A modelo do scarpin

Tempos Crônicos
3 min readMay 23, 2024

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por Silvia Argenta

Imagem: Tanara (foto)

Ari Gasparetto passava o dedo na tela do celular quando viu a foto de uma jovem que acabara de calçar um scarpin. “É ela!”, pensou animado. Eles não se conheciam. Mesmo assim, comentou a publicação no impulso:

-Oi, @pattycavalcante. Quero te contratar. Pago 300 reais.

Meia hora depois, ela respondeu no privado:

-Que tu quer, cara? Se vacilar, é block.

-Não, calma. Tudo bem? Preciso de uma mulher bonita como você pra promover meu negócio. Quero fazer um vídeo para uma propaganda.

-Que tipo de vídeo, Ari?

-Vídeo institucional de uns quinze segundos para divulgar meu trabalho. É bem rapidinho.

-Você não vai me falar qual é teu trabalho?

-Sou do ramo calçadista. O scarpin me passou a impressão de que você é uma pessoa fina e elegante. É disso que preciso. Não aguento mais sapatos masculinos. Quero mudar o público-alvo.

-Tá certo. Deposita metade na minha conta que a gente pode começar a conversar.

Ela duvidou da proposta, afinal todos os dias recebia mensagens de homens pela internet. Devia ser só mais um podólatra babão. No entanto, Ari fez a transferência do valor total e logo depois combinaram o dia e lugar para gravar a propaganda. Era pouco dinheiro, mas a ajudaria a pagar as contas e poderia ser uma oportunidade de aparecer para, quem sabe, conseguir outros trabalhos depois. Checou o perfil dele e descobriu que era de meia-idade. Só havia duas fotos: uma da comemoração do dia que saiu de uma cirurgia e outra da festa de aniversário. Não tinha nenhum post sobre a empresa dele. Fez um print, mandou para Jaque e informou o endereço onde seria o trabalho. Caso ela sumisse, a amiga teria pistas para encontrá-la.

Quando chegou o dia combinado, Patty e Ari se conheceram pessoalmente. Sem experiência na carreira de modelo, ela não fez todas as perguntas necessárias antes de fechar o negócio. Na garagem da casa dele, um celular estava apoiado em cima da mesa de plástico, voltado para a parede onde tinha uma cadeira de madeira sem estofamento algum. Não tem equipe de produção? Ele olhou os pés dela, supôs que um 37 caberia e deu a ela um sapato preto com rachaduras no couro e cheiro de usado. Não chegava a ser chulé, mas exalava um odor de suor seco. Além disso, não tinha nada a ver com a elegância do scarpin. Nem bonito era. Cadê o figurinista? Ela calçou e se sentou. Sentiu o joanete espremido no calçado cafona de fivela dourada. Devia ser peça de brechó de quinta. Não havia luzes especiais. A iluminação era natural e o cenário se restringia apenas à parede branca e à cadeira. Também não teve ensaio. Sem explicar nada, ele apertou o botão de gravar, puxou uma caixa, abriu uma gaveta de onde tirou um pano, apoiou o pé dela num suporte e começou a engraxar.

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