Cristão pode ser de direita ou de esquerda?

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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7 min readAug 2, 2018

Começar o ano com o pé direito ou esquerdo? 2018 é ano eleitoral e a guerra já foi instaurada. Bolsominions versus petralhas, coxinhas x mortadelas, direitas x esquerdas, consenso é algo improvável entre grupos bastante destintos. Nessa guerra ideológica, surge uma pergunta que gera tantas dúvidas, como um cristão deve portar-se em meio a opiniões e ideias tão diferentes? O cristão deve assumir um dos lados e lutar por ele com unhas e dentes ou omitir-se de suas responsabilidades como cidadão?

O cristão anda por uma corda-bamba, como um equilibrista que tenta caminhar pelo mundo, sem se apegar as coisas ao mesmo tempo em que deve se envolver com seu meio, um caminho difícil de ser trilhado, pois toda vez que o evangelho se misturou a cultura, ele acabou tornando-se parte dela, trazendo influências nos negócios, na política e em muitas áreas, entretanto, no processo liquefez-se, tornando-se somente aquilo que era sua mensagem secundaria. E por outro lado, quando o evangelho não se envolveu com a cultura, tornou-se inócuo, não trazendo benefícios à sociedade, o distanciando de sua realidade transformadora.

Um caso emblemático é o do estado do rio de janeiro, com o ex-governador, Anthony Garotinho, dito evangélico, acusado e condenado por compra de votos e outros crimes, ou do ex-bispo da universal, Marcelo Crivella, eleito pela maquina da IURD, que ainda não demonstrou saídas para o caos que vive a cidade, mas é contra o carnaval, fazendo com que não comparecesse a cerimonia de entrega das chaves da cidade ao rei Momo. O próprio bispo Macedo, que elegeu Crivella, utilizando-se da máquina financeira e politica de sua igreja, possui um plano de poder, elaborado no livro de mesmo nome.

Outro exemplo é a dita “bancada evangélica”, que somente luta por uma agenda moralista e não pelos benefícios da população em geral, nem aborda as denuncias graves feitas ao atual governo, em troca de leniências e favores para si e seus arraiais gospel. Na outra posição ideológica, encontram-se os chamados cristãos progressistas, que em prol de uma liberdade e igualdade, alinham-se a uma agenda marxista, pro-feminista, em favor da ideologia de gênero e do aborto. Apoiam ex-presidentes acusados de corrupção e ditadores latino-americanos. Todos os dois lados dizem lutar por um evangelho genuíno e relevante, entretanto, será que essa é a posição correta que um cristão deve ter?

Antônio Carlos Costa, em seu livro Teologia da Trincheira, afirma, “minha ideologia é cristã. Logo, não posso fechar com o marxismo, o neoliberalismo, a anarquia ou o autoritarismo.” A visão de Costa é de que devemos analisar esses pensamentos e ideologias, criticá-los, observar se são válidos a causa do evangelho, entendê-los e analisá-los. Sendo o evangelho esse balizador critico e não um limitador da visão do ser humano, pelo contrario, o expande, nas palavras de C.S Lewis, “Eu acredito no Cristianismo como acredito no brilho do sol, não simplesmente porque eu o veja, mas porque, através dele, posso ver todas as outras coisas”, entretanto, não é possível ao cristão ser um fiel lutador de ideologia a, b ou c. Não é possível, nas palavras de Jesus “servir a dois senhores; pois odiará um e amará o outro, ou será leal a um e desprezará o outro”(mt.6.24). O pensamento cristão é único e radical. Jesus diz

“não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. Pois vim causar divisão entre o filho e seu pai, entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra, assim os inimigos do homem serão os da sua própria casa. Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim, não é digno de mim; e aquele que não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim. O que acha a sua vida, perdê-la-á; mas o que perde a sua vida por minha causa, achá-la-á.” (mt.10:34–39)

Essa visão,má interpretada por grupos que a utilizaram como justificativa para atos violentos durante a história, não é de violência, basta ler todo o contexto para entendê-la, pelo contrario, ela é comportamental-ideológica. No momento em que Cristo torna-se o Senhor, ele requer que toda ideologia anterior se torne obsoleta à magnitude do evangelho.E essa mudança é tão radical que não é possível haver pensamentos contrários. Chesterton expressa essa radicalidade do pensamento de Cristo,

“ele chamou a si mesmo de espada da matança e pediu aos homens que comprassem espadas, mesmo que para isso tivessem de vender suas vestes. O fato de ele ter usado outras palavras ainda mais violentas em defesa da não-resistência aumenta grandemente o mistério; mas na melhor das hipóteses também aumenta bastante a violência. Nem podemos explicar isso chamando de insano esse tipo de ser, pois a insanidade é geralmente acompanhada de uma direção consistente. O maníaco é geralmente monomaníaco. Aqui precisamos nos lembrar da difícil definição de cristianismo que apresentei antes: o cristianismo é um paradoxo sobre-humano segundo o qual duas paixões opostas podem arder lado a lado. A única explicação da linguagem do evangelho que realmente o explica é aquela da visão panorâmica de alguém que contempla, de alguma altura sobrenatural, uma síntese ainda mais surpreendente.

