Marcos 1- O início do ministério de Jesus

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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9 min readFeb 25, 2019

Marcos 1.1–15 -O batismo de fogo de Jesus

A expressão batismo de fogo surgiu nos tempos da Inquisição. Na opinião dos fanáticos, aqueles que não eram batizados de forma tradicional, deveriam ser condenados à fogueira, pois só assim seus pecados seriam redimidos. Alguns séculos depois, o sobrinho de Napoleão Bonaparte, Napoleão III, passou a usar a expressão, para falar dos soldados jovens que iam pra sua primeira guerra.[1] Jesus, como bom soldado, também teve seu batismo de fogo, sendo imerso no fogo da provação.

O ministério de Jesus revelou as boas novas para a humanidade, mas para ele foi a entrada no sofrimento. Seu percursor foi João Batista(v.2–3), o arauto real, a voz que anuncia o Rei, proclamando a chegada do filho de Deus e de seu reino. João Batista é também a ligação da velha aliança(VT) com a nova aliança(NT), Jesus. Diferentemente das roupas pomposas dos mensageiros reais, João veste-se como os antigos profetas que vieram do deserto, como é o caso de Elias. João mesmo com tamanho dever, se considerou menor do que um escravo, não considerando ser digno de desatar as sandálias de seu mestre.

João Batista só tinha a capacidade de batizar para arrependimento(v.7–8), mas viria aquele que batizaria com o espírito santo e fogo (mt.3.11). Na veia profética, herdada de Elias, João Batista exprime a ideia do Espírito Santo de duas formas, já que a palavra grega pneuma, além de significar espírito, também é vento. Na região do deserto, existia um tipo de vento que poderia atingir a velocidade de um furacão, chamado vento siroco. Esse vento santo e impetuoso que viria batizar e trazer juízo. E por fim, a grande missão de João Batista é confirmar o ministério de Jesus e “passar o bastão”, para aquele que era maior do que ele.

O Batismo e a tentação de Jesus 1.9–13

Após a apresentação de João Batista, Jesus entra em cena para ser batizado. Esse é o evento principal que nos é apresentado. Batismo significa imersão, ele é um ato de obediência que simboliza a fé do crente no Salvador crucificado, sepultado e ressuscitado, a morte do crente para o pecado, o sepultamento da vida antiga e a ressurreição, para andar em novidade de vida em Cristo Jesus, e um testemunho da fé do crente na ressurreição final dos mortos. Sendo assim, Jesus cumpre a lei, mesmo não possuindo pecado, mas se identificando com aqueles que haveria de salvar. É João o “Batizante” que cumpre o mandamento e batiza-o. Jesus passa pelas água, é ungido pelo espírito santo em forma de pomba e aprovado pelo pai, na célebre frase: “este é meu filho amado, em quem tenho prazer”(v.11). Depois dessa cena triunfal, ele já dá início ao seu teste de fogo e é jogado imediatamente pelo Espírito Santo no deserto para ser tentado por Satanás(v.12–13). Logo cedo começam os embates contra as forças demoníacas e Ele precisou começar ganhando no deserto. Divinamente aprovado e batizado pelo fogo da provação, após João ser preso, Jesus inicia de fato seu ministério. João saiu de cena como o último profeta e entrega o bastão para Jesus, o profeta definitivo.

A mensagem de Jesus acerca do Reino de Deus -1.14–15

Em sