O que eu gostaria de deixar registrado de uma vez.

Sobre bipolaridade, suicídio, depressão. Como ajudar? Como ME ajudar?

Thaíssa.
9 min readJun 18, 2018

De algum modo eu necessitei fazer esse registro novamente, já falei de forma breve por aqui. As últimas semanas tem sido especialmente difíceis e eu quero tentar escrever como eu me sinto não como um modo de deixar uma carta caso eu ainda volte a pensar em cometer suicídio novamente, mas como forma de organizar meus pensamentos e de pedir ajuda, se possível.

Meu nome é Thaíssa Soncin Queiróz (hey, Tha!) e eu sofro de transtorno bipolar (depressão-maníaca), é comum deslegitimarem a doença como julgamento de uma pessoa que não sabe bem o que quer, que muda de opinião o tempo todo e afins.
Doenças mentais são subjulgadas sempre, não são vistas como doenças e sim como frescura, coisa de gente doida ou até mesmo a falta de Deus (como se religião curasse doença mental, vide o caso do padre Marcelo Rossi). Levei muitos anos mesmo indo a neuro-psiquiatra desde criança pra receber o diagnóstico de bipolar e conforme meus sintomas e exames de sangue pra verificar a produção natural de lítio do meu corpo, foi observado que meu corpo produz pouco da substância, o que contribui pro agravamento dos sintomas (existem contradições acadêmicas sobre isso, mas não vou me aprofundar, tudo bem?).
Esses dias pesquisando, descobri que o transtorno bipolar é responsável por muitos suicídios, no Brasil tem em média 4.2 milhões de pessoas diagnosticadas com a doença.

Eu tenho me sentido vazia, como se meu corpo fosse só uma casca e totalmente oca por dentro. É como se nada meu tivesse valor, a autoestima super baixa e não tem nada que a faça levantar, nem um elogio, nem um carinho, nada. Eu simplesmente não acredito que tenho alguma relevância no mundo, como se existir aqui não tivesse a menor importância e que de algumas formas não estar aqui também pudesse trazer um alento a algumas pessoas que vivem chateadas comigo.
Eu confesso que não gostaria de sobreviver a mais crises, eu só penso que quero ir embora e que minha próxima tentativa de me manter longe funcione. Mas sei que por algum motivo, eu infelizmente vou sobreviver e não sei se espero que isso aconteça, não sei até quando eu tenho forças pra continuar resistindo.
Todas as partes do meu corpo doem, a minha alma chora, jorra sangue, é tipo uma hemorragia interna, um colapso total.

Ninguém vê, claro.
Eu vou escondendo tudo que eu sinto até onde posso com receio de estar incomodando, falando demais e tomando o tempo das outras pessoas. Mas eu sinto um impulso latente de ir, abraçar o nada, matar com essa dor que eu sinto.

Só que nem sempre dá pra esconder.
Chega o dia que você não sai da cama, não consegue ir trabalhar, falar com quem mora com você já é um sacrifício.
Não toma banho, não bebe água, não come, não dorme, não lava o cabelo, deixa de fazer as coisas que normalmente gosta. Abandona paixões, fica inerte diante da vida e infelizmente algumas pessoas vão acabar percebendo.
Digo infelizmente porque a maioria das pessoas não sabe lidar com transtornos mentais.
Elas vão tentar fazer você sair, arrumar mil ocupações com o objetivo único de fazer com que você se distraia e não vai funcionar, vão insistir pra que você se esforce (seja lá o que isso for), vão exigir coisas que você naturalmente já se pune e muito por não conseguir fazer.

O pode se caracterizar por fases de mania(ou euforia), intercaladas com fases depressivas. A duração de cada uma delas pode ser de dois dias, ou mesmo semanas, não tem uma data pra começar e outra pra acabar. Eu, sendo bipolar, sinto que nunca vou ser amada nem pelos meus pais, amigos, de forma amorosa, eu não sou interessante pra ninguém.
Eu em fase depressiva choro por muitos dias, e quando sinto que não consigo mais colocar o desespero pra fora em forma de choro, eu fico apática. Porque tudo dói demais. A depressão pode te fazer ficar acordado 3 dias, ou dormindo. Ela não tá nem aí para você e como se sente. Esse é justamente o trabalho dela: virar sua cabeça ao contrário.
Tem dias que eu só penso que ceder a morte seria mais fácil, poria um fim nos sentimentos ruins e de me sentir completamente inútil.
Nos dias de crise eu vou me colocar em situações de risco de forma constante e inconsciente: atravesso a rua no meio dos carros sem olhar antes, quase caio da plataforma de metrô esperando ele chegar, coisas do tipo, nada me importa mesmo, eu desisti de mim.

