Depressão, de monstro à amiga — como conviver com ela?

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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10 min readMar 30, 2019

A depressão afeta mais de 300 milhões de pessoas no mundo. Depressão não são simples flutuações de humor normais ou as respostas aos desafios da vida cotidiana. A depressão além de se tornar um peso para quem possui tal doença, pode levar a uma resposta não adequada a dor — O suicídio. Cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos. O suicídio é a segunda principal causa de morte entre os jovens de 15 a 29 anos.[1] No Brasil são cerca de 5,8% da população sofre com esse problema, que afeta um total de 11,5 milhões de brasileiros. Segundo os dados da OMS(Organização Mundial da Saúde), o Brasil é o país com maior prevalência de depressão da América Latina e o segundo com maior prevalência nas Américas, ficando atrás somente dos Estados Unidos, que têm 5,9% de depressivos.[2]

Com estatísticas tão brutais, essa doença virou uma epidemia afetando o mundo inteiro e muitos têm buscado a solução final para acabar com a dor atentando contra a própria vida. O desafio é apesar dos dramas e tristezas do quotidiano, conseguir lidar com essas dificuldades e não perder as esperanças e achar que tirar a própria vida seria a única resposta possível para terminar com a dor.

Vivemos dias de um misto de não aceitação da tristeza, seja do menor sofrimento, e falta de habilidades para lidar com as frustrações da vida. Esse parece o coquetel mortal bebido por essa geração, que desaprendeu a criar ferramentas para suportar tais desafios comuns a todo ser humano. A depressão se tornou uma condição da vida contemporânea, não mais uma simples doença. Devido a dados alarmantes, viver se tornou um fardo, por isso, a meta atual é fazer com que a ideia de suicídio seja alongada por mais um dia, esperando que na criação da próxima droga, surja um medicamento milagroso que resolva todos os problemas e a doença seja curada. Mas e se não inventarem essa droga milagrosa, seria possível conviver com ela?

O que queremos sustentar aqui é de que a depressão tem tratamento e pode ser curada, mas ela pode também nunca ter cura, mas mesmo assim,poder ser suportada. Ela pode ser comparada a um amigo chato que vem visitar-nos algumas vezes ao ano, não dá para enxotá-lo para fora de casa, mas dá para tentar conviver com ele, até que ele se vá. O problema é saber quando ele vai aprontar as malas e partir. Mas ao mesmo tempo, sabendo que ele voltará em outra ocasião, talvez seja possível não viver a ansiedade de sua vinda, conseguir conviver com ele e quem sabe, passar até a gostar desse amigo indesejável.

Várias pessoas convivem e conviveram com o “demônio do meio-dia”. Uma em particular foi Charles Haddon Spurgeon. Spurgeon foi um grande pregador batista do século XIX, chamado de “Príncipe dos pregadores”. Sua depressão se iniciou quando em certa ocasião, ele pregava no famoso Templo Batista em Londres, e alguém gritou “Fogo”. Havia um grande público no dia e o pânico deixou sete mortos, vinte e oito feridos. Esse incidente assombrou Charles por longos anos e Charles, passou a carregar esse peso da culpa, aliado a uma “depressão sem causa”.

O interessante de colocá-lo como primeiro exemplo, é que ele mesmo sendo um pastor, fez questão de expor a sua condição à sua congregação e ter escrito isso em seus sermões. Ele, certa vez, falou em seu sermão: “Meu espírito estava tão afundado que eu podia chorar por horas como uma criança, e mesmo assim não saber pelo que eu chorava”[3].

Seus relatos ajudaram e ainda ajudam muitos cristãos que vivem com a mesma condição e se sentem estigmatizados por suas igrejas, seus líderes e por si mesmos, pois carregam o fardo da doença e ainda mais todo o preconceito que envolvem as “doenças da alma”.

Ser cristão não isenta das dores e frustrações da vida, muito menos da depressão. Muitos ​​cristãos estão lutando contra a depressão e, para muitos, parece uma luta sem fim. A Bíblia revela que a humanidade sofreu a tristeza e a depressão desde o começo. A depressão pode afetar qualquer pessoa,sejam ricos e pobres; crentes ou ateus. Muitos heróis da Bíblia como Davi, Moisés, Jó, Elias e até Nosso Senhor Jesus, passaram por momentos de tristeza. Considere Davi depois de ser perseguido por Saul por vários anos, habitando em lugares ermos e cavernas, mesmo quando tudo parecia em paz, pergunta: “Por que você está abatida, ó minha alma, e por que você te perturba dentro de mim?” (Salmo 42: 5). Em outras palavras, o que ele pergunta é: “Qual é o problema comigo? Por que estou me sentindo assim?

