Amor como antídoto para a depressão

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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10 min readJun 14, 2019
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O segredo é ter um coração em chamas

Falar de amor pode virar um tipo de cliché como falar que “o amor vence o mal”,ou “só o amor constrói” e frases parecidas, o amor já foi cantado e contado em verso e prosa. Mas para falar dele, é preciso enfrentar um sério problema — O problema da linguagem. A palavra amor é usada para expressar sentimentos totalmente diferentes. Usamos a mesma palavra, para nos referirmos ao amor sexual, ao amor entre irmãos, ao amor à carreira, ao amor a Deus etc. Mas os gregos (sempre os gregos) eram mais criativos e tinham solução pra isso. O grego antigo tem quatro palavras distintas para o amor: agápe, éros, philía e storgē, mas vamos nos ater as duas formas que mais parecem estar totalmente opostas: Eros e Ágape.

EROS — AMOR DESENFREADO

Eros Statue At Piccadilly Circus Picture

Eros era o deus grego do amor, e foi associado ao desejo apaixonado e sexual. Como conceito filosófico foi explorado por Platão que o discute no Banquete e no Fedro. Sua principal característica é o desejo intenso permanente. Mesmo quando parece satisfeito, Eros continua a ter um “desejo de possuir”, mas esse desejo não pode ser confundido com amor puramente sensual, pois é o amor que tende ao sublime. Platão não fala de atração física como uma parte necessária de eros, daí o uso da expressão “platônico” quando queremos dizer que “não há atração física”. No Banquete, Platão argumentou que Eros ajuda a alma a recordar o conhecimento da beleza, para dar uma compreensão da verdade espiritual, e a “forma” ideal de beleza juvenil que leva os seres humanos a sentirem desejo erótico. Mesmo esse amor iniciando no mundo sensível, aspira ao plano espiritual não-corpóreo da existência; isto é, nesse movimento de busca, encontrará a verdade, levando à transcendência.[1]

ÁGAPE — AMOR SUBLIME

Ágape era usado em textos antigos para denotar sentimentos pelos filhos e os sentimentos por um cônjuge, e, portanto, o que é usado para se referir a um banquete de amor.[2] é a sublime forma de amor, pois abraça um amor universal e incondicional que transcende e persiste independentemente das circunstâncias.[3] Que vai além das emoções ao ponto de negar-se e buscar o que é melhor para os outros. Homero, traduziu literalmente como afeto, como em “saudar com carinho” e “demonstrar afeto pelos mortos”.[4]Outros autores antigos usaram formas da palavra para denotar amor de um cônjuge ou família, ou afeição por uma atividade particular, em contraste com Eros. Por essas características, Ágape foi usado pelos cristãos primitivos para expressar o amor incondicional de Deus por seus filhos.

Eros e Ágape, ficaram conhecidos como dois amores opostos. Um sublime e divino e o outro do desejo e carnal. Eros acabou sendo somente conhecido pela paixão sexual, mas como vimos, Eros anseia por algo superior e o desejo sexual é um subproduto. C.S. Lewis tenta desfazer essa confusão e absolver Eros. Ele diz que Eros é um amor descrito como incondicional e puro, mas ao mesmo tempo extremamente mortal e volúvel. A parte sexual desse amor, Lewis chama de “Vênus”.

“A diferença entre Vênus e Eros é bem clara. Vênus quer o que a outra pessoa tem para oferecer; principalmente prazer. O que Eros quer, porém, é a própria pessoa. Eros é um sentimento romântico que considera o prazer como um “subproduto”. É um amor que não quer nada em troca, mas talvez o mesmo tipo de amor. Não tem como objetivo a felicidade, prefere ter o amor da outra pessoa e ser infeliz na vida, em vez de não ter esse amor e ter tudo na vida. De outra perspectiva, é o próprio Eros que faz uma pessoa feliz, independentemente das consequências dela. Para uma pessoa verdadeiramente apaixonada, A dor das conseqüências desaparece diante do brilho ofuscante do amor”[5]

Esse amor Eros, que é intenso desejo, mas puro é confundido com Vênus, que é pura busca de prazer, “Desejo sexual sem Eros quer isso, a coisa em si; Eros quer a pessoa amada”[6]. Ou seja, Eros quer algo muito mais sublime do que apenas desejo sexual, sendo assim, Eros deve ser purificado de Vênus para alcançar esse algo mais, mas como seria isso possível?

