O iogurte está prestes a azedar

Tamir Einhorn Salem
5 min readFeb 26, 2017

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Não existe nada mais divertido do que o noticiário político brasileiro. É sério, vocês estão perdendo. Desliga o Netflix, porque nem o Kevin Spacey vai superar a narrativa que está se desenrolando por baixo dos nossos olhos.

Nos últimos dias, vocês devem ter visto que Eliseu Padilha(PMDB), ministro da Casa Civil, pediu licença temporária do governo por ‘questões de saúde’. Vou fazer uma aposta igual fiz em Agosto de 2015, quando falei do impeachment de Dilma e acertei: Padilha está encrencado. Pouco importa o que ele vem dizendo. Talvez voltar fosse a intenção inicial dele, mas agora sua situação acaba de piorar enormemente, mais ainda do que quando saíram parte das delações da Odebrecht. Se Eliseu tentar, na terça, sentar na cadeira, podem anotar: não vai durar. Aí você deve estar pensando: tudo bem, é só mais um ministro; tantos já caíram nesse governo, né? Tanto faz. Não significa nada. Aí, meu leitor, é que você está enganado. O iogurte vai azedar.

Da esquerda para direita: José Yunes, Lúcio Funaro, Michel Temer(PMDB) e Eliseu Padilha(PMDB).

Os quatro aí de cima são os principais atores desse esquema. Os dois últimos você já conhece. Os dois primeiros são, respectivamente, José Yunes, grande amigo de Temer e ex-assessor especial do presidente, e Lúcio Funaro, doleiro e operador de Cunha que foi preso na Lava Jato em Junho de 2016. A história é a seguinte: segundo delatores da Odebrecht, Temer teria pedido, em 2014, 10 milhões em propina eleitoral para o PMDB. Desse dinheiro, 4 milhões seriam destinados para Padilha, para outras campanhas do partido. Parte disso teria então sido recebida, em dinheiro vivo, no escritório de Yunes, que teria repassado então o dinheiro para Eliseu. E onde entra Funaro? Já chegamos lá. Quando a história veio à tona, na época do fechamento das delações da Odebrecht, houve certa pressão para que Padilha saísse do cargo, e Yunes acabou se demitindo, provavelmente para impedir que as investigações chegassem no coração do Planalto. Como Yunes não tinha foro privilegiado, era bem provável que logo alguma operação fosse conduzida em sua residência, o que seria especialmente danoso para Temer. Beleza. Padilha, em acordo com Temer, decidiu se manter no cargo. Como amigo de Temer e um dos articuladores políticos principais do governo, ele é tido como ‘capitão do time’, e era um dos três essenciais do presidente, junto com o ex-ministro Geddel e Moreira Franco. Beleza.

Cláudio Melo Filho, delator da Odebrecht que falou sobre o episódio.

Essa semana, porém, rolou uma reviravolta das boas: José Yunes bateu na porta do Ministério Público e foi depor espontaneamente, sem que ninguém pedisse. Lembram do Eike Batista? Foi exatamente isso que ele fez, com medo de ser preso preventivamente caso não colaborasse. Seu depoimento provavelmente foi o que o impediu de ser preso na Operação Arquivo X, que prendeu Guido Mantega. Depois, viram que ele não havia contado tudo e Eike acabou preso. Percebem o padrão? Yunes, encrencado, resolveu que era ou ele, ou Padilha, e resolveu se salvar. Contou aos procuradores que Padilha lhe procurou, pedindo um favor: que recebesse um envelope com ‘documentos’ para ele. Funaro foi ao escritório, deixou o envelope e outra pessoa iria buscá-lo depois. Como sabemos disso tudo? Por que aparentemente, Yunes perdeu as estribeiras e decidiu queimar Padilha: além de falar com procuradores, ele deu uma entrevista para a Veja. Nessa entrevista, ele diz que Funaro afirmou que o dinheiro seria usado para bancar campanhas de 140 deputados, com o fim de eleger Eduardo Cunha como presidente da Câmara. Assustado, teria procurado Funaro no Google, quando descobriu sua reputação. Foi almoçar, não viu o que continha o envelope e a segunda pessoa buscou o que era seu.

Resumindo: Yunes, com medo de ser preso, botou a boca no trombone e acusou Padilha de tê-lo usado como mula. Jogou a responsa pro amigo e caiu fora. Acabou juntando várias pontas e corroborou o depoimento da Odebrecht. É engraçado, porque Cunha, quando chamou Temer como testemunha de defesa, chegou a perguntar sobre sua relação com Yunes e se Yunes teria recebido recursos do PMDB. Tá vendo? As perguntas de Cunha eram uma ameaça ao episódio nada republicano, de pagamentos partidários como forma de propina. Como Funaro era operador de Cunha e criminoso de longa data, sua delação provavelmente demoraria a sair, mas viria junto com a do comparsa. E qual era o principal trunfo dela? A parte que incriminava Eliseu Padilha!

José Yunes e Michel Temer. Foto da Folha de São Paulo.

Isso significa que Yunes, com uma tacada, frustrou fortemente a delação de Funaro e a de Cunha, mas jogou Padilha aos leões. É extremamente difícil decifrar o que motivou a jogada de Yunes para a mídia. Não era necessário, para que ele não fosse preso, uma declaração à Veja. Bastava o depoimento. Talvez, acometido por pânico, decidiu trazer seu nome à tona como bom moço, alguém que foi usado pelos vilões, esperando assim se salvaguardar da Lava Jato. A grande incógnita é: Dado que Temer é grande amigo de Yunes, quanto ele sabia da movimentação do amigo? Teria isso sido combinado, ou Yunes decidiu atirar contra o Planalto para salvar a própria pele? Temos aqui duas teorias: Yunes e Temer decidiram se salvar; queimaram Padilha e minaram parte da delação mais perigosa para o Planalto, a de Cunha.

Ou: Yunes decidiu que seu pescoço valia mais que tudo, mandou tudo às favas e fez o que fez de forma isolada, talvez fazendo questão de vilanizar Padilha por conta de algum desentendimento pessoal.

Aparentemente, a primeira teoria é a mais provável. O depoimento de Yunes apresenta uma série de blindagens à Temer, e talvez o que tenha acontecido seja uma combinação de coisas: Yunes combinou com Temer sua ida para depoimento, mas, nervoso, teve a ideia própria de ir conversar com repórteres. De todo modo, a história de Yunes é extremamente esquisita: quem é a pessoa que buscou o envelope? Por que Funaro, que tem escritório em SP, precisaria de Yunes como simples intermediário? Se Funaro lhe pareceu tão esquisito, por que só agora tomar uma ação? E o principal: Como cabia tanto dinheiro, mais ou menos um milhão, em um simples envelope?

A situação tem tudo para se tornar espinhosa. Com a Lava Jato no núcleo do governo, Padilha será fortemente pressionado à renunciar, algo que não deve querer fazer, uma vez que perderá seu foro privilegiado. Além disso, Eliseu é tido como grande articulador, essencial para as reformas que estão por vir serem aprovadas. O mais viável para ele é prorrogar sua licença médica até que a delação da Odebrecht tenha seu sigilo levantado; assim, ele seria apenas mais um no lamaçal e não ficaria tão em evidência. Os depoimentos da Odebrecht, agora corroborados por Yunes, representam perigo para Temer também na frente do processo de cassação de sua chapa, que poderia custar-lhe o mandato, e serão tomados nesta quarta feira de cinzas. Por fim, o pior: Temer disse que não conhece nem nunca se reuniu com Funaro. É uma frase que pode lhe custar caro, muito caro.

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