Tamara Ritta
11 min readJun 28, 2016

Entrevista com Bernardo Bortolotto repórter da RBS TV

Fonte: Agência central sul de notícias Foto: Ronald Mendes.

Bernardo formou-se em jornalismo na Unifra (Centro universitário Franciscano) no ano de 2011 em Santa Maria. De 2008 a 2010 dividiu os estudos com os estúdios da rádio Santamariense como repórter. Em 2010 ingressou como estagiário de telejornalismo na RBS TV Santa Maria. No início de 2011, foi convidado para ser repórter free lancer do Diário de Santa Maria, no impresso ficou até se formar no final de 2011. Após se formar, foi para a RBS TV dos Vales em Santa Cruz do Sul. Três meses depois, foi chamado novamente para Santa Maria, onde ficou até 2015. No mesmo ano, foi convidado para atuar na RBS TV Porto Alegre, onde trabalha atualmente.

“O diploma é importante, mas não vai garantir o bom caráter e atitudes que são exemplo para sociedade”.

Por que optou pelo jornalismo?

Olha, eu na verdade acho que foi o jornalismo que me encontrou. Sabe, eu optei por que eu sempre gostei de comunicação, de conversar com as pessoas, de conhecer histórias e ouvir pessoas. E foi visitando os estúdios da Universidade Federal de Santa Maria, na cidade onde eu comecei, que eu me dei conta que queria fazer aquilo. Nunca tive outra escolha em mente. Hoje, se eu pensar em fazer outra coisa não vou saber o que fazer. Ou seja, de alguma maneira, o jornalismo sempre esteve em mim. E esta coisa de gostar da comunicação, de me comunicar, conversar, conhecer histórias e gostar de contar essas histórias de jeitos diferentes é algo que me atrai todos os dias para o jornalismo. Então eu acho que foi uma escolha muito casada eu queria o jornalismo e acho que o jornalismo me puxava. Então não teve assim: vou optar entre um e outro, não, sempre foi o jornalismo. Por esse lado da comunicação de gostar de me comunicar.

Quais foram as tuas influencias no jornalismo, alguém te inspirou?

Influencias a gente sempre tem, não é uma pessoa ou duas, são várias. vamos começar por repórteres de TV: Eu gosto muito do Caco Barcellos. Eu também gosto muito dos textos da Eliane Brum, que daí nós já vamos pro impresso. Ela começou aqui na Zero Hora e foi pra outros lugares. E gosto muito de trabalhar com os meus colegas hoje. Como eu estou começando, posso citar vários colegas aqui que me inspiram muito, como o Jonas Campos e a Guacira Merlin, tem tantos profissionais bons e capacitados ,ou seja, todos esses são inspirações todos os dias , mas, claro no começo da carreira a gente tem algumas pessoas que nos tocam mais. Entre elas eu cito claramente o Caco Barcellos porque eu acho que ele tem um lado social que eu valorizo muito, que eu gosto muito. Citaria também a Elaine Brum por esse fator .

Quais foram as maiores dificuldades enfrentadas no decorrer do curso?

A maior dificuldade? mesmo não tive. Assim no curso dificuldade em relação aos estudos, mas a maior dificuldade foi conciliar a faculdade e o trabalho. Porque para estudar eu precisei trabalhar e chegou um momento em que eu tive que optar em abandonar um emprego que eu tinha de vendedor em uma casa de material de construção pra trabalhar com jornalismo. Então chegou um momento que eu pensei poxa eu preciso deixar o conforto em que eu ganhava mais, trabalhando como vendedor para entrar no jornalismo. Já pensando que durante a faculdade eu estagiando, trabalhando já próximo a uma emissora de rádio de santa Maria eu poderia sair da faculdade já no mercado, pronto para o mercado pelo menos. E foi o que aconteceu, mas foi o mais difícil estudar, trabalhar, fazer os trabalhos ter os compromissos, mas foi algo muito bom, depois você vê que no decorrer do tempo me ajudou muito, mas foi o mais difícil, conciliar trabalho e estudo. O cansaço, estudava a noite e trabalhava durante o dia.

