Sentido como antídoto para depressão

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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8 min readOct 3, 2019

Você sabe para onde está indo?

Algo recorrente em qualquer conversa entre estranhos quando acontece uma tragédia é a pergunta: Para onde a humanidade está indo?

Esse questionamento surge quando alguma coisa fora do comum acontece e a aparente falta de sentido em eventos acaba nos perturbando. Quando nos deparamos com tantas tragédias, parece que a vida não faz sentido, e é formada por eventos aleatórios que têm na morte seu destino final.

A pergunta sobre o sentido em que a humanidade está caminhando, deveria ser feita a nós mesmos, pois a maioria das pessoas não sabe para qual direção estão indo, por isso, é necessário poder responder essa questão tão importante.

O ser humano sempre buscou um sentido maior para a existência, mesmo que esse sentido venha de Deus, da família, carreira ou riquezas. Todos estão buscando um sentido para suas vidas.

Albert Camus, escritor existencialista argelino, defende que qualquer tentativa de buscar sentido na vida é inútil, pois não é possível conhecê-lo:

Não sei se este mundo tem um sentido que o ultrapassa. Mas sei que não conheço esse sentido e que por ora me é impossível conhecê-lo.(…) E estas duas certezas, meu apetite pelo absoluto e pela unidade e a irredutibilidade deste mundo a um princípio racional e razoável, sei também que não posso conciliá-las. Que outra verdade poderia reconhecer sem mentir, sem apresentar uma esperança que não tenho e que não significa nada nos limites da minha condição? (2010, p. 63)

Não há sentido na vida, mas há o absurdo, que se caracteriza por uma profunda divisão entre o eu e o mundo, revelando toda a inutilidade do esforço humano em buscar um sentido para a sua vida, logo, a vida não possui sentido. Esse absurdo característico da vida seria uma certa estranheza quando o ser humano se depara com sua finitude.

O absurdo nasce desse confronto entre o apelo humano e o silêncio irracional do mundo.(…) O irracional, a nostalgia humana e o absurdo que surge de seu encontro, eis os três personagens do drama que deve necessariamente acabar com toda a lógica que uma existência é capaz.(CAMUS, 2010, p.41)

O absurdo surge da vida que não obedece nossa demanda por sentido(NAGEL,1971). É o grito sem resposta para a existência em meio ao sofrimento, sendo assim, para Camus, não adiantaria buscar sentido para a existência, o que deve ser feito é abraçar esse absurdo e encará-lo de forma irônica com algum sentido criado para a vida. Fazer o seu próprio sentido deve ser a única forma para viver, cada qual deve buscá-lo e viver da melhor maneira. Entretanto, se não há sentido, para que viver?

Camus, faz a seguinte provocação: “Só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia.”. (2010 p.17)

Segundo Camus, surgem três maneiras de encarar a vida. A tentativa de restabelecer a ordem anterior, o suicídio ou a superação do absurdo.Para Camus a forma correta de viver é tentar superar o absurdo e não sucumbir à morte. Deve-se enfrentar o absurdo e do seu confronto surgem três sentimentos que evitam o entregar-se ao suicídio: a revolta, a liberdade e a paixão (2010, p. 75). Camus rejeita a ideia do suicidio, pois, “cabe a nós ter consciência disso. Sentir o máximo possível sua vida, sua revolta, sua liberdade, é viver o máximo possível.” ( 2010, p. 74). Seus argumentos não são muito convincentes para aqueles que desejam acabar com a vida como aponta Nagel, “parece Camus pensar, ameaçando com o punho o mundo que é surdo aos nossos apelos, e continuando a viver apesar disso. Isto não elimina o absurdo das nossas vidas, mas dar-lhes-à uma certa nobreza.”(NAGEL,1971). Será que podemos encontrar argumentos mais fortes o bastante para não dar fim à vida?

Diferentemente do escritor argelino, Viktor Frankl acredita que há sim, um sentido na vida. Frankl foi um psiquiatra austríaco, fundador da escola de pensamento chamada logoterapia, popularmente conhecida como a terapia do sentido.

Frankl era psiquiatra quando foi capturado pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. Viveu cerca de três anos em vários campos de concentração, inclusive Auschwitz, lá perdeu pai, mãe, irmãos e esposa. Do inferno do campo de concentração, ao invés de rancor e ódio, conseguiu retirar a mais profunda esperança pela vida.

Frankl observou que a diferença entre aqueles que sobreviveram às condições sub-humanas dos campos de concentração, para os que sucumbiram, não estava diretamente relacionado à falta de comida ou à saúde precária, mas sim, para aqueles que encontravam sentido em meio ao sofrimento: “Nada proporciona melhor capacidade de superação e resistência aos problemas e dificuldades em geral do que a consciência de ter uma missão a cumprir na vida.”

A ideia que está por trás da logoterapia de Frankl, é a busca de sentido como principal motor da existência humana, nesse caso, há um sentido na vida e todo indivíduo pode encontrá-lo (FRANKL, 2018, p. 81). Para Frankl, as angústias da existência e o pretenso vazio seriam causados pela falta de sentido. A grande epidemia do homem contemporâneo é o vazio existencial(FRANKL,2018,p.151), por isso era fundamental para Frankl encontrar o motivo existencial de seus pacientes.

Frankl fazia a seguinte pergunta no primeiro encontro com seus pacientes: ““Por que você não comete suicídio?” (…). Eles replicavam que havia alguma coisa (quem sabe o seu trabalho, o casamento ou a família) que fazia a vida valer a pena para eles. E sobre isto Frankl se baseava para trabalhar com eles.”(STOTT,2005.p.256). O sofrimento para Frankl é uma vida sem sentido. Essa ideia fica explicita em uma de suas frases famosas, tirada de Nietzsche: “quando se sabe o porquê vive-se qualquer como”.

