém sua proposta foi derrotada no senado para a que se tornaria atual até hoje, uma eleição com o presidente sendo eleito pra ficar quatro anos no poder, com apenas uma reeleição possível.

Esse desejo de Hamilton era o temor de Jefferson e outras pessoas que viam na força popular e parlamentar de George Washington a chance de tudo acabar com o lendário presidente tomando o poder como Rei ou imperador. Apesar do medo, isso nunca foi cogitado. Em Assassins Creed 3, uma série de DLC’s é focada em um universo paralelo onde a América é dominada por uma monarquia americana com Washington como rei.

Em uma de suas últimas cartas com o país vivendo a democracia por cerca de 15 anos, ele diria que a democracia era o veneno e a doença da nação.

Por outro lado, Hamilton era defensor que os estados se unissem como um único país, criando um senso de nação, não só para o seu plano financeiro ganhar força, mas para soberania e sobrevivência. Havia um desejo que se concretizaria dos Estados Unidos serem fortes e influentes como a Inglaterra era no mundo até então.

Já Thomas Jefferson tem seu lado cantado com maestria, toda influência francesa de uma época que jorrava ideias iluministas fazia dele um amante da liberdade e de uma democracia do povo, a favor de eleição do período presidencial de quatro anos. Tem frases famosas até hoje como: “Quando as pessoas temem o governo, isso é tirania; quando o governo teme as pessoas, isso é liberdade.” E a usada na peça — Todos os homens são criados iguais com direitos inalienáveis como Vida, liberdade e busca da felicidade.

Claro que a ideia de povo para ele era muito baseada pela democracia grega, onde apenas a elite e homens letrados poderiam votar. Mulheres, índios e escravos não eram considerados e colocados a margem da sociedade.

Porém, Jefferson não era favorável à junção dos estados em um único país, quando essa se torna a saída para a independência ele luta para que os Estados ainda sim, tenha poderes soberanos. Ainda mais quando o plano financeiro de Hamilton se consolida, Jefferson temia que os bancos e as elites criassem um monopólio financeiro que obrigasse o estado a obedecer e criar politicas que favorecem os bancos e não o povo, qual deveria ser a prioridade do governo, algo que viria a se concretizar atualmente. Para eles o banco central e que os bancos privados, eram os piores inimigos da constituição, da liberdade e que dar a liberdade para eles tirarem os bens das pessoas por dívidas geraria um futuro de sem tetos.

No fim, mesmo em polos opostos, de ódio que discussões acaloradas que não só marcam o musical como a história, foi um mix das ideias de ambos que acabou não só influenciando os Estados Unidos como o ocidente.

Escravidão e Extermínio Indígena

Sempre se pensa a independência e consolidação americana como uma vitória e do outro lado uma derrota do Império Britânico. Mas, tem dois lados esquecidos na história. Um é dos ameríndios que vivem no país. Lembrando que na época os Estados unidos eram apenas 13 estados, sua consolidação levaria a uma quase extinção deles nos próximos anos.. E nenhum Pai Fundador teve alguma preocupação com eles. Tanto que antes da independência buscando sobrevivência alguns índios lutavam ao lado dos ingleses na guerra.

O outro ponto de vista é o dos escravos que sua própria existência e manutenção contradiz a criação americana. Hamilton mesmo apesar de ser contra a escravidão nunca a teve como um de suas prioridades principais, inclusive com novas anotações descobertas em 2020, historiadores tentam analisar se Alexander teve alguns poucos escravos nos seus anos finais de vida já na fase de “Uptown”.

Muito das influências de Hamilton contra escravidão vieram por Lafayette e Jhon Laurens, juntos também influenciaram George Washington, que considerou levar o tema para ser votado, mas acreditava que ainda era cedo para o país conseguir passar unido pelo fim do trabalho escravo, que ainda sim, quase 80 anos depois levaria a uma guerra civil. Porém, pouco antes da sua morte ele fez um testamento dando liberdade e terras para todos os seus escravos