Qual foi a tua primeira reportagem?

A primeira, vou destacar uma, não sei se foi a primeira, mas foi a que eu considerei o marco inicial. Foi na rádio Santamariense. Me marcou porque fiz uma reportagem sobre uma rua que estava visivelmente cedendo, mas é muito movimentada, ninguém dizia o porquê e todo mundo percebia aquilo, mas o assunto, tu não percebia tanto na imprensa local,assim como em vários setores. Então eu fui lá, fiz a reportagem, conversei com os moradores, conversei com especialistas, e pra minha surpresa, pouco após a reportagem, a prefeitura entendeu que havia um problema grave no solo. Interrompeu a rua durante um fim de semana., trabalharam e consertaram o problema. Isso pra mim foi algo marcante, porque foi ali que eu percebi a importância mesmo que tu tem na prática, é algo mais palpável do serviço que a gente presta. O trabalho que a gente faz é fundamental pra modificar a sociedade, modificar o ambiente. Ali eu pude sentir isso, então por isso eu lembro sempre dessa reportagem, uma das primeiras que eu fiz e que teve um resultado praticamente imediato. Sabe, isso foi muito legal pra mim. Algo que eu sempre trago comigo é tentar fazer algum tipo de trabalho que de certa forma preste um serviço, toque as pessoas e modifique sempre de uma maneira positiva a sociedade.

Além dessa, qual a reportagem mais marcante, a que tu considerou mais difícil?

A mais difícil o incêndio na boate kiss, a cobertura mais marcante sem dúvida. Foi a mais difícil, não tem como dimensionar o que foi o incêndio na boate kiss, na cobertura, pra mim foi muito triste, porque eu sou da região, eu não conhecia pessoas que morreram, não tinha ninguém próximo a mim, mas foi muito triste. Até hoje eu sinto essa tristeza, e é uma dor muito grande tu ver que jovens morreram, rostos bonitos, os pais sofrendo, foram centenas de pessoas. Até hoje a gente tenta, mas não consegue entender direito o que aconteceu. Foi uma cobertura muito difícil, muito sofrida, foram horas e horas de trabalho extensas, tem dias que se trabalha bastante. E esses dias, não posso dizer esse dia, porque foram muitos dias em cima só do incêndio da Boate Kiss. Então eu sempre digo começou em 27 de janeiro de 2013 e eu só terminei a cobertura quando sai de Santa Maria mesmo, que eu encerrei a cobertura direto lá foi em abril de 2015, por que sempre estive acompanhando os desdobramentos, os casos na justiça, na policia, com os familiares, medicamentos. Uma cobertura que eu aprendi muito. Acho que nenhuma pós-graduação pode me dar o que eu aprendi na cobertura da Boate Kiss e dividindo a redação com pessoas experientes, mas como ser humano também, e com certeza, foi a mais difícil, a mais sofrida.

Como é fazer reportagens fora do país? como a que fizeste na missão das nações unidas no Haiti?