Sendo assim, não é o sofrimento que acaba com o ser humano, mas é a falta do porquê do sofrimento. Como diz Rubem Alves: “Não é a dor que desintegra a personalidade, mas a dissolução dos esquemas de sentido. Esta tem sido uma trágica conclusão das salas de tortura.”(2008,p.34). É o antigo mundo criado, que se desmorona com seu sentido que castiga o ser humano. Jó,deparado com o sofrimento aparentemente sem sentido questiona Deus:

Se pequei, que te farei, ó Guarda dos homens? Por que fizeste de mim um alvo para ti, para que a mim mesmo me seja pesado?
E por que não perdoas a minha transgressão, e não tiras a minha iniquidade? Porque agora me deitarei no pó, e de madrugada me buscarás, e não existirei mais.Jó 7:20,21

Jó foi massacrado pela aparente incoerência entre sua vida, pois era um homem justo, e o mal que o assolava, que deveria ser a paga daqueles que eram injustos. Esse mesmo modo de pensar faz com que muitos não aceitem a incoerência, injustiça e maldade do mundo. Se consideram bons demais para viver tal vida miserável. Essa condição inerente a todo ser humano, Frankl chamou de “tríade trágica”, ela consiste em: dor, culpa e morte.

O ser humano precisa encarar essas situações próprias da existência e saber “transformar o sofrimento numa conquista e numa realização humana, retirar da culpa a oportunidade de mudar a si mesmo para melhor e fazer da transitoriedade da vida um incentivo para realizar ações responsáveis.”(FRANKL, 2018,p.161)

Dizer sim à vida, apesar de tudo é o desafio, Frankl pressupõe a existência de sentido apesar de qualquer evento trágico, pois pressupõe a capacidade criativa humana de transformação dos eventos ruins em algo positivo. É através dessa capacidade, que qualquer pessoa pode extrair sentido de qualquer tipo de sofrimento.(2018.p.161)

Nesse caso, Frankl se difere dos existencialistas, como Camus, pois, para Frankl, não é possível alguém inventar seu próprio sentido da vida, pois ele está ao redor e a frente do indivíduo, sendo assim, o sentido não pode ser criado, mas pode ser encontrado por qualquer um, pois é uma tarefa única que não pode ser feita por ninguém além do próprio individuo.(2018.p.133). Na busca por sentido, ele é guiado por sua consciência, “Em uma palavra, a consciência é o órgão do sentido, é a capacidade de descobrir o sentido único e irreprodutível que se esconde em cada situação” (FRANKL, 1978, p. 19).

Esse sentido escondido está no futuro. Um alvo futuro deve ser posto para que o paciente possa-se orientar e retirar seu olhar do presente de sofrimento. Nas palavras de Frankl:

“A logoterapia se concentra mais no futuro, ou seja, nos sentidos a serem realizados pelo paciente em seu futuro. (…) Ao mesmo tempo a logoterapia tira do foco de atenção todas aquelas formações tipo círculo vicioso e mecanismos retroalimentadores que desempenham papel tão importante na criação de neuroses. Assim é quebrado o autocentrismo (self centerness) típico do neurótico, ao invés de se fomentá-lo e reforçá-lo constantemente.”(FRANKL,2018,p.123–124)

O pensamento é revolucionario, pois retira o peso do passado, proposto pela escola psicoanalítica e faz com que o indivíduo olhe para o futuro e para os esforços e desafios para alcançar “um objetivo que vale a pena, uma tarefa livremente escolhida”.(FRANKL.2018,p.129)

O exercício de olhar para o futuro e ver-se fora do estado de apatia é o que impulsiona o individuo para fora de sua zona de conforto.(FRANKL. 2018, p.129). Somente nesse olhar com esperança para o futuro, é possível sair da espiral de desespero. O Apostolo Paulo faz o mesmo exercício, quando afirma: “esquecendo-me das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão adiante, prossigo para o alvo, a fim de ganhar o prêmio do chamado celestial de Deus em Cristo Jesus.” Filipenses 3:13,14.

No olhar esperançoso para a glória eterna, o apostolo Paulo faz com que todo o sofrimento do aqui e agora seja preenchido pela esperança e alegria de viver no além e depois. Frankl pela esperança em reencontrar a esposa, sua fé e ter sua obra publicada enfrenta o sofrimento no mesmo lugar onde outros perderam tudo e encontra algo muito maior que o desespero, o amor, “o amor é o bem último e supremo que pode ser alcançado pela existência humana”(2018,p.55). Buscar um sentido maior para a vida, que o faça sair de si mesmo e o levar a um estágio de esperança futuro, mesmo sabendo da tragédia da existência é o objetivo humano. Essa força de viver deve ser retirada das vicissitudes da vida e faz com que o absurdo proposto por Camus seja vencido e a vida possa encontrar sentido.

REFERÊNCIAS:

ALVES, Rubem. O que é religião. São Paulo: Loyola,2008

CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Rio de Janeiro: Record, 2010.

FRANKL, Viktor E. Em Busca de Sentido: Um Psicólogo no Campo de Concentração. Petrópolis: Sinodal, Vozes, 2018.

FRANKL, Viktor. Fundamentos antropológicos da psicoterapia. Rio de Janeiro: Zahar,1978

NAGEL, Thomas. Mortal Questions. Cambridge:Cambridge Press,1979

STOTT, John. Ouça o espírito, ouça o mundo.São Paulo : ABU Editora, 2005.

PRIMEIRA PARTE:

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Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2