Litania na Qual Certas Coisas são Desconsideradas. SIKEN, Richard

Naomi Kalev
5 min readSep 29, 2024

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Tradução de Naomi Kalev.

Toda manhã as folhas do bordo.

Toda manhã outro capítulo onde o herói vai

de um passo ao outro. Toda manhã as mesmas grandes

e pequenas palavras detalhando nosso desejo, detalhando

Você sempre será sozinho e depois você morre.

Então talvez eu queira te dar algo mais do que um catálogo

de atos indefinitivos

algo além do desespero.

Caro tal-tal-tal, desculpa por não conseguir vir na sua festa.

Caro tal-tal-tal, desculpa por ter vindo a sua festa

e te seduzido

e te deixado ferido e destruído, coitadinho.

Você quer uma narrativa melhor. Quem não quer?

Uma floresta, então. Lindas árvores. E uma mulher cantando.

Amor em cima d’água, amor embaixo d’água, amor, amor e aí por diante.

Que doce mulher. Canta, mulher, canta! É claro, ela acorda o dragão.

Amar sempre acorda o dragão e de repente

chamas

por toda parte.

Já adivinho que você imagina que o dragão sou eu,

seria tão a minha cara, mas não é. Eu não sou o dragão.

Eu não sou a princesa também.

Quem sou eu? Sou só um escritor. Eu escrevo as coisas.

Eu ando pelos seus sonhos e invento o futuro. Claro,

eu afundo a barca do amor, mas isso vem depois. E sim, eu engulo

vidro, mas isso vem depois.

E a parte onde eu te empurro

forte contra a parede e cada parte do seu corpo roça contra o tijolo,

cala a boca

tô quase lá.

Por um instante eu achei que era o dragão.

Eu acho que posso te contar isso agora. E, por um instante, eu achei que era

a princesa,

rosa-algodão-doce, sentada lá no meu quarto, na torre do castelo,

jovem e linda e amando e esperando por você com

certeza

mas a princesa olha no seu espelho e vê apenas a princesa,

enquanto eu estou aqui fora, me arrastando pela lama, soprando fogo,

e recebendo mortal apunhalada.

Tá certo, então sou o dragão. E daí?

Você ainda pode ser o herói.

Você tem as luvas mágicas! Um peixe que fala! Seus olhos são lanternas!

O que mais você quer?

Te faço panquecas, pego a sua caça, falo com você como se estivesse

aqui de verdade.

Você está aqui, meu querido? Você me conhece? O microfone tá ao vivo?

Me deixa fazer direito pelo menos uma vez,

que se registre, deixa eu fazer algo de creme e estrelas que se torna,

você sabe a história, no simples paraíso.

Dentro da sua cabeça, você ouve o telefone tocar

e quando abre os olhos

apenas uma clareira com um veado lá. Olá veado.

Dentro da sua cabeça, o som do vidro,

o som de um acidente de carro enquanto o caminhão capota e explode lentamente.

Olá, querido, desculpa por isso.

Desculpa pelos cotovelos ossudos, desculpa que nós

vivemos aqui, desculpa pelo vexame no fim da escadaria

e como eu estraguei tudo falando disso em voz alta.

Especialmente isso, mas eu deveria saber.

Veja bem, eu pego partes do que lembro e costuro tudo junto

para fazer uma criatura que fará o que eu mandar

ou que me amará reciproco.

Não sei porque faço isso, mas nesta versão você não está

se doando a um homem horrível

contra um céu preto salpicado de pequenas

luzes.

Retiro o que disse.

Os salões de madeira como caixões. Esses termos do fundo da fossa.

Eu retiro todos eles.

Eis aqui a replicada imagem do amante destruído:

desconsiderada.

Desastradas mãos numa sala escura. Desconsideradas. Há algo

embaixo do piso.

Desconsiderado. E eis aqui o tabernáculo

reconstruído.

Eis aqui a parte onde todos são felizes sempre e sempre e todos somos

perdoados,

apesar de não merecermos.

