June, Mrs. Maisel e o prazer de gostar de algo

Parecia simples ter uma opinião até não conseguir mais tê-la

Tati Lopatiuk
5 min readMar 16, 2018

Correndo o risco de parecer preguiçosa ou até burra, devo dizer que é cada vez mais difícil para mim apontar motivos para gostar de algo que vão além do puro e simples gostar.

Sendo bem sincera com você, existem várias séries, filmes e livros que eu consumo e gosto, me vejo tentada a falar sobre, mas parece que para falar de algo na internet você precisa fazer todo um tratado sociológico daquilo. Não tenho forças.

Não quero inserir aquela peça de entretenimento em um contexto de estudo de narrativa. Não quero criar uma defesa para um conteúdo que consegue se sustentar com as próprias pernas e não precisa disso de mim. Quero apenas dizer que gostei. Porque gostar de algo, por si só, para mim, já é difícil. Não por eu ser exigente demais, eu nem sou, é só porque as coisas, sejam elas quais forem, demoram um pouco mais do que o normal para me atingir.

Fugindo do que deveria fazer, me vejo sempre chegando atrasada em todo hype. Chego sempre com pelo menos doze meses de atraso nas conversas da semana. Eu sei que pode parecer haver certa vaidade em dizer isso, observe eu não me importar, mas verdade é que eu me importo. No entanto, não há nada que eu possa fazer. O ritmo nas grandes cidades, etc, e, acima de tudo, prioridades.

Esse atraso tem seu preço, sobretudo na experiência que envolve consumir algo cultural. Afinal, ver uma série, hoje em dia, não é apenas dar play na TV. Existe todo um cenário, uma conversa, uma análise. Mesmo sozinho em seu calabouço, tendo um celular na mão você jamais assiste a uma série sozinho. Enquanto elas estão em alta, claro. Desse modo, quando vistas um ano depois, como eu faço, longe do hype e do barulho da multidão que exige que você assista a isso ou aquilo, uma série antes tida como excelente é, na maioria da vezes, apenas mediana.

Mas existem, é claro, aquelas que se destacam.

Isso aconteceu recentemente comigo quando peguei para ver The Handmaid’s Tale. Tendo seu primeiro episódio sido lançado um ano atrás, não preciso exatamente te convencer de que é boa, você já deve ter ouvido falar dela.

Acredito que a essa altura todos saibam de que se trata a série, tão indicada e premiada por conta da sua qualidade e crítica social inquestionáveis. Uma fábula com ares de distopia onde o lugar da mulher da sociedade é o de uma mera parideira de bebês para os que tem dinheiro e poder.

Para mim, ela pegou muito mais por conta dos grandes silêncios que sentíamos através dos grandes olhos azuis da June interpretada por Elizabeth Moss. Toda aquela dor que ela transmitia apenas olhando incrédula para seu mundo desabando.

Isso me afetou demais, de um modo que, por dias, era tudo o que eu queria assistir.

Veja, com várias opções de séries por aí, é comum que a gente misture todas, escolhendo uma para quando estamos contentes, outra para quando estamos tristes, uma terceira para quando precisamos de um presente depois de um dia difícil. Isso é totalmente ok, mas para mim deixou de funcionar assim que assisti ao episódio piloto de Handmaid’s.

Eu queria ver aquela temporada até o final, apenas ela e nada mais.

E assim o fiz, então ela me acompanhou por duas semanas (até que demorei, não é mesmo?) e essa imersão fez com que o meu carinho pela série aumentasse. Em muitos dias, era tudo o que eu precisava ver. Em outros, me deixava mal por ter visto, arrependida de ter terminado um dia feliz implantando toda aquela angústia no coração.

Mas a série traz uma angústia que precisa ser sentida, como uma ferida que precisa que você tire os curativos, olhe como está e a limpe.

Eu gostei de The Handmaid’s Tale por isso.

Vindo em um extremo oposto, está The Marvelous Mrs. Maisel, que peguei para ver assim que terminei Handmaid’s.

Mrs. Maisel também foi lançada há exatos doze meses, mas acho que não foi tão comentada assim — embora tenha ganho alguns prêmios. A série conta a história de Midge Maisel, uma dona de casa comum dos anos 50 que vê sua vida mudar quando seu marido a abandona. Divorciada, com dois filhos pequenos, Midge tem que correr atrás, arrumando um emprego e uma improvável carreira como comediante stand up.

Incrível como, a seu modo, essa série também fala sobre os direitos da mulher e o seu papel na sociedade. Sem fazer fan service gratuito e forçado (oi, The Post) para nada e nem ninguém em especial, Mrs. Maisel nos mostra com doçura e muito humor como é difícil ser mulher em uma sociedade que não nos aceita como somos e sempre está moldando um novo modelo que devemos seguir.

Fazer uma série de humor que não seja frívola é algo digno de nota. Em Mrs. Maisel eu encontrei um lugar onde podia gargalhar todos os dias enquanto me comovia com a história daquela personagem. Rachel Brosnahan, a atriz que interpreta a protagonista, é tão absurdamente cativante que chega a ser sobrenatural a maneira como nos põe de joelhos por sua Mrs. Maisel já no episódio piloto. Uma série boa assim não precisa de claque. Toda noite eu via dois episódios por vez e sentia meu coração ser preenchido por amor e entusiasmo.

Eu gostei de The Marvelous Mrs. Maisel por isso.

Chegando ao fim desse texto, vejo como as duas séries têm muito em comum, além do fato de terem agradado a mim, eterna atrasada em tudo, inclusive em gostar. Duas mulheres fortes, cativantes, apaixonantes e apaixonadas buscando por conta própria uma solução para o drama que a vida lhes impôs. Em uma época como a nossa, essa reflexão e esse incentivo são sempre válidos.

Deve ser por isso que gostei tanto delas. Calada maturando tudo o que aprendi nesses dois shows, decido que vou falar mais do que eu gosto por aqui. Com tratado sociológico incluso ou não. Provavelmente, não. Mas é isso.

Eu gostei disso, então é algo que merece ser dito. Por si só, o gostar justifica que se fale de algo.

Caso tenha ficado interessado nas séries, The Handmaid’s Tale é uma produção da Hulu e atualmente está sendo exibida no Brasil pela Paramount Channel. Já The Marvelous Mrs. Maisel é um produto da Amazon Video. Nenhuma está disponível na Netflix — às vezes a gente precisa se esforçar um pouco…

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