Foi uma novidade pra mim, não foi a primeira vez que sai do país, já tinha ido à Argentina, mas foi a primeira vez que fui num país que está participando de uma missão de paz e que tem algumas áreas consideradas de conflito. Em termos de experiência profissional, não tenho o que dizer, foi muito bom no sentido de aprender, de se tornar mais humano. Porque quem pisa no solo como o haitiano hoje sai de lá transformado. Não tem como sair de lá do mesmo jeito como tu chegou. Tu vê pessoas passando fome, tu vê pessoas que não tem água pra beber, comida, nada o que colocar no prato todos os dias, tu vê pessoas que não tem luz, sem estrutura, esgoto a céu aberto, muito lixo, tu vê muita tristeza, muitas coisas ruins e isso pra mim foi um aprendizado e tanto. É algo que tu chega lá, as vezes com algumas pautas já definidas, e quando tu põe o pé pensa que é um pouquinho diferente, não é bem assim. Então é só sentindo mesmo, estando no lugar para saber. Pra mim foi uma experiência incrível, me transformou como pessoa. Isso é importante, a gente dosar na hora de fazer uma reportagem. Uma coisa é tu não expor tanto, mas isso acaba indo pro material que tu produz, a transformação que tu sofre, então também tem que dosar o que pode ir e o que não pode ir. Foi uma experiência incrível nesse sentido também de produção de material, um material muito rico, muito bom. Acho que para aquilo que a gente se propôs a fazer, que era acompanhar as tropas de Santa Maria, a gente conseguiu fazer sem deixar de lado o aspecto do povo das pessoas e sem explorar muito a miséria pela miséria. Porque poderia chegar lá e só explorar a miséria. Então também tentei ter esse cuidado, porque o povo de lá já é muito sofrido, já está muito acostumado com a imprensa internacional chegar lá e falar que eles são pobres coitados, miseráveis e simplesmente vai embora. Enfim, não era só essa ideia que a gente queria passar e acho que nós conseguimos manter esse tom na cobertura. Isso foi um aprendizado porque toda vez que você vai escrever, que você enxerga e grava uma situação ruim, você tende a explorar muito aquilo, então foi um aprendizado e tanto principalmente pelo policiamento da construção de textos e da reportagem pra não ficar preso só a isso. Sabe, foi muito bom e, como pessoa, houve uma transformação muito grande, tu passa a valorizar mais o banho, a água, o ar que tu respiras sem cheiro ruim, o ultimo grão de arroz no prato, tu não quer deixar comida sobrando porque tu sabe que tem gente que está numa situação ruim. No Brasil temos os nossos Haitis, mas com certeza lá se potencializa é muito maior é muito mais triste.

Como você lida com a glamorizarão do repórter?

Eu não sei lidar muito bem com isso, confesso. Sabe, eu fui devagarinho aprendendo a lidar, até com pessoas próximas a mim ajudando a entender. Tem pessoas que te param na rua, algumas brincam que querem autógrafo. Eu sempre digo não. Autógrafo é coisa pra famoso, tem que pedir pra um artista. Então aprendi a lidar com isso, e hoje se alguém me pede um autógrafo eu sugiro uma selfie, porque minha letra é horrível. Acho que nasci com dom pra ser medico. É isso a gente também tem que aprender a se comportar diante disso, por que as pessoas são muito legais, elas têm um carinho muito grande, e como eu te disse antes, quando tu está comunicando, tu não sabe em quem chega, como está chegando e que tipo de relação tu está construindo com a pessoa que está recebendo. Até hoje graças a Deus, a maioria das reações que recebi foram positivas, de pessoas que gostam do meu trabalho, que acham legal. E aprender a lidar com isso é fundamental. Eu acho que a humildade em reconhecer de que maneira vem esse carinho e seguir o trabalho. Saber que tu só vai ter esse reconhecimento baixando a cabeça e trabalhando sério, com humildade. Agora essa coisa de fama, isso pra mim não existe. Assim pode haver um reconhecimento profissional, mas essa coisa de ser glamour, de ter fama isso pra mim não é algo que eu veja como sendo coisa do próprio profissional de jornalismo, porque esse é o tipo de coisa que te afasta de certas coisas que são fundamentais na nossa profissão, aspectos primordiais. Então pra mim, é um reconhecimento importante, eu agradeço, estou aprendendo a lidar principalmente com as redes sociais, mas não é algo que eu permita ser maior do que a profissão e ser maior do que eu sou.

Na sua opinião a principal função do jornalista é a transformação social?

