Um exercício fascinante que escritores podem aprender com desenhistas

O treino deles é melhor que o nosso.

Tales Gubes
Ninho de Escritores
3 min readJun 23, 2017

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O caminho da maestria em qualquer arte é o mesmo. Tanto faz se é a escrita, o desenho, a dança, a pintura, a encenação, o que for.

Segundo Leonard George, no livro Maestria, o caminho da maestria envolve cinco chaves:

  • Instrução. Em vez de reinventar rodas, podemos aprender com professores, livros, vídeos etc. A boa instrução é aquela que nos ajuda a avançar e a colher o que já foi experimentado pela humanidade, acelerando o aprendizado.
  • Prática. É a experiência do fazer que constrói a habilidade. Desenvolver uma competência significa enfrentar períodos de estagnação, mas é a prática diligente que nos leva aos saltos de melhoria. Só há maestria onde há o prazer pela prática.
  • Entrega. Ninguém se torna mestre em uma arte sem entregar-se a ela. Para além da dedicação, a entrega significa estar aberto a explorar nossa habilidade com a mente de iniciante, aquela que sabe que tem um universo ainda a aprender.
  • Intencionalidade. O caminho da maestria é intencional. Devemos saber o que queremos alcançar em termos de competência, mesmo que seja apenas uma meta temporária para orientar o treino. A prática pela prática perde potência se não for intencional.
  • Limiar. Os limites de quem somos e do que já foi construído coletivamente na arte podem e devem ser desafiados.

O que muda entre as artes é como a prática pode ser realizada. Diferente de algumas modalidades de desenho, da música e da dança, na escrita a reprodução exata do que admiramos é muito fácil: basta copiar as palavras. Por causa disso, tendemos a achar que esse exercício é fútil.

Eu discordo. Um parágrafo bem escrito é uma obra de arte que merece ser dissecada em suas partes constituintes.

Aí sim temos uma vantagem na escrita, porque as regras das relações entre palavras e frases e parágrafos em geral estão dadas pela gramática. É parecido com o que acontece na música: temos uma caixa de possibilidades limitada com a qual trabalhar em termos de sons e ritmos. Com as artes que evocam imagens, esse processo é mais complexo e difícil de reproduzir.

Escolha na estante o seu livro favorito e abra-o em uma página qualquer. Selecione um parágrafo particularmente poderoso e leia-o devagar. Saboreie cada palavra, observe quais se avizinham e imagine o porquê. Cada palavra foi escolhida à exclusão de todas as outras 300–400 mil possíveis.

Só aí já temos um prazer minucioso para nos ocupar por muitas vidas, mas ainda é uma prática de leitura, nem tanto de escrita.

Escrita de observação

Sintonize um dos seus sentidos. Pode ser a visão, a partir de uma foto ou do que você estiver enxergando agora. Pode ser a audição, a partir de um áudio gravado ou do que se escuta nos arredores. Pode ser olfato, tato, paladar, propriocepção.

Agora descreva o que você está percebendo.

Terminou? Faça de novo, de novo, de novo e de novo, até enjoar.

Enquanto eu aprendia a desenhar, um dos exercícios que mais me fascinava era o desenho de observação. Minha turma marcava encontros em locais públicos e passávamos horas olhando para prédios públicos e desenhando-os, tentando reproduzir suas nuances, luzes e sombras.

Com as palavras, jamais chegaremos à cópia perfeita daquilo que percebemos, e tudo bem. O que nos importa é o jogo com as palavras, a experimentação, a brincadeira. Diferente do desenho, podemos mudar um ponto, um traço, uma palavra, e avaliar qual a diferença produzida no todo.

Quer praticar a escrita de observação? Então olhe agora pela janela mais próxima e escreva o que você percebe. Não precisa ficar perfeito nem maravilhoso, a graça é o exercício. Não precisa ser só descritivo, pode deixar fluir uma pequena narrativa. Ou criar um livro inteiro a partir da sua janela, tanto faz. Apenas permita-se afetar e praticar.

Eu comecei um mini projeto de escrita de observação no Ninho de Escritores e também em meu perfil do Medium usando as séries. Se você tiver o aplicativo do Medium instalado no celular, pode dar uma olhada no que estou produzindo.

Vamos escrever mais?

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Tales Gubes
Ninho de Escritores

Um olhar não-violento para uma vida mais livre, honesta e conectada. Criador do Ninho de Escritores, da Oficina de Carinho e do Jogo pra Vida.