Nessa radicalidade, Dietrich Bonhoffer, revela-se um dos exemplos de teologia que transborda em ação politica levada ao extremo, nas suas palavras,

Não lhe interessam razões psicológicas para explicar as decisões piedosas de um ser humano. Por que não? Porque para esta sequência de chamado e ação só existe uma razão válida: o próprio Jesus Cristo. É ele quem chama, e, por isso, o publicano o segue. Neste encontro é testemunhada a autoridade de Jesus, que é incondicional, imediata e sem explicações. Nada o precede e nada lhe segue senão a obediência da pessoa que foi chamada. O fato de Jesus ser o Cristo dá-lhe todo o poder para chamar e exigir obediência à sua palavra.

Ao invés de omitir-se de sua responsabilidade com o povo alemão, ele envolve-se no plano de assassinar Adolf Hitler e cria, em 1934, a Igreja Confessante, após a Igreja Alemã se subordinar à ideologia nazista. Sua posição é debatida, se foi correta ou não, entretanto, o que não pode ser descartado é que Bonhoffer foi fiel à mensagem que proclamava, não aliando-se ao governo nazista, o que levou-o a lutar pelo mal que atingia não somente a si, mas também os judeus e ao povo alemão, acarretando em sua morte pelo governo nazista.

Outro exemplo é Martin Luther King Jr., que pela segregação sofrida pelos negros em seu país, levanta-se contra seu governo em favor da justiça, iniciando um movimento de boicote ao transporte publico na cidade de Montgomery, culminando com a marcha à capital Washington, proclamando seu famoso discurso I have a dream. O que não agradou a todos, resultando em seu assassinato, entretanto, sua luta não foi em vão, pois, apenas alguns dias após seu assassinato, o congresso americano vota a favor do ato dos direitos civis, que proibia qualquer discriminação com relação a raça, origem ou religião.

Ambos, Bonhoffer e King, levaram sua mensagem ao extremo, culminando em seus assassinatos. Suas mensagens tiveram papel crucial em atingir toda a sociedade e não somente parte dela. O papel do cristão, pela radicalidade de sua mensagem, deve ser: Seguir a seu mestre indo onde for necessário. A radicalidade do evangelho não leva o cristão a matar seus inimigos, pelo contrario, torna-se alvo de sua maldade, “uma ovelha enviada a lobos”, mesmo sabendo que pode morrer, ele prossegue até as últimas consequências, levando a mensagem de amor de seu Senhor. O que se revela uma tarefa ingrata, pois deve proclamar está mensagem, mesmo sabendo que a paz suprema e o bem estar social universal, não podem ser atingidos nessa terra, mas foi esse sentido de missão que fez com que pessoas, organizações e até governos fossem transformados por verdadeiros homens e mulheres que foram obedientes a essa palavra e se preocuparam com o bem estar do próximo.

O evangelho deve ser benéfico a toda a população, não somente aos evangélicos, mas abranger todos os credos. Cristãos tem que votar e agir em prol de todos, e não somente de seu “gueto gospel”, devem buscar soluções e melhorias gerais e não particulares, não impondo suas regras de culto a outros grupos, e nem permitir que outros grupos imponham suas agendas sobre eles. Um jogo de tolerância deve ser travado, o que são as bases da democracia.

Nas palavras de Jesus ”o sol nasce para justos e injustos”, pretos e brancos, crentes e ateus, católicos e umbandistas. Sua força de transformação será sentida com maior intensidade por aqueles que professam a mesma fé, mas essa força, como o efeito de uma onda, atingirá aqueles que não têm as mesmas crenças ou a falta delas. Todos os matizes devem ser atingidos pela mensagem do evangelho.

Cristãos podem ser de direita ou esquerda? Não. Definitivamente não, nada deve ficar entre o cristão e seu Senhor. O cristão pode ser a favor das criticas marxistas ao capitalismo, mas não pode ser materialista e acreditar em uma utopia que nega o Divino. Deve acreditar e lutar pela paz e igualdade, mas não pode crer que elas serão atingidas plenamente por mãos humanas. Ao mesmo tempo, que pode ser a favor das premissas liberais de liberdade humana, econômica e de iniciativa, entretanto, não pode ser a favor de uma economia excludente ao mais necessitado, que massacra o pobre e o utiliza como mais um produto no jogo capitalista.

Subvertendo Protágoras, “Cristo é a medida de todas as coisas”, e é sobre Ele e sua palavra que devemos construir uma ética e um posicionamento politico e não pelo sistema religioso ou pelas agendas progressistas atuais.

BIBLIOGRAFIA:

COSTA,Antonio Carlos. Teologia da trincheira: Mundo Cristão, 2017.p.160

CHESTERTON,G.K. Ortodoxia: Campinas, Ecclesiae,2013.p.216–217

BONHOEFFER,Dietrich.Discipulado: São Leopoldo, Sinodal, 2007. p.20

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Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2