RESPEITE O FEMINISMO: um convite.

Tati Leite
3 min readMar 9, 2018

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A palavra “respeito” vem do inglês re-spect (olhe de novo).

Pois agora que dia 8 passou, meu convite é para que todes aqui adotemos um novo e poderoso olhar para o feminismo.

[novo para mim, pq, na verdade, de novo não tem nada].

Um olhar interseccional, que rompa com a categoria “mulher” como algo universal e passe a levar em conta as brutais (e invisibilizadas) diferenças de realidade que moram nas intersecções das múltiplas identidades sociais que carregamos: raça, orientação sexual, identidade de gênero, classe social…

Como diz a inspiradora Djamila Ribeiro, em seu livro O que é lugar de fala?, de onde tirei tu-do que compartilho neste post:

“A insistência em falar de mulheres como universais, não marcando as diferenças existentes, faz com que somente parte desse ser ‘mulher’ seja visto".

E continua (pg. 41): "Segundo o Mapa da Violência de 2015, aumentou em 54,8% o assassinato de mulheres negras, ao passo que o de mulheres brancas diminuiu em 9,6%. Esse aumento alarmante nos mostra a falta de um olhar étnico racial no momento de se pensar política de enfrentamento à violência contra mulheres, já que essas políticas não estão alcançando mulheres negras. O ‘mulheres’ aqui, atingiu majoritariamente mulheres brancas”.

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O livro traz, ainda, diversos quotes de outras feministas negras, que reforçam dura e brilhantemente o ponto acima. Entre eles, me marcou muito o trecho abaixo de Sueli Carneiro (pg. 47), retirado do artigo Enegrecendo o Feminismo:

“Quando falamos do mito da fragilidade feminina, que justificou historicamente a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres, de que mulheres estamos falando? Nós, mulheres negras, fazemos parte de um contingente de mulheres, provavelmente majoritário, que nunca reconheceram em si mesmas esse mito, porque nunca fomos tratadas como frágeis. Fazemos parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras, prostitutas… Mulheres que não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar. Fazemos parte de um contingente de mulheres com identidade de objeto. Ontem, a serviço de frágeis sinhazinhas e de senhores de engenho tarados”.

Quando falo lá em cima que esse olhar não é novo, é porque a história nos mostra exemplos de discursos como este desde a primeira onda de feminismo, como o famoso e comovente discurso de Sojouner Truth "Aint I a woman" (ou: "e eu, não sou uma mulher?"), no século XIX, citado logo no começo do livro (pg. 20)

Mas para mulheres brancas, como eu, por incrível que pareça, ainda em 2018, entender que "a experiência de ser mulher se dá de forma social e historicamente determinadas” (Luiza Bairros, pg. 70) não é algo natural ou espontâneo. Mas fundamental para não cairmos na violenta, silenciadora (e comum) armadilha de achar (e propagar) que falar de feminismo negro é ter uma abordagem separatista. Ele é, na verdade e ao contrário, inclusivo.

Precisamos, juntas, e com urgência, quebrar com a "ficção segunda a qual partimos todas de uma posição comum de acesso à fala e à escuta" (Djamila, pg.85). Afinal, como a autora e ativista finaliza o livro (pg. 90):

"Só fala na voz de ninguém quem nunca teve que reivindicar sua humanidade"

Que saibamos reconhecer o privilégio, se o tivermos, de nunca ter precisado reinvindicar nossa humanidade — e lutar para que isso seja um direito de todos e todas.

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Gratidão e admiração infinita à autora e a todas mulheres negras, que, como diz Patricia Hill Collins (pg. 45 e 46), fazem uso criativo desse doloroso (e potente) lugar de marginalidade que ocupam na sociedade para desenvolver pensamentos, teorias, conceitos (como o de interseccionalidade) e projetos que, ao refletir seus diferentes olhares e perspectivas, desconstroem as nossas — e tornam o mundo estruturalmente melhor.

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Para fomentar e celebrar tanta potência, a Benfeitoria, em parceria com o Fundo Baobá e o Movimento Coletivo, do Instituto Coca-Cola, lançaram a maior convocação de MATCHFUNDING do país, voltado para TRIPLICAR a arrecadação de campanhas de crowdfunding feitas para viabilizar iniciativas que contribuam com o empoderamento de meninas e mulheres negras.

São R$500mil para projetos recebidos até o fim de março. Envie seus projetos (se for uma mulher negra, claro) e divulgue em suas redes! www.benfeitoria.com/negraspotencias

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Tati Leite

Empreendedora social, cofundadora da Benfeitoria, coidealizadora de outros projetos da novas economia, ativista da ética do cuidado e… mãe de 2 :)