Eu acho que é uma delas, não sei se a principal, porque a transformação acho que é uma consequência do jornalismo. O papel principal é fiscalizar não só a política a polícia, mas fiscalizar também a sociedade, o que esta fazendo, como está agindo e, a partir dessa fiscalização, que você consegue colocar a informação a disposição das pessoas. Você vai gerar uma transformação, com certeza, transformar faz parte do papel do jornalista, mas é a gente sempre trazer análises e pontos de vista diferentes pra uma discussão, sempre gerar uma discussão. A gente não está aqui pra dizer o que as pessoas devem fazer, o que as pessoas tem que ser, entende? Mas trazer esses pontos de vista diferentes que provocam essas transformações, sabe como eu disse, as transformações são consequências, e sim, eu acho que nosso papel é fundamental na sociedade, essa fiscalização, pra que ela possa dizer pra que lado quer ir.

Na sua opinião o que é preciso para ser um bom jornalista?

Eu acho que várias coisas sabe, o jornalista constrói a carreira em cima de vários aspectos, além acho que do estudo constante é sempre importante ler muito. Eu não digo ler só notícias e não digo ler apenas um gênero literário, tem que ler bastante, ter conhecimento, dominar a língua e não só a sua língua. Mais do que isso, acho que o jornalista tem que incorporar aquilo que está fazendo e trazer para o seu dia a dia coisas que são fundamentais, como por exemplo: você não pode fazer uma reportagem mostrando pessoas embriagadas, sair da redação, daquela história, ir pra casa beber e dirigir, não pode. Tu tens que incorporar o espírito de uma pessoa que quer transformar a sociedade. Vou usar uma frase do Claudio Abramo que eu acho um símbolo pra tudo em termos do bom Jornalista: “o jornalismo é o exercício diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter”. Então acho que o caráter é uma das coisas fundamentais para o bom jornalista. Além de estudar, de dominar a língua, dominar a profissão, o veiculo que você esta trabalhando, principalmente. Mas hoje você faz tudo, é multimídia, saber estar informado, não precisa saber tudo até porque isso e impossível, mas tem que estar bem informado.

Que conselho você daria para quem esta começando no jornalismo?

Persistência,acho que é fundamental, porque tudo muda. Estar disposto a ouvir muito. O jornalista tem que ouvir muito e falar só quando realmente é necessário. Estar sempre disposto a aprender a se modificar, porque as vezes, muitas vezes, quando você começa, é uma coisa, quando passam alguns anos a sociedade muda. Então tem que estar disposto sempre a ouvir . Acho que isso é fundamental, além de tudo aquilo que a gente já falou. Estudo, se atualizar, as novas mídias, as novas tecnologias, esse é um grande desafio hoje, mas é, acima de tudo ter persistência. saber que teu ponto de vista vai mudar e isso e saudável, isso não e ruim. Sempre estar bem informado e ler muito. Acho que o jornalista que está começando precisa chegar assim já, sabe no mercado, porque esse é o diferencial de quem está saindo de uma faculdade e não se preocupou muito em estar bem informado em ler muito e saber como uma sociedade funciona. O jornalista que sai da universidade assim, já tem, acho, que um lugar no mercado e sai muito bem da faculdade. Praticar sempre o bom caráter, saber que essas coisas mudam quando a gente já está estudando, não é depois que ganha um diploma. O diploma é importante, mas não vai garantir o bom caráter e atitudes que são exemplo para sociedade, porque a gente, quando fala, mostra problemas, mostra situações que são ruins. A gente tem que sempre tentar, eu sempre penso assim, buscar, dar o exemplo em casa para os colegas, o exemplo pra todo mundo, porque fazer coisas boas só vai nos trazer coisas boas. Eu acho que o jornalista também tem esse papel de mostrar aquilo que é bom, não só quando está exercendo o jornalismo, quando está no ar, escrevendo ou quando está no rádio. Enfim acho que tem que trazer isso pro seu dia a dia. Isso eu acho que faz parte da formação de um bom jornalista.

“o jornalismo é o exercício diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter”. Claudio Abramo. Então acho que o caráter é uma das coisas fundamentais para o bom jornalista.

Fonte: Facebook

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