Dentro da sua cabeça você ouve

um telefone tocando, e quando você abre os olhos você se encontra

no banheiro de um aleatório,

parado na janela com uma toalha amarela, apenas vinte minutos de distância

da coisa mais suja que você conhece.

Todas as salas do castelo, exceto essa, diz alguém, e de repente

escuridão,

de repente apenas

escuridão.

Na sala de estar, no terreiro quebrado,

na traseira do carro quando as luzes passam. No balanço

e no fluxo do banheiro do aeroporto, banhado numa farmácia de

luz não-natural,

minhas mãos parecem estranhas, minha cara estranha, meus pés tão longe.

E então o avião, a assento na janela sob a asa com vista

para a asa e um pequeno saco de alumínio com

amendoins.

Eu chego na cidade e você me encontra na estação,

sorrindo de um jeito

que me assustou. Atrás do beco, no entorno do fliperama,

escadas acima do prédio

até a pequena salinha com as torneiras quebradas, seus desenhos, todas suas coisas,

Eu olhei pela janela e disse

Isso não é tão diferente quanto minha casa,

porque não é,

mas então eu noto o céu preto e todas essas luzes.

Andamos pela casa até o trem

urbano.

Todos esses prédios, todo esse vidro e o brilhante lindo

mecânico

vento.

Nós estávamos dentro do vagão quando comecei a chorar. Você estava chorando também,

sorrindo e chorando de um jeito que me deixou

ainda mais histérico. Você disse que eu podia pedir o que quisesse, mas eu

não conseguia dizer

em voz alta.

Na verdade, você disse Amar, para você,

é maior do que o típico amor romântico. É como uma religião.

É

assustador. Ninguém

nunca

vai te querer

na cama.

Tudo certo, já que você é tão bom, faça você —

aqui está o lápis, faça funcionar…

Se a janela está na sua direita, você é sua própria cama. Se a janela

está em cima do seu coração, e está selada de tinta, e então inalando

água do rio.

Construa-me uma cidade e chame-a Jerusalém. Construa-me outra e chame-a

Jerusalém.

Nós poderíamos voltar de Jerusalém onde não encontramos

aquilo que procurávamos, então refaça-o, dê-me outra versão,

um cômodo diferente, outro corredor, a cozinha pintada outra vez

e outra vez,

outra tigela de sopa.

A história completa do desejo humano demora setenta minutos para contar.

Infelizmente, não temos tanto tempo assim.

Esqueça o

dragão,

deixe a arma na mesa, isso não tem nada a ver com felicidade.

Vamos pular pro momento da epifania,

na luz dourada, quando a câmera foca onde

a ação está,

beira lago e lusco-fusco, e surge dentro do quadro, perto o bastante para ver

os anéis azuis dos meus olhos quando digo

algo

feio.

Eu nunca gostei desse fim também. Mais amor jorrando pro lado errado,

e eu não quero ser o tipinho que diz o lado errado.

Mas não funciona, esse apagamento, essa constante dobra das pregas.

Havia umas partes boas, claro,

tudo é caju amigo e Jorge Amado, rindo usando pijamas de seda

e os grãos de açúcar

na torrada, amar amar ou qualquer coisa, toma um número. Me

desculpa

é uma história tão torpe.

Caro Perdão, você sabe que recentemente

nós tivemos nossas dificuldades e há muitas coisas

que quero perguntar

para você.

Eu tentei aquela vez, colégio, segundo recreio, e então outra vez,

anos depois, na piscina clorada.

Eu ainda estou te falando sobre ajuda. Eu ainda não

tenho

esses luxos.

Eu te disse de onde estou vindo, então junte os pedaços.

Doem nossas barrigas e rolamos no

chão…

Quando eu digo isso, deveria significar risadas,

não veneno.

Eu quero mais brigadeiro. Eu quero mais assentos reservados aos heróis.

Caro Perdão, eu guardei um prato para você.

Pare de se remoer no terreiro e vem

para dentro.

Original disponível em Poetry Foundation.

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Naomi Kalev

Escolhendo abacates, uma senhora me abordou. Seu nome é Teresa Canta. Ajudou a escolher o melhor fruto e me deu seu caderno vermelho. Transcrevo suas poesias.