Um ensaio sobre autoestima

E a arte de reescrever minhas memórias

Tales Gubes
Revista Subjetiva
5 min readNov 14, 2017

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Quando morava em Porto Alegre, eu era um bichinho da goiaba, todo feio e tímido. Eu ia para as festas, dançava desengonçado e muitas vezes terminava a noite voltando para casa sozinho e sem ter beijado ninguém. Na época, beijar alguém na balada era uma questão importante pra mim, então eu sofria com os insucessos.

Ficar com alguém era importante porque, de alguma forma, eu alimentava minha autoimagem a partir do meu sucesso interagindo com outras pessoas — inclusive e especialmente de forma afetiva e sexual. Essas noites de frustração tinham um impacto significativo na maneira como eu me enxergava. Sem perceber, isso retroalimentava um ciclo de baixa autoestima.

Eu era tão tímido e duvidava tanto do meu valor pessoal, que certa vez vi um rapaz bonito numa festa e decidi que queria falar com ele. A música estava alta e eu não fazia ideia de como me aproximar, achei que seria estranho chegar gritando no ouvido dele, então resolvi ser inteligente. Digitei uma mensagem no meu celular, algo como “Oi, tudo bem?”, e o cutuquei.

Olhando para o passado, eu entendo aquele Tales. Meu primeiro namoro havia começado a partir de um desses sites de bate-papo, então dialogar por palavras escritas era algo que me deixava muito confortável. Como eu não entendia as normas da interação social ao vivo, tentei trazer aquele ambiente complexo para a minha zona de conforto.

O rapaz bonito olhou pra mim, depois leu a minha mensagem, me olhou novamente e perguntou: “você não sabe falar?”. Enquanto eu gaguejava para responder, ele me deu as costas e saiu. Fiquei ali parado com cara de tacho lambendo as minhas feridas e pensando sobre o que eu havia feito de errado.

Sabe o que descobri, anos depois?

Que não fiz nada de errado. Se eu tivesse falado com ele, em vez de escrito uma mensagem, acredito que o resultado teria sido o mesmo. A questão não era meu modo de contato e sim quem estava entrando em contato. Por algum motivo, não fui atraente o bastante para que ele entrasse no meu jogo e recebi um não direto.

Está tudo bem em receber um não, especialmente hoje, que estou mais treinado nessa arte de não elaborar meu valor pessoal a partir de como as pessoas reagem às minhas ações. O que não está tudo bem é a modalidade de resposta do rapaz bonito. Custava ter sido minimamente mais cuidadoso?

Incômodos à parte, foram muitos anos até eu entender que essa não era uma memória sobre a escrotice alheia e sim uma lembrança de que o meu valor não pode ser definido por outras pessoas. No livro A coragem de ser imperfeito, Brené Brown compartilha suas pesquisas sobre as principais características das pessoas que criam e vivem com ousadia. No final das contas, há um elemento que distingue quem vai e faz de quem não consegue viver mais livremente: as pessoas que vivem com ousadia acreditam que têm valor próprio, que são dignas de amor.

Lá na boate, eu estava esperando a validação do rapaz bonito e o que encontrei foi uma parede. Essa história se repetiu incontáveis vezes ao longo da minha vida e de formas variadas — noites tristes, relacionamentos tóxicos etc. — porque eu não estava ciente do meu valor pessoal.

Na virada do ano para 2012, eu estava em uma festa na casa de pessoas desconhecidas que eu provavelmente jamais verei de novo. A única pessoa que conhecia era uma amiga, para a qual confessei que gostaria de dançar, mas que não queria ser o primeiro a começar. Ela perguntou: “quem vai se importar se você dançar?”. Lá eu já sabia a resposta, mas saber e viver são duas coisas bem distintas. Eu não dancei naquela noite.

Em algum lugar da minha cabeça eu tinha — e muitas vezes ainda tenho — medo do que podem pensar de mim e construía meu valor pessoal em cima da opinião alheia. Essa opinião alheia, aliás, podia ser real, mas também poderia ser simplesmente imaginada, um reflexo de como na verdade eu me percebia.

Tem sido um trabalho contínuo esse de me fazer acreditar que tenho valor e que sou digno de coisas boas. Ter autoestima. Pelo que estou entendendo, será um trabalho para a vida toda. Em alguns ambientes, é mais fácil. Dentro do Ninho de Escritores, por exemplo, eu sou o suprassumo da autoestima e da autoconfiança, basicamente porque entendo e controlo as regras do jogo. Em outros lugares, aí já depende da minha disposição emocional para lidar com o imprevisto e imponderável. Em meio a tudo isso, estar com pessoas que eu confio e aprecio — mas não invejo — é uma forma também de me proteger e autovalorizar.

Talvez você esperasse um texto mais redondinho, com respostas e caminhos para estimular sua autoestima e autoconfiança. Se for esse o caso, sinto muito. O que é louco é que comecei esse texto pensando no poder do “oi” para abrir portas e acabei entendendo que minha memória não era sobre “dizer oi” e sim sobre a coragem necessária para fazer isso.

Por mensagem de texto ou não, fui até o rapaz e iniciei um contato. Esse gesto simples tem um valor incrível, pena que eu não estava pronto para reconhecer que o valor está no esforço e não no resultado.

Parte do meu trabalho atual tem sido descobrir modos de usar narrativas e jogos para reelaborar a visão que as pessoas têm de si mesmas. Um desses modos é reescrever a própria história, algo parecido com o que fiz aqui neste artigo. Minha memória deixou de ser sobre minha falha em iniciar contatos e agora está alocada junto às ousadias que acabaram não dando certo.

E você, a quantas anda sua autoestima?

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Tales Gubes
Revista Subjetiva

Um olhar não-violento para uma vida mais livre, honesta e conectada. Criador do Ninho de Escritores, da Oficina de Carinho e do Jogo pra Vida.