Elias é outro personagem que passou pelo vale da sombra da morte. Não podemos acusá-lo de falta de fé, pois ele teve um relacionamento íntimo com Deus e foi usado poderosamente por Ele. Muitas pessoas testemunharam a grandeza de Deus através do profeta. Elias encorajou muitas pessoas. Ajudou uma viúva e seu filho que estavam desanimados e só tinham comida suficiente para mais uma refeição. Elias disse à viúva que Deus proveria, e Ele o fez. Mais tarde, quando seu filho morreu, Elias pediu a Deus que o trouxesse de volta à vida, e Deus o fez. A esperança desta viúva foi restaurada através de Elias.

Elias fez muitas outras obras surpreendentes pelo poder de Deus, mas a Bíblia mostra que mesmo os grandes homens de Deus podem ser enganados pelas provações e desafios de viver o caminho de Deus em um mundo sob o domínio do mal. A história da queda de Elias em depressão é um exemplo disso.

Elias depois de ter derrotado os 400 profetas de Baal, é ameaçado pela Rainha Jezabel. Depois disso, ele se sentiu totalmente sozinho, vulnerável e sem esperança. Elias ficou sobrecarregado e queria desistir. Ninguém sabia que Elias estava deprimido. Mas Deus sabia.

Deus se aproximou de Elias e ele disse a Deus que estava fazendo o melhor que podia, mas foi tudo por nada. Elias disse a Deus que estava cansado e só queria desistir e morrer!

Deus então fez algo surpreendente. Primeiro fez uma demonstração do Seu poder. Mas logo depois, Ele consolou Elias conversando com ele em um sussurro gentil. Deus também disse a Elias que ele ainda tinha mais trabalho para fazer e que ele não estava sozinho. Deus mostrou a Elias que Ele era mais do que apenas um poderoso Deus, Ele também era um Deus compassivo que se importava. A esperança de Elias foi restaurada (1 Reis 19: 1-18)

Contudo, o maior dos exemplos de sofrimento extremo é o de Jesus, sendo retratado pelo profeta Isaías como o “servo sofredor “e como um “homem de dores e que sabia o que era padecer(Is.53). Jesus teve o sofrimento como companhia em sua breve vida terrena, mas foram nos momentos antecedentes à crucificação, no Jardim do Getsemani, que Ele sentiu “uma tristeza até a morte” e pede para que seus discípulos fiquem com ele(Mc.14.32–34), Jesus clama ao pai para que “afastasse o cálice do sofrimento se fosse possível”(Lc.22.42) e já na cruz Ele pergunta: “Deus meu, por que me abandonaste?”(Mt.27.46) Jesus soube o que era o sofrimento, o abandono e a tristeza profunda.

Por ter passado por todo esse sofrimento, o autor de Hebreus revela que: “não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; antes, foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado” (Hb 4.15). Sendo assim, nosso senhor Jesus se relaciona completamente com o depressivo, pois passou pelos sofrimentos mais terríveis que alguém poderia passar, mas seu sacrifício não foi em vão, pois, “Ele carregou sobre si as nossas dores”(Is.53.4), seu trabalho foi completo. Nele encontramos alivio para a alma abatida e o convite é feito a todo abatido de alma, “vinde a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados”(Mt.11.28).

Jesus além de ter passado pela depressão, é a solução para trazer alivio ao abatido de espirito. Nesta chamada, não está implícito a cura, não nesse mundo decaído, pois muitos cristãos convivem com tal doença e não estão curados dela, mas a promessa é que teremos um porto seguro em Cristo quando passarmos pelos vales da sombra da morte e a promessa de que no reino futuro, atingiremos a alegria plena quando estivermos juntos d’Ele.

Zack Eswine, autor do livro A Depressão de Spurgeon, trata da depressão a partir da experiência do “príncipe dos pregadores”, o autor aborda essa condição na perspectiva que ela pode não ir embora, mas mesmo assim, temos um presente dos céus, dado por Jesus, para nos sustentar nos momentos de tristeza:

Assim como um homem com asma ou uma mulher que nasceu muda provavelmente permanecerão dessa forma, embora amem Jesus, de igual maneira nosso transtorno mental e nossa inclinação à melancolia frequentemente continuam conosco também. A conversão a Jesus não é o céu, e sim a sua antecipação. Deste lado do paraíso, a graça nos assegura, contudo não nos cura em definitivo.[4]

Como uma deficiência ou uma limitação do corpo, como a falta de uma perna ou braço que se aprende a conviver, a depressão pode ser uma condição que irá acompanhá-lo pelo resto da vida, logo, desenvolver habilidades para conviver com ela é essencial. E é através da Graça, esse presente dado por Jesus através do Espírito Santo, que nos dá alivio em meio as tribulações, como dito pelo Apóstolo Paulo, que depois de pedir para que seu “espinho na carne” fosse retirado, tem a seguinte resposta: “a minha graça te basta”(2Co.12.2).