A fase da euforia/mania, eu vou contar como funciona pra mim.
Eu fico agitada e querendo fazer mil coisas ao mesmo tempo. Eu tenho idéias incríveis e me apaixono profundamente por elas. Ler muitos textos e aprender mil coisas diferentes, conhecer pessoas diferentes, muito sexo, muita bebida, tudo que possa me tirar da realidade.
E ah, a compulsão por compras!
Eu mesmo ganhando bem vivia endividada e meu dinheiro ia embora com coisas inúteis e depois me pegava pensando em como tinha gastado, nunca sabia explicar o motivo. Pesquisando, descobri que é comum pessoas bipolares viverem endividadas, porque comprar causa prazer imediato e é essa necessidade que eu tento suprir.

Aí que mora a armadilha! Eu acho que estou ótima nessa fase, não preciso de mais nada afinal de contas tô vivendo, aprendendo coisas e a pegadinha mora aí porque penso que não preciso de mais tratamento, ledo engano.

Quase sempre eu fico muitíssimo agressiva e irritada, é a depressão. Eu não consigo distinguir racionalmente meus comportamentos seria uma ótima forma de me preservar, mas sozinha eu não consigo.

Justo pelas pessoas não entenderem e ter todo esse preconceito social em torno das doenças mentais que a gente se sente cada vez mais sozinho.

EU QUERO AJUDAR VOCÊ, EU QUERO AJUDAR OUTRAS PESSOAS.

Como já falei é difícil. A maioria das pessoas pensa em reviverem situações próprias na tentativa de ajudar, ou coisas que possam vir a ser motivacionais, mas como falei, não funciona, só faz com que a gente se sinta pior.
É um momento que não é de troca, mas de se doar.

Quando estou em crise, receber todo tipo de carinho é válido.
Desde que seja um elogio bobo, um abraço bem apertado e o principal: me ouvir.
Tudo que eu quero e preciso é falar e por pra fora tudo que tô sentindo por mais que isso vá me doer (sempre acho que se ouvir falando é constatar de fato o que tá acontecendo e não empurrar mais os sentimentos pra de baixo do tapete), mas ajuda no processo de melhora.

Não ignorar por mais que seja repetitivo quando digo que vou me matar, que quero sumir já é de grande valia. Se você estiver comigo ou falando comigo e não tiver o que dizer (que obviamente vai acontecer) não diga NADA. Me faça companhia, me abraça, me beija, fica junto.

Deixa eu dizer que tá doendo até que eu me canse de dizer.

Mas eu sei bem que as pessoas se cansam e elas também não saberem lidar eu vou ativando diversos gatilhos e o principal deles é desistir de falar, eu desacredito de tudo. Então repito, se estiver comigo diz que está, fica perto porque mais do que nunca eu preciso de você.

Porque nesses momentos eu sinto que jamais posso ser amada, então é vital receber amor e carinho. É cruel o que a mente faz pra me convencer de que ninguém me ama ou me considera.

É tão pesado, que por isso eu acho de uma irresponsabilidade imensa quando as campanhas de setembro amarelo começam com todo mundo postando no Twitter/Facebook que está com as mensagens abertas pra quem precisar desabafar. Na teoria, é lindo pra cacete! Imagina todo mundo se ajudando? Se organizar direitinho ninguém fica deprimido, certo? Errado.

A pergunta que você deve se fazer antes de tomar essa iniciativa é: você está preparado? É um processo pesado, tem que ter muita disposição e muito amor pra dar. Deixa pra quem vier até você pedir ajuda! É o momento apenas de ouvir e não aconselhar, não tenta se disponibilizar pra todo mundo isso é impossível porque é difícil de aguentar. Olha pras pessoas mais próximas, pensa se tem alguém precisando do seu olhar carinhoso e da sua ajuda. Isso já faz toda diferença!

MEDICAÇÃO E TERAPIA

Acho que entramos numa das partes mais tensas da minha rotina.

Eu nem vou entrar nas discussões sobre o quanto a indústria farmacêutica pode ser nociva, corrompida e que busca o lucro em cima das doenças das pessoas. Mas infelizmente, é graças aos remédios que muitas vezes eu consigo controlar crises e fazer coisas que são normais.

Eu sei que você vê alguém que se entope de remédios como eu e quer dar um conselho, recomendar outras coisas ou maconha (alguma hora eu falo mais sobre isso).
Saiba, pra mim não é tranquilo tomar o tanto de remédios que eu tomo. Por vezes eu olho aquela quantidade assustadora de comprimidos e reflito o quão mal eu estou por precisar de todos eles.

Tem dias que eu olho meu organizador de remédios (sim, eu tenho que ter um se não me perco nas dosagens e horários) e não consigo tomar, choro, me sinto uma merda por precisar de tanta droga. Procurar ajuda psiquiátrica e terapia foi tão difícil que em crise quem me tirou da cama e me levou ao médico foram outras pessoas, eu não consegui e nem sei se por conta própria em plena crise eu consigo ir.

Terapia dói.
Você vai mexer dentro dela com seus receios, defeitos, medos, violências, coisas que fizeram contra você, fatos que você não consegue lidar.
E é o que falei anteriormente, me ouvir falando é um processo doloroso, onde eu externalizo tudo e paro de estar na zona de conforto de jogar meus sentimentos em lugares obscuros onde ninguém possa encontrá-los.
Tem dias que eu simplesmente tenho medo de ir pra terapia porque o processo de se descobrir, aceitar as coisas, tentar contornar outras dói.
Lógico que terapia é uma coisa boa, mas até chegar nesse ponto ela não vai ser e o processo da melhora é bem esse mesmo, doer pra depois cicatrizar.

Mas é necessário buscar ajuda.

Sem os remédios, sem a terapia eu tenho certeza que não teria sobrevivido a muitas crises que tive. Elas me impulsionam a continuar existindo, por vezes.

Eu sei que é pesado pra quem está perto, eu tenho completa noção disso.

Isso tudo me leva ao ponto de que: eu não sou por inteiro a minha doença, ou as minhas doenças no caso, eu sou a Thaíssa.
Eu sou uma pessoa e apesar das fases de depressão e manias eu sou feminista, sou UX Product, sou bibliotecária. Manjo de redes sociais e todos os paranauês pra ser uma exímia FBI, gosto de organização e fluxo da informação, gosto de categorizações, classificações, indexação. Gosto de maquiagem, cosméticos e coisas de beleza! Cuidar da pele, brincar com as cores apenas com a intenção de realçar minha beleza natural.Gosto de beber (uma cachacinha de vez em quando, a médica autorizou desde que não abuse), eu gosto de dançar, gosto de conversar, tenho pavor de computador ou celular desorganizados. Gosto de ler, ouço mpb o tempo todo e sou fã de carteirinha da Elza Soares.
E por mais estranho que possa parecer, eu sou apaixonada de verdade pela pessoa que eu sou, cada dobrinha, cada marquinha de cicatriz pelo corpo, estrias, celulite, eu amo tudo!

É PRECISO FALAR!

Não falar sobre doenças mentais ou suicídio é o que torna o processo mais complicado. Já saíram estudos afirmando que falar sobre suicídio ajuda muito a pessoa que está prestes a cometer o ato, voltar atrás. Falar sobre suicídio não vai fazer com que todo mundo compreenda, mas é útil. É tornar o caminho de quem precisa de ajuda um pouco mais fácil. Nada que garanta, mas vale tentar ;)

Obrigada a você que leu até aqui.

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Thaíssa.

Penso e escrevo absurdez. Bibliotecária, UX Writing/Researcher, Taurina e Completamente ruim da cabeça.