Se Hamilton já não fosse contraditório em relação à escravidão. Thomas Jefferson o maior defensor da ideia de liberdade da vontade do indivíduo sobre o estado, que pregava que todos os homens eram criados iguais, é o Pai Fundador com mais escravos, tendo cerca de 600 tendo separado e vendido varias famílias, acreditando que os negros escravizados não conseguiam criar vínculos familiares ou amor. Em muitas anotações Thomas dizia usar a escravidão como uma estratégia de investimento e usar diversas punições para melhor desempenho dos escravos entre 10 e 12 anos. Mesmo com o passar tempo e ao ver como Washington liberou seus escravos e deu terras para eles, suas ideias começariam a mudar, mas não o suficiente. Acreditando que uma sociedade com negros livre e multirracial seria impossível. Ele chegou a liberar alguns escravos perto de sua morte, mas não as famílias desses escravos, após a sua morte famílias escravas que pertenciam a ele foram separadas sendo vendidas para diferentes compradores. Tornado famoso o caso de Joseph Fossett, ferreiro que ganhou a liberdade do próprio Thomas Jefferson, mas levou 10 anos para juntar dinheiro e conseguir comprar a esposa e a filha vendidas após a morte do terceiro presidente americano.

A escravidão só acabaria nos Estados Unidos pouco mais de 30 anos, depois da morte de Jefferson, o último dos três a morrer e levando o país a uma guerra civil que durou 4 anos, entre o sul defensor do modelo escravagista contra o norte que defendia a libertação.

Um dos maiores exemplos da contradição americana e dos País Fundadores que influenciam até hoje os norte americanos como todos os vizinhos em toda amárica. Onde um imigrante pode fazer história, onde a liberdade e o direito das pessoas são considerados, mas que mesmo mais de 200 anos depois ainda lida com um racismo estrutural que mata os negros e tem os índios, dono das terras em todas as Américas dizimados e marginalizados até os dias atuais.

Rivais, na época da morte de Hamilton, Jefferson já era o 3 presidente eleito americano e apenas escreveu uma carta formal para a família de Hamilton, pelos seus feitos na guerra de independência, depois disso não se tem registro que Jefferson tenha mencionado Hamilton. O qual ele sempre viu como rival e um perigo, pelo apresso do imigrante a ideais monárquicas e ao banco central sua criação.

Thomas entra para história como um dos melhores presidentes da história, estabilizando a economia americana, dobrou o tamanho do país e vencendo a Guerra Tripoli. Além de grande defensor da liberdade e igualdade. Tendo seu rosto no monte Rushmore ao lado de George Washignton, Theodore Roosevelt e Abraham Lincoln, além de estar na nota de 2 dólares.

Já Hamilton teve o que é considerado o primeiro caso extraconjugal coberto pela mídia sendo considerado o pai da Wall Street com uma estátua no local. Fora da Wall Street Hamilton caiu no esquecimento e quase perdeu o posto de rosto na nota de 10 dólares, até o Musical de 2015 de Lin-Manuel Miranda catapultar sua história mundo afora.

A rivalidade dos dois Pais fundadores é só um dos tantos temas e histórias que podem ser encontradas no musical que mostra como figuras histórias tendem a ser complexas e traz negros, imigrantes e a cultura do hip hop, para ser o tema central de um história de personagens contraditórios em tempos contraditórios.

Fontes:

Did anyone ever offer to make George Washington “king”?: https://msuweb.montclair.edu/~furrg/gbi/docs/kingmyth.html

Elective Monarchy : https://en.wikipedia.org/wiki/Elective_monarchy

George Washington: The man, the myth, the legend: https://www.washingtonpost.com/news/on-leadership/wp/2016/01/10/george-washington-the-man-the-myth-the-legend/

Thomas Jefferson: On food and Freedom: https://www.washingtonpost.com/news/on-leadership/wp/2016/01/24/the-enduring-controversy-of-thomas-jefferson/

The First Bank of the United States : https://www.federalreservehistory.org/essays/first-bank-of-the-us

New Research Suggests Alexander Hamilton Was a Slave Owner: https://www.smithsonianmag.com/history/new-research-alexander-hamilton-slave-owner-180976260/

Uma decisão de libertar seus escravos: https://www.mountvernon.org/george-washington/slavery/washingtons-1799-will/

The Dark Side of Thomas Jefferson: https://www.smithsonianmag.com/history/the-dark-side-of-thomas-jefferson-35976004/

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