A graça é o suficiente para que vivamos nesse mundo decaído, mesmo sem uma cura total, é possível conviver com a depressão se soubermos aceitá-la e abraçá-la, pois Paulo completa falando: “ Por isso sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando estou fraco então sou forte.(2Co.12.10)

Paulo aprendeu como conviver em meio à tristeza, tendo a ousadia de se alegrar nela, pois encontrou no amor a Cristo o seu refúgio, onde sua fraqueza se torna uma fortaleza impenetrável. Por isso é necessário ter uma visão correta da doença e aprender a conviver com ela, como explica Eswine:

A depressão é melhor entendida enquanto “um tipo de artrite mental”. Diferente de outras aflições, ela nos infecta com uma paciência maligna. Frequentemente, nós que a sofremos não temos um resgate pronto ou imediato, próximo à costa de nossa ilha psíquica. Antes, devemos aprender as habilidades da graça necessárias para lá sobreviver e, assim, ajustar nossas vidas para o que significa prosperar dentro de suas condições.[5]

O autor também cria o termo esperança realista, que é um antídoto para lidar com a falta de perspectiva dada pela doença:

uma esperança realista nos ensina a reconhecer, desde o início, que nossa visão também é limitada para tentar explicar a depressão. Não há lugar para o orgulho aqui. A graça de uma história maior, ou de uma visão mais ampla do que este momento específico de escuridão, deve nos orientar.[6]

Essa esperança realista funciona como um aparelho de navegação de um avião em meio ao céu nublado. É necessário confiar nesse instrumento para levantar voo, romper as nuvens e avistar o céu ensolarado. Assim, devemos confiar em Cristo, mesmo não sentindo ou não vendo solução para as noites escuras da alma, crendo que o amanhecer logo chegará e tudo ficará bem.

Nas noites escuras da alma, a esperança se vai, e o que nos resta são as promessas descritas na palavra, somente elas que nos darão forças para suportar tal escuridão. Devemos clamar a Deus segundo suas promessas. São João da Cruz, frade carmelita espanhol do sec.XVI, fala sobre isso:

O termo “Noite Escura (da alma)” é usado no cristianismo para referir-se à crise espiritual na jornada rumo à união com Deus, como a que é descrita por São João da Cruz. Grosso modo, a crise consiste na ausência de Deus na vida daquele que crê. Tipicamente para um crente que se encontra na noite escura da alma, disciplinas espirituais como a prece e forte devoção a Deus, subitamente parecem perder todo o valor empírico; a prece tradicional passa a ser extremamente difícil e não gratificante por um longo período durante a noite escura. O indivíduo sente como se de repente Deus o tivesse abandonado ou como se sua vida de prece tivesse entrado em colapso.[7]

Nas noites escuras da alma, as crises de fé e tristeza abatem todo o cristão,por isso, devemos saber que nessa condição, a mente nos prega peças e temos impressões equivocadas sobre Deus, neste caso, é bom enfatizar, que a ausência do “sentir” Deus ou a dúvida com relação ao seu abandono, não é o mesmo que afirmar que Deus o tenha abandonado de fato. Logo, nessas noites escuras, não devemos ser levados por falsos sentimentos de abandono, pois nossas emoções e pensamentos estão confusos e achamos que verdadeiramente fomos deixados por Deus. Devemos sempre lembrar que não é a capacidade de sentir Deus o importante, pois, não são sentimentos sobre Cristo que salvam, mas Ele! Podemos não sentí-lO, mas devemos saber que ele prometeu estar conosco até o fim(Mt.28.20).

Ao invés de ficarmos arrasados por esses momentos que os sentimentos de abandono, tristeza e escuridão vêm sobre nós, devemos nos alegrar, pois pode ser uma verdadeira benção disfarçada. Nesses momentos, as nossas falsas concepções de Deus são lançadas por terra, sendo o verdadeiro amor a Deus que nos atrai, e não mais as pretensas bênçãos que poderíamos obter. Deixamos para trás todas as concepções erradas e nos apegamos as promessas de alivio para a alma no encontro com o verdadeiro Deus. Ele passa a ser o prêmio, não mais suas dádivas ou benesses.

Esse breve texto não é auto-ajuda, é uma ajuda para aquele que vive com tal condição da alma, seja o crente que luta com as crises de fé trazidas pela doença, ou o que não crê, mas que procura algum tipo de alívio com outra perspectiva sobre a doença. O importante é saber que a depressão pode não ir embora nunca, como aconteceu com Spurgeon, ou pode durar muitos anos. Mas, mesmo que ela não vá embora, você consiga conviver com essa “amiga” indesejada.

A depressão não pode ser somente “espiritualizada”, mas deve ser atacada de várias frentes, seja com exercícios físicos, medicamentos e profissionais da área, como psicólogos e psiquiatras. Nenhum tipo de tratamento pode ser descartado, mas o principal é saber que há um Deus que se compadece de seus filhos e deixou sua graça como alivio para as dores e sofrimentos nessa terra.

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Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2