Friedrich Nietzsche, o filósofo alemão que se auto intitulou como “ o anticristo”, é que faz uma das criticas à anulação de Eros no cristianismo: “O cristianismo perverteu a Eros, este não morreu, mas degenerou-se. Tornou-se vicio.”[7]. Para Nietzsche o cristianismo retirou de Eros sua vocação para o sublime, confundido-o com Vênus, e acabou lançando-o ao pecado. A crítica de Nietzsche, não é sem fundamento, pois, pelo visto essa não foi uma boa solução. Apesar das proibições e mandamentos, continuamos desejando e amando desregradamente. Então surge a pergunta: Será que a religião cristã, com todas suas regras e proibições, teria feito de Eros, algo pervertido no afã de purificá-lo de Vênus? E com isso, acabou matando-o tornado a propria fé sublime demais, retirando toda a satisfação e alegria da vida?

O que Platão chamava de Eros, o desejo nunca satisfeito, os antigos judeus descobriram antes. No livro de Gênesis, a palavra usada para o ser humano criado é nephesh, em tradução literal, garganta, o que revela que o problema é ontológico — somos uma garganta aberta sempre desejante. Fomos criados como uma garganta sedenta, que anceia a completude, mas não pode achá-la fora de seu criador. Pelo pecado, esse desejo se corrompeu, ficamos cegos e fizemos com que essa garganta tomasse todo o ser e virasse deus. Não mais o Deus Todo-poderoso que esta fora, mas um deus que mora no proprio ventre,que sempre está insatisfeito desejando tudo. Mas algumas pessoas encontraram solução para esse impasse.

Joseph Ratzinger, o antigo Papa Bento XVI, ataca a critica feita por Nietzsche sobre a condenação de Eros, Ratzinger explica que o problema de Eros é que está divorciado de Ágape, e para ele, a regeneração de Eros é sua busca por Ágape. Ágape é o único capaz de purificar e regenerar Eros.

No debate filosófico e teológico, estas distinções foram muitas vezes radicalizadas até ao ponto de as colocar em contraposição: tipicamente cristão seria o amor descendente, oblativo, ou seja, a ágape; ao invés, a cultura não cristã, especialmente a grega, caracterizar-se-ia pelo amor ascendente, ambicioso e possessivo, ou seja, pelo eros. Se se quisesse levar ao extremo esta antítese, a essência do cristianismo terminaria desarticulada das relações básicas e vitais da existência humana e constituiria um mundo independente, considerado talvez admirável, mas decididamente separado do conjunto da existência humana. Na realidade, eros e agape — amor ascendente e amor descendente — nunca se deixam separar completamente um do outro. Quanto mais os dois encontrarem a justa unidade, embora em distintas dimensões, na única realidade do amor, tanto mais se realiza a verdadeira natureza do amor em geral.[8]

O que Ratzinger mostra é que Eros e Ágape não estão em contraposição, porém, a força de Eros deve ser canalizada para Ágape. A solução para Ratzinger, não é uma negação de Eros ou dos desejos, mas sim entender que Eros se completa em Ágape. Ágape é o amor divino, ele é a completude, na qual Eros pode se aquietar. Agostinho mostra com sua prática de vida como purificar Eros em Ágape ou melhor dizendo, encontrar esse amor sublime na busca apaixonada por Deus.

Agostinho — Um homem com o coração em Chamas

S.Agostinho (354–430 d.C)

Agostinho conta nas confissões, sua autobiografia, como foi de uma vida de devassidão sexual para a conversão e transformação de sua vida. Agostinho é bem gráfico ao relatar sua vida pregressa e consegue ver o problema de sua devassidão e vida desregrada com uma unica razão - O amor desregulado. Agostinho diz que a maior causa de insatisfação são nossas afeições desordenadas e para que possamos atingir a felicidade é necessário a reordenação daquilo que amamos.Para Agostinho o amor está na constituição do ser humano,assim, toda existência humana, individual ou social, está, do princípio ao fim, tensionada, quando não dilacerada, entre dois amores — esses dois amores que fundaram duas Cidades: A cidade dos homens, sendo “o amor de si até ao desprezo de Deus”, e a cidade de Deus, “esta, o amor de Deus até ao desprezo de si” [9].

Ele ainda afirma: “Ainda não amava, mas já gostava de amar (…) Gostando do amor buscava o que amar”[10]. , ou seja, para Agostinho, tudo está fundado no amor, seja o amor egoísta ou o amor sublime, somos guiados pelo amor antes de todas as coisas, essa busca por amor egoísta ou sublime que nos complete é que nos faz entrar nessa eterna caçada.

