Terror como potência: entrevista com Xavier Aldana Reyes

Teorizadah
5 min readJun 28, 2020

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Por Amerian Aurich e Julia Souza

Xavier Aldana Reyes é doutor em Literatura Inglesa pela Lancaster University e mestre em Literatura Moderna e Contemporânea pelo Birkbeck College da Universidade de Londres. Atua como professor da Universidade Metropolitana de Manchester. É especialista em filmes, ficções góticas e de terror, os seus interesses de pesquisa estão relacionados às teorias do cinema e às teorias crítica e contemporânea do pós-guerra. Reyes é fundador do Centro de Estudos Góticos de Manchester, cujo objetivo é promover e divulgar o conhecimento do gótico por meio de pesquisas, aulas e eventos para a comunidade acadêmica nacional e internacional.

TEORIZADAH: Ao longo de sua carreira acadêmica foram realizados diversos estudos focados no audiovisual. Quais as principais metodologias utilizadas na análise de imagem em movimento desses projetos e de que forma elas se relacionam com as perspectivas teóricas?

XAVIER ALDANA REYES: Eu ensino Teoria Fílmica para estudantes do segundo ano na Universidade Metropolitana de Manchester, e eu sempre achei difícil de separar metodologias para o estudo de filmes porque todos estão relacionados. Por exemplo, abordagens feministas a filmes — como o trabalho de Laura Mulvey — por vezes dependem de outras teorias mais abrangentes (como psicanálise, ou Marxismo). Pessoalmente, tenho a tendência a dar preferência a abordagens experimentais que se baseiam na percepção humana, na geração de certas emoções, e domínio somático (como o filme afeta nossos corpos diretamente). Normalmente eu agrupo tais teorias sob o título de Estudos de Efeito, mas creio que poderiam igualmente serem chamados de Estudos Corporais ou algo similar. Estudos de Efeito contam com cognitivismo, fenomenologia, neurociência, além de outras disciplinas relacionadas e referenciais teóricos os quais nos auxiliam a entender como nossos cérebros e sentidos operam. Por esse motivo, também tenho muito interesse em estéticas e forma do filme, a aparência de filmes — como são editados para o ter o máximo de impacto, por exemplo. Minha principal preocupação tem sido me distanciar de teorias sobre terror que apenas ressaltam representação ou utilizam possíveis leituras de sexualidade reprimida ou trauma. Essas foram, e ainda são, necessárias para nossa conceptualização do cinema, mas estamos vivendo um período em que participação e pesquisa empírica estão rapidamente ganhando território crítico.

TEORIZADAH: Em alguns de seus trabalhos você trata a respeito do cinema de horror na era digital e aborda (de forma crítica) a questão do impacto e dos perigos das novas tecnologias digitais e visuais. Você acredita que a tecnocultura é capaz de influenciar não apenas a criação de produtos audiovisuais, como também a percepção/recepção do público? Por quê?

XAVIER ALDANA REYES: Eu acredito que o processo vai nos dois sentidos. É definitivamente o caso de filmes de terror found footage que sucederam o 11/9, como Cloverfield (2008), os quais foram influenciados por vídeos de filmadoras que multidões filmaram durante os ataques, e chegaram a nós por meio de canais de notícias, relatos, e eventualmente documentários. Parece para mim também que o crescimento do número de filmes de terror que utilizam aplicativos de telecomunicação ou transmissão — como Vlog (2008) e Amizade Desfeita (2014) — foram definitivamente influenciados pela revolução das mídias sociais. O diálogo é real, e a estética e fórmulas do terror encontram seu caminho até a opinião do público. A brincadeira do Desafio da Momo em 2018 tinha todos os componentes de uma lenda urbana gótica, e o recente relato da pandemia do Coronavírus definitivamente transparece o efeito de anos e anos de filmes premeditando o apocalipse zumbi. Não estou sugerindo que tal relação entre meio e gênero seja prejudicial, apenas que é inquestionável.

