Zé Ovo no baixo, Bacalhau na bateria e Gabriel nos vocais e guitarra — SESC Santo Amaro 04/06/16

Sobre o show da “Little Quail & The Mad Birds”

Existem bandas que acabam e existem sentimentos que nunca vão acabar

Tati Lopatiuk
5 min readJun 5, 2016

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Formada por Gabriel Thomaz, Bacalhau e Zé Ovo, a Little Quail & The Mad Birds é uma banda brasileira que existiu oficialmente entre 1988 e 1996 e gravou dois álbuns. Embora tenha sido o embrião de várias bandas notáveis que surgiram depois, a LQATMB nunca foi um sucesso de mídia. Ainda assim, é uma banda muito querida por quem gosta de rock honesto e sem firulas — e com um pouco de gaiatice. Desde o anunciado fim, a banda se reúne esporadicamente para algumas apresentações isoladas, sendo que a última até então tinha sido em maio de 2012. O show de ontem, no Sesc Santo Amaro em São Paulo, foi o primeiro após esse hiato e surgiu como gancho para o lançamento do livro do Gabriel, Magnéticos 90, que conta um pouco dessa história também.

Gabriel empunha a carteira de músico do Zé Ovo em uma das piadas do show

Do trio, Gabriel foi quem fez mais sucesso comercial depois do Little Quail: desde 1997 ele comanda a Autoramas — uma das bandas mais maravilhosas do rock brasileiro e ponto — além de projetos paralelos como Lafayette & os Tremendões, onde revisita clássicos do Iê-iê-iê. Bacalhau foi do Rumbora e Ultraje e atualmente toca no programa do Danilo Gentili no SBT. Já o Zé Ovo largou essa história de banda e trabalha mais do outro lado da força, como técnico de som e roadie inclusive no próprio SESC.

Alf e Bacalhau

O show também teve participação do Alf (Rumbora, Supergalo) que hoje em dia está com projeto solo. Era para ele tocar só uma música ou duas, mas a partir do momento em que subiu ao palco já virou tudo uma grande zoeira e acabou ficando até o final.

Com sua pontualidade britânica, o moço do SESC anunciou por detrás das cortinas o início do show às 20h de um sábado chuvoso e frio. É muito curioso assistir a um show de rock no SESC. O lugar é ótimo, as instalações são excelentes, os preços são convidativos, é tudo tão perfeito que destoa dos perrengues que estamos acostumados nas casas de show. Você chega lá às 19h45, entrega seu ingresso, o show começa e termina na hora certa e você vai embora depois, não tem mais nada pra ver ou fazer. Objetivo e direto, nada pode ser mais “vida adulta” do que isso.

No palco, uma boa dose disso também. Com oitenta minutos de show aproximadamente, todos os hits da Little Quail foram tocados, além de alguns covers inusitados como Samba do Arnesto. Isso não quer dizer que foi um show burocrático, como dizem. Foi uma apresentação completa e coesa, isso sim. A Little Quail entregou uma performance enérgica e divertida, com a medida certa de saudosismo — na plateia as pessoas olhavam tão admiradas que até esqueciam um pouco de dançar. Também, pudera. É incrível ver pela primeira vez ao vivo (no meu caso) canções que embalaram a nossa adolescência. É uma emoção muito grande ver ao vivo uma banda que você nem achava que teria mais a chance de ver.

Cientes do peso disso, Gabriel e Zé Ovo conduziam o show com humor e leveza, fazendo inúmeras piadas e comparando suas vidas entre a época do Little Quail e agora. Bacalhau fazia o papel do adulto responsável que todos nós deveríamos ser à essa altura, avisando que tinha música pra tocar, que estavam se atrasando e também puxando a bateria pra anunciar a próxima música enquanto o resto da banda e a platéia se perdiam em piadas e provocações. Ansioso e profissional, Bacalhau é meu animal spirit, eu percebi, quando resmungava “a gente já podia ter tocado oito músicas!” e dava de ombros se debochavam da pressa dele.

Little Quail & The Mad Birds no Sesc Santo Amaro

Disso, é claro, você percebe que a idade chegou para todos. Não como algo ruim, posto que é inevitável. Little Quail foi maravilhosa e pelo nossos sonhos adolescentes deveria ter durado para sempre, mas nada como ter o “para sempre” por alguns instantes para perceber que o certo é deixar a vida seguir. Diante de um público mais perto dos quarenta anos do que dos trinta, a banda se mostrou como um revival sentimental daquele tempo, porém sem pretensões de trazer o passado de volta. Como se dissessem “Olha, houve isso aqui um dia, foi legal e ainda é legal, mas hoje em dia temos outras coisas, temos outros interesses”. E que bom que é assim, pois para os fãs a vida andou também. Todo mundo ama reviver o passado, no entanto isso não quer dizer que queiramos passar mais de uma noite por lá. Nossa vida tem outras urgências agora.

Depois do show, fomos à um bar ali perto com amigos. Bebemos, falamos de futebol (na TV, o Corinthians jogava pelo Brasileirão), rimos e comparamos nossas vidas e trabalhos. Antes das onze da noite todos já estavam em suas casas, debaixo das cobertas. Feito uma rápida excursão à um passado distante, o show da Little Quail veio para nos mostrar que bandas acabam, a vida passa e nos muda um tanto. E, mesmo assim, ainda é possível reviver por alguns instantes o que nos marcou: alguns sentimentos estarão aqui com a gente para sempre.

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