Esse anseio por amor faz com que tentamos encontrá-lo no prazer sexual, nas conquistas profissionais, amizades e qualquer outra fonte. Entretanto, essa busca nunca é satisfeita. Essa procura incessante somente é satisfeita quando encontramos aquele de quem somos feitos e para o qual existimos, como explica Agostinho: “Todavia, o homem, partícula de tua criação, deseja louvar-te. Tu mesmo que incitas ao deleite no teu louvor, porque nos fizeste para ti, e nosso coração está inquieto enquanto não encontrar em ti descanso.[11]”

O que Agostinho propõe, não é um desprendimento dos desejos, uma proposta estoica ou como os epicuristas de fuga dos sofrimentos e paixões da vida. Pois, para o bispo de Hipona, o que gera nossos problemas não é amar demais, mas amar excessivamente a coisa errada. Ficamos prejudicados pois colocamos nosso amor e desejo naquilo que é passageiro. Em outra palavras, quando amo meus pais, mulher, filhos ou carreira, bens e projetos, mais do que a Deus, acabo os amando de uma forma errada e coloco sobre essas pessoas ou objetos um valor maior do que eles realmente têm. Tim Keller, explica como funciona essa mudança de foco do amor:

Você se prejudica quando ama alguma coisa mais do que a Deus. Como isso funciona? Se amar seus filhos mais do que ama a Deus, basicamente você deposita neles sua necessidade de sentido e segurança. Terá uma necessidade enorme de que sejam bem-sucedidos, felizes e que amem você. Isso ou os afastará ou os esmagará sob o peso das suas expectativas, porque serão a fonte máxima da sua felicidade, e nenhum ser humano é capaz de corresponder a tudo isso. Se em vez disso você amar seu cônjuge ou parceiro romântico mais do que a Deus, as mesmas coisas acontecem. Se amar seu trabalho ou profissão mais do que a Deus, necessariamente também os amará mais do que sua família, sua comunidade e sua própria saúde, e assim isso levará você ao colapso físico e relacional e, com frequência, como vimos acima, à injustiça social.[12]

Em suma, quando amo a Deus mais que todas essas coisas, os amo da melhor e mais correta maneira e não acabo frustrado por tentar retirar o que eles não podem dar.

Todos esses argumentos revelam que o cristianismo não acha Eros ruim,entretanto, ele se torna ruim quando ama e se entrega a coisa errada. Eros por seu impeto, não sabe que seu desejo é encontrar ágape, e tenta buscar em outros lugares esse amor pleno que somente o divino ágape pode oferecer. “Deus é absolutamente a fonte originária de todo o ser; mas este princípio criador de todas as coisas — o Logos, a razão primordial — é, ao mesmo tempo, um amante com toda a paixão de um verdadeiro amor. Deste modo, o eros é enobrecido ao máximo, mas simultaneamente tão purificado que se funde com a Ágape”[13]. Por isso Ágape deve ser o destino final da busca de eros. Eros divorciado de agape é somente desejo cego, Ágape sem eros, é o amor etéreo, longe da existência humana.

É nesse sentido, que Deus que amou o mundo de forma tão intensa a ponto de enviar seu filho como oferta de amor para a humanidade(Jo.3.16), convida aos homens a amarem-no “De todo coração, alma e forças”(Dt.6.4–5). Logo, Eros deve ser a resposta enfática, apaixonada e provocativa da humanidade ao presente do amor Ágape e incondicional de Deus por sua criação, na forma de seu filho Jesus. Ou seja, Eros, a força apaixonada humana, deve lançar esse desejo de encontrar o amor verdadeiro nos braços de Ágape, o sublime amor divino.

É por isso que nosso verdadeiro amor deve ser focalizado para Deus. Deus é o antídoto para essa busca incesante por aceitação e amor verdadeiro, Ele deve ser o foco pelo qual devemos viver. Como Agostinho nos mostra, um coração inflamado pelo criador é a solução de uma vida sem sentido, desregrada e de falsos amores.

BIBLIOGRAFIA

[1] PLATÃO, Diálogos. São Paulo: Nova Cultural, 1991 p.31–35

[2] “Greek Lexicon”. GreekBible.com. The Online Greek Bible.

[3] LIDELL, H. G. ;SCOTT,Robert. An Intermediate Greek-English Lexicon: Founded Upon the Seventh Edition of Liddell and Scott’s Greek-English Lexicon. Oxford:Benediction Classics.2010 p. 4

[4] ____________________________________A Lexicon Abridged from Liddell and Scott’s Greek-English Lexicon. Oxford : Clarendon Press,1901. p.6

[5] http://lewisandreflections.blogspot.com/2010/01/four-loves-eros.html

[6]LEWIS, C.S. Os quatro amores. Rio de Janeiro: Thomas Nelson,2017.p.128

[7] NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal.São Paulo: Hemus,2001. p.92

[8] RATIZINGER, Joseph. Carta encíclica Deus caritas est (25 de Dezembro 2005) em: http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20051225_deus-caritas-est.pdf

[9]AGOSTINHO, A Cidade de Deus,2, L. XIV, XXVIII

[10]__________, As confissões. Rio de Janeiro: Ediouro, 1993.p.55)

[11]Ibid.p.27

[12] KELLER, Timothy. Deus na era secular: como céticos podem encontrar sentido no cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 2018.p.122

[13] RATIZINGER. Ibid.

PARTE 2:

Outros textos sobre depressão e felicidade:

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Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2