TEORIZADAH: Em um dos seus artigos, você fala sobre a influência do 11/9 dentro do gênero do terror, manifestando-se por meio de imagens mais gráficas de tortura e crueldade, bem como uma fotografia que se utiliza mais de câmera na mão e imagens de vigilância. Considerando o impacto que isso trouxe nas produções do gênero na época, e como refletia o comportamento da sociedade, de que forma você acha que as produções de terror atuais — Midsommar, Get Out, It Follows — conversam em termos de narrativa e estética com nossa sociedade atual?

XAVIER ALDANA REYES: Eu não sou o primeiro a notar a influência estética da era do terrorismo como, por exemplo, no ciclo de tortura inadvertido iniciado por Jogos Mortais (2004) e O Albergue (2005); muitos críticos escreveram sobre a virada no ínicio do século XXI para uma estética de vigilância, especialmente com gravações em câmeras de circuito fechado, serem marcadas por um profundo medo do terrorismo. Os filmes que você mencionou são todos bem diferentes — Midsommar (2019) é uma grande revisão folk feminista de O Homem de Palha (1973), Corra! (2017) é o melhor exemplo de terror negro até agora, e Corrente do Mal (2014) é, pelo menos em parte, um retorno deliberado aos filmes de horror dos anos 1980. Isso significa que cada um deles pertence a uma tradição diferente dentro do gênero de terror, e provavelmente deveriam ser considerados separadamente. Entretanto, se tivesse que falar sobre eles de forma coletiva, eu provavelmente sugeriria que o que os aproxima seria o desejo por avançar os limites do horror para novos territórios, enquanto reconhecendo o peso dos filmes que os antecederam. Todos nós já sabemos das regras, então subvertê-las, e enquanto possível, dizer algo que é específico ao presente do espectador (e que pode estar de acordo com o crescimento de políticas de identidade, feminismo, consciência da fluidez da sexualidade, discriminação) se tornou necessário para o terror evitar se tornar retrógrado, ou ainda pior, um retrocesso nostálgico. Parece que estamos passando por um período onde o terror está sendo, pelo menos jornalisticamente, novamente apreciado como potencial artístico. Eu não necessariamente sou adepto a qualquer ideia de ‘terror elevado’, mas eu aprecio filmes como It — Capítulo 2 (2019), e séries como Stranger Things (2016-) fazendo manchetes e chamando a atenção, assim como diretores como Ari Aster, Jordan Peele ou Robert Eggers tendo os créditos que merecem. Para mim, terror é o mais interessante dos gêneros e o mais honesto: reflete para nós ansiedades pessoais e coletivas

TEORIZADAH: Como você percebe os estudos do gênero de terror e gótico auxiliarem na compreensão de teorias do meio comunicacional? De que forma estudos góticos enriquecem o campo da Comunicação?

XAVIER ALDANA REYES: Conforme a pandemia do Coronavírus nos mostrou, nos amparamos no discurso do terror para comunicar crises: o medo foi utilizado para vender jornais, remetendo agora a visitas em websites e ‘cliques’ compulsivos. Eu já falei anteriormente sobre como, para mim, a informação da pandemia parece às vezes com estar preso em um filme de zumbis. Houve outros momentos em que senti como se já tivesse visto essa pandemia antes, em filmes como Contágio (2011). Nós aprendemos bastante a partir desses filmes, não apenas sobre como o pânico é tão infeccioso como os vírus em si. Eles nos ensinaram a reconhecer a funcionalidade dessa retórica. O horror prospera com a tensão, mas está interessado também em desafiar a natureza evidente em si do status quo (especialmente a eficiência de certos corpos políticos), e fazer perguntas sobre reconstrução: o que construímos de volta e por quê? Parece para mim que séries como The Walking Dead (2010-) são basicamente sobre comunicação humana — como podemos falar de forma eficiente uns com os outros, e como administramos medo e situações inesperadas que excedem nossa experiência?

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