Maria
Maria amante que caminha,
Traz na sacola a sua vida
Pesada, doída.
Um pedaço de permissão,
Nada fresco, só resto.
Resto de força, de cansaço e de amor —
Matéria de existência, mais nada.
No alforje, um corpo doce,
Amarelo e maduro como lembrança.
“Será que iriam gostar de melão?”
Seguiu levando na sacola,
Sua saudade,
Seu buraco no peito,
Grande, feito melão.
Até o espanto!
A queda. O espatifar.
“Esperança pra essa puta safada?!
Como ousa? Esperança de quê? Pra quê?
Não pode!”
Poder sem poder é porte pro azar.
“E negra, ainda por cima!
Faz muito em existir, se é já é demais!”
Assustou o motorista —
O mais que fez foi fazer nada.
Lincharam mulher.
Lincharam sacola.
Até melão.
É vida que segue,
Pisando. Pisando.
Enquanto tudo rola
Feito fruta
Caída antes do tempo.
Interpretação poética do conto Maria, de Conceição Evaristo, realizado em oficina aplicada por Taís Bravo e Seane Melo no evento Escrita em Tempos Modernos, organizado pela Revista intransitiva, iniciativa de alunas e alunos em parceria com o Departamento de Letras-Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro.