5 passos para educar crianças sem estereótipos de gênero
Há 5 meses meus sobrinhos nasceram e me tornei tia. Que experiência incrível! Gêmeos: um menino e uma menina. Junto a isso, vários aprendizados, mas descobri também que muito daquilo que a gente “aprende” na teoria não rola na hora da prática [isso que eu sou ‘só’ a tia].
Dia desses eles estavam em casa e meu irmão disse que iria furar a orelha dela. Respirei fundo pra não polemizar — afinal, não são meus filhos, mas não foi fácil digerir. Levei aquilo comigo e conversei com algumas outras mães que convivo no meu dia a dia e perguntei o que elas achavam de furar a orelha de um bebê com poucos dias de vida. Entre as respostas, ouvi:
“É mais fácil. Já fura quando é bem pequena que depois ela não sofre com isso.”
“Ela não vai nem lembrar da dor.”
“Toda menina tem orelha furada. Melhor fazer bem cedo.”
“É pra diferenciar ela de um menino.”
Essas respostas me marcaram muito e me fizeram refletir sobre o que estamos fazendo com as crianças.
Desde que nascemos somos bombardeados com imposições e estereotipações, principalmente de gênero. Esse tratamento entre meninos e meninas tem um efeito poderoso na criança — pois é por meio dele que ela percebe o que deve fazer e como agir para se conformar e se encaixar no gênero masculino ou no feminino. Essa doutrinação começa com as cores dos enxovais, nos brinquedos, nos filmes, nos brincos, e por aí vai.
Enquanto meninos brincam de carrinho, com jogos de aventura e construção, meninas são introduzidas aos cuidados: da casa, com panelas e utensílios domésticos rosa e dos filhos, com bonecas loiras, magras e esbeltas.
Não que meninas não tenham ou não possam brincar de casinha. Muito pelo contrário. Mas por que os meninos não podem brincar de casinha junto delas? Ou melhor, por que também não ganham de presente utensílios de cozinha?
Essa desigualdade de gênero ganha força quando, na escola, as crianças são divididas entre “fila dos meninos e fila das meninas”; quando a letra, o esmero e capricho das meninas são sempre enaltecidos e elogiados, enquanto os meninos são os ‘reis da quadra’; quando elas são sempre chamadas para organizar e limpar a sala e eles para resolver os cálculos matemáticos. Está assustadoramente presente no “senta que nem mocinha” e no “menino não chora”. Parecem coisas mínimas, mas acontece em todo o lugar, a todo o momento.
Equidade de gênero ainda é um grande tabu, principalmente nas escolas e na educação de crianças, no geral. Não é mesmo assunto fácil a ser debatido.
Percebo que ainda há grande resistência por parte dos educadores em discutir o tema. Escuto que:
“Os pais não vão gostar”
“Vão pensar que estamos doutrinando as crianças”
“Vão pensar que estamos induzindo os filhos a serem gays”
Mas será que eles sabem o que é falar de equidade de gênero?
Como falar com crianças sobre o que é imaterial?
Conversar sobre assuntos não tão concretos com crianças pequenas nem sempre é tarefa fácil, então listei aqui 5 coisas que podem facilitar o processo para quem ainda se assusta com o tema. Sei que o assunto é extenso e tem muitas variáveis, mas é importante desmistificar:
1 — É preciso educar o adulto antes de educar a criança
Como queremos educar alguém ou facilitar o processo de uma aprendizagem autônoma e livre se nós mesmos não nos comportamos de forma coerente? Parece óbvio, mas não é.
As crianças se espelham muito nas atitudes que veem ao redor. Elas observam, absorvem e reproduzem muitos dos discursos do adulto. Trabalhar a desconstrução de padrões é garantir que elas cresçam em segurança para exercerem sua individualidade, livres de preconceito, violência e confiantes para ser o que quiserem — como quiserem.
Então, paremos já com a “princesação” das meninas e com a imposição de uma “feminilidade natural”. O papo de “isso não é coisa de menina”; “senta que nem mocinha”; “menina não fala essas coisas”; “azul é cor de menino” só piora as coisas. Liberte as garotas dessa prisão mudando a forma como você se dirige a elas.
Os meninos também sofrem com isso: “isso não é brincadeira de menino”; “engole o choro”; “rosa é cor de menina”; “você tem que ser forte, já é um homenzinho”; “boneca é coisa de menina” e enfim, essas e outras coisas que ouve-se o tempo todo também afeta a forma como eles constroem sua identidade.
Elas podem gostar de super-heróis e eles podem gostar de princesas. Aceite isso. Troque a divisão por gêneros no “meninos desse lado e meninas daquele” por “quem nasceu no mês de janeiro desse lado”, ou “quem tem o nome que começa com a letra B”. Isso já é um começo.
2 — Você não precisa ser expert no assunto sexualidade e gênero
Já confrontei professores sobre o por quê deles não levarem a temática para dentro de sala de aula e foi quando descobri que, inocentemente, muitos deles preferem não abordar o tema por não dominar do que se trata.
Ninguém precisa ser especialista no assunto. O importante nessa fase é não reprimir os impulsos e vontades das crianças, além de não impor o que elas devem ou não fazer/brincar. Se quiser entender melhor sobre a diferença entre sexo, gênero e orientação sexual, a Carol Patrocínio falou um pouco disso nesse vídeo:
3 — Crie um ambiente saudável e amigável
Como educador, é importante criar um ambiente apropriado para essa interação, que abrace as diferenças — sem divisão e estereotipação. Estimule o brincar livre e a imaginação fornecendo diferentes materiais. Promova jogos de estratégia e criatividade.
Lembrando: não existe brinquedo para menina ou para menino! Brinquedos e brincadeiras são para crianças.
4 — Confie no poder do livro
O que seria de nós sem a sabedoria dos livros? Em todos os momentos que precisei trabalhar algum tema difícil com crianças, nada melhor do que histórias.
A lista é vasta. Tem os títulos que desconstroem núcleos familiares tradicionais, estereótipos de princesas e contos de fada; os que trazem a homossexualidade e as diferentes formas de se relacionar como temática central; os que falam de mulheres e seus grandes feitos na história e muitos outros. Dá uma olhada na lista que eu fiz aqui.
Uma leitura pode render boas rodas de conversa.
5 — Ensine meninas a ter coragem
Este ted é um dos meus favoritos sobre o assunto. Reshma Saujani é criadora da instituição Girls Who Code. Ela assumiu a tarefa de educar as jovens para assumir riscos e aprender a programar, duas habilidades que, de acordo com ela, as garotas precisam para fazer a sociedade avançar.
No vídeo, ela conta sua própria experiência e defende a ideia de que a sociedade educa as meninas para serem perfeitas em tudo o que fazem, desprezando sua coragem, criatividade e sua capacidade de lidar com falhas e imperfeições, o que as limita em várias atividades em que poderiam se destacar.
“Estamos criando as meninas para serem perfeitas, e os meninos para serem corajosos. Para inovar verdadeiramente, não podemos deixar para trás metade da nossa população. Eu preciso que cada um de vocês diga às jovens que conhecem para sentirem-se bem com a imperfeição”.
Ótimo para refletirmos! Pequenas ações fazem a diferença.
É preciso, mais do que nunca, educar as crianças para a liberdade.
[ Este texto foi escrito para a Comum, uma comunidade maravilhosa que acolhe e conecta mulheres ]