A de-volução do Amor : Será que a tecnologia está matando o amor romântico?

Thiago Holanda Dantas
vanitas
Published in
6 min readAug 10, 2018

A revolução trazida pela internet e os aplicativos para namoros modificaram completamente o que se tinha como amor romântico. Essa modificação passa pelos antigos mitos e estórias de amor, culminando, na época atual, sendo desconstruído pela tecnologia. A época contemporânea é fortemente influenciada pelo advento de novas tecnologias, como os computadores, a internet e os smartphones. Essas novas mídias transformaram o ser humano em sua forma de demonstrar afeto e buscar o amor, o qual acredita poder encontrar um par ideal através de um deslizar de dedos. Com essa facilidade e desprendimento, as relações amorosas, que antes eram iniciadas através da proximidade geográfica, amizade ou parentes, hoje têm sido ultrapassada pelo uso da internet.

Tomando como exemplo o Tinder, um dos mais famosos aplicativos para namoros, que atingiu a impressionante marca de 20 bilhões de matches, ou combinações de casais, fazendo cerca de 26 milhões de combinações por dia, dos seus 50 milhões de usuários[1]. Com esses dados, será que o que se chama de amor romântico foi impactado?

Para Justin Garcia, pesquisador do Institute for Research in Sex, Gender, and Reproduction, da Universidade de Indiana, uma mudança nunca vista esta em curso:

Houve duas grandes transições no acasalamento heterossexual “nos últimos quatro milhões de anos”, diz ele. “primeiro foi em torno de 10.000 a 15.000 anos atrás, na revolução agrícola, quando se tornou menos migratório e mais estável”, levando ao estabelecimento de casamento como um contrato cultural. “E a segunda grande transição é com o surgimento da Internet.[2]

Com a abundância de opções trazidas pela internet e os aplicativos para namoros online, acredita-se que há milhões de parceiros disponíveis para poder se relacionar, levando-o a não ter nenhum outro ser como prioridade ou peso para que possa estar “amarrado”, isso se traduz em relacionamentos de curto-prazo, de acordo com David Buss:

Aplicativos como Tinder e OkCupid dão às pessoas a impressão de que existem milhares ou milhões de potenciais companheiros lá fora,(…) Uma dimensão disto é o impacto que tem sobre a psicologia dos homens. Quando há um excesso de mulheres, ou um excedente percebido de mulheres, todo o sistema de acasalamento tende a mudar em direção a namoros de curto prazo. Casamentos tornaram-se instáveis. Divórcios aumentam. Os homens não têm de se comprometer, então eles perseguem uma estratégia de acasalamento de curto prazo. Os homens estão fazendo essa mudança, e as mulheres são forçadas a ir junto com eles, a fim de combinar em tudo.[3]

SCOTT POLLACK: LOVE & TECH — 2011

Essa suposta ilusão de ter parceiro(a)s quase infinitos, tem tornado os relacionamentos amorosos descartáveis, não sendo necessário uma troca de conversa “física” para que se tenha algum tipo de intimidade sexual. Os seres conectam-se e desconectam-se com a mesma facilidade de seus “pares” eletrônicos, assim revela a página oficial do Tinder dizendo: “Deslizar. Combinar. Conversar. Encontrar. Usar o Tinder é fácil e divertido — deslize para a direita para gostar de alguém, deslize para a esquerda para passar. Se alguém gosta de você de volta, é um match!”[4]. O site de namoros, coloca a combinação entre casais, como match, que tem o duplo significado na língua inglesa de combinação e uma partida ou jogo. Então, a dinâmica do aplicativo de namoro é ao mesmo tempo realizar um encontro romântico e também um jogo amoroso.

Outra questão surge: será que a busca pelo par perfeito se transformou em apenas um jogo, simples como deslizar para esquerda para rejeitar alguém e para a direita para aceitar? A descrição do aplicativo continua:

Inventamos o double opt-in para que duas pessoas somente combinem quando houver interesse mútuo. Sem estresse. Nenhuma rejeição. Basta deslizar, combinar e conversar online com os seus pares, depois afastar-se do seu celular, encontrar-se no mundo real e lançar-se em algo novo.[5]

Além de ter transformado o encontro amoroso em um jogo, aplicativos de namoro como Tinder, prometem o melhor dos mundos para os seres contemporâneos, encontros sem estresse ou rejeição, sem qualquer tipo de comprometimento ou algo que frustrará o indivíduo. Ele promete resolver o problema de intimidade, sem intimidade. Toda a dinâmica ocorre no mundo virtual, para, se houver interesse de ambas as partes, esse “relacionamento” parta para o mundo real. Gerando alguns problemas que tentaremos observar.

