Carta de Rosa Luxemburgo para se ler em momentos difíceis

Tarik Fraig
2 min readMar 21, 2024

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Trecho de Carta escrita por Rosa Luxemburgo em 1917, diretamente da prisão, para Sonia Liebknecht. Profundamente desiludida e abalada pelo apoio à guerra do Partido Social-Democrata Alemão (SPD), Rosa fundou em 1915, junto a Karl Liebknecht, a Liga Espartaquista. É levada para o cárcere por agitação revolucionária e antimilitarista e, em 1919, é brutalmente assassinada pelos grupos paramilitares Freikorps.

Para se ler em momentos difíceis.

“[…] Como é estranho eu viver sempre numa alegre embriaguês, sem razão particular. Assim, por exemplo, aqui estou deitada, nesta cela escura, num colchão duro como pedra, enquanto à minha volta, no edifício, reina a habitual paz de cemitério; acreditar-se-ia estar no túmulo; através da janela desenha-se no teto o reflexo do bico de gás ardendo a noite inteira diante, da prisão. De tempos em tempos ouve-se o barulho surdo de um trem que passa ao longe ou então, bem perto, sob as minhas janelas, o pigarro da sentinela que, com suas botas pesadas, dá alguns passos lentos para desentorpecer as pernas. A areia estala tão sem esperança sob esses passos, que todo o vazio e a falta de perspectivas da existência ressoam na noite úmida e sombria.
E aqui estou eu deitada, quieta, sozinha, enrolada nos véus negros das trevas, do tédio, da falta de liberdade, do inverno — e, apesar disso, meu coração bate com uma alegria interior desconhecida, incompreensível, como se, sob um sol radiante, estivesse atravessando um prado em flor. No escuro, sorrio à vida, como se eu conhecesse algum segredo mágico que pune todo o mal e as tristes mentiras, transformando-os em luz intensa e em felicidade. E, ao mesmo tempo, procuro uma razão para esta alegria, não encontro nada, e tenho que sorrir novamente — de mim mesma. Acredito que o segredo não é outro senão a própria vida; a profunda escuridão noturna é bela e suave como veludo, basta somente saber olhar. No estalar da areia úmida sob os passos lentos, pesados da sentinela canta também uma bela, uma pequena canção da vida — basta apenas saber ouvir”

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Tarik Fraig

Filosofia, literatura, arte, educação e poesia. E a vida.