Existem opiniões contrarias em relação a essa influência, por exemplo, a socióloga Eva Illouz, autora de Why Love Hurts (Por que o amor fere, sem publicação no Brasil), que aborda o tema do amor na pós-modernidade, e da influência da internet e do capitalismo nos relacionamento afirmou em entrevista ao jornal britânico The Guardian, que,

Nossa cultura capitalista consumista mudou a face de nossos relacionamentos, tornando-os irreconhecíveis. A crescente opção de namoros na Internet encorajou as pessoas a agir como “compradoras”, exigindo, comparando alternativas, constantemente tentando conseguir um negócio melhor e matando o instinto visceral e o acaso que sempre ajudaram os seres humanos a encontrar um(a) parceiro(a). Os homens adquiriram fobia a compromissos porque a ascensão do capitalismo os incentivou a ser autônomos e egocêntricos.[6]

Segundo a autora, esses relacionamentos marcados pelo consumismo capitalista, a internet e principalmente a noção de varias opções de parceiros, produzem sofrimento, ao invés de felicidade. É esse modelo da sociedade tecno-capitalista de consumo, que faz com que aplicativos como Tinder e outros sejam tão populares atualmente.

Por outro lado, o filósofo Byung-Chul Han, tem uma ideia diferente de Illouz:

Nos últimos tempos tem-se propalado o fim do amor. Hoje, o amor estaria desaparecendo por causa da infinita liberdade de escolha, da multiplicidade de opções e da coerção de otimização. Num mundo de possibilidades ilimitadas, o amor não tem vez. Acusa-se também o arrefecimento da paixão. Cuja causa, segundo Eva Illouz, em seu livro Warum Liebe weh tut (Por que o amor machuca), reside na racionalização do amor e na ampliação da tecnologia da escolha. Mas essas teorias sociológicas do amor não percebem que, hoje, está em curso algo que sufoca essencialmente o amor, bem mais do que a liberdade infinda ou as possibilidades ilimitadas. Não é apenas a oferta de outros outros que contribui para a crise do amor, mas a erosão do Outro, que por ora ocorre em todos os âmbitos da vida e caminha cada vez mais de mãos dadas com a narcisificação do si-mesmo.[7]

Para Han, não são as tecnologias que fizeram com que o amor romântico desaparecesse, mas sim, o desaparecimento do outro, tornando-se uma espécie de mercadoria. Há para Han um fenômeno narcísico, que está “engolindo” o outro ser, constituindo um relacionamento consigo mesmo. Não mais como um atópico, pois, o lugar que se dá o amor é o não-lugar, lá é onde o amor surge, onde o outro é mistério: ”Sócrates enquanto amante, chama-a de atopos. O outro que eu desejo (begehre) e me fascina é sem-lugar.”[8] É na negatividade do outro que o amor pode revelar-se e não na sua superexposição. Quando isso ocorre, ao invés de amor romântico, o amor torna-se pornográfico, pois: “O capitalismo acentua a pornografização da sociedade, expondo tudo como mercadoria e votando-o à hipervisibilidade. O que se busca é a otimização do valor expositivo, sendo que o capitalismo não conhece nenhum outro uso da sexualidade”[9]. A instantaneidade do outro e sua exposição, não torna-se romântica, mas sim, pornográfica, uma relação “desejo-olho”, objetiva, sem espaço para que o outro seja distinto do ser narcisista.

Desta maneira, tanto de pontos de vista psicológico, filosófico, tecnológico ou até pelo consumo capitalista, o que têm se observado é um enfraquecimento do amor romântico na contemporaneidade, acarretando uma banalização das relações, tornando-se mero troca e descarte cada vez mais de forma acelerada e descompromissada.

Esse texto continua, se você gostou comente e de uma salva de palmas ai em baixo, pra eu saber se o tema é de interesse de vocês!!

BIOGRAFIA:

[1] Cf. Estatísticas do aplicativo Tinder. Disponível Em: < http://expandedramblings.com/index.php/tinder-statistics/> acesso em 6 jun. 18

[2] SALES,Nancy Jo. Tinder and the Dawn of the “Dating Apocalypse.<http://www.vanityfair.com/culture/2015/08/tinder-hook-up-culture-end-of-dating> Acesso em 9 ago. 2018

[3] Ibid

[4] <https://www.help.tinder.com/hc/en-us/articles/115004647686-What-is-Tinder-> acesso em 6 jun.18

[5] Ibid

[6] <https://www.cartacapital.com.br/cultura/o-amor-fere-mais-que-nunca-culpe-a-internet-e-o-capitalismo> acesso em: 07 jun.18

[7] HAN, Byung-Chul. Agonia do Eros. Petrópolis: Vozes, 2017, pp.7–8

[8]HAN, 2017.p.8

[9] HAN, Byung-Chul. Sociedade da Transparência. Petrópolis: Vozes, 2015.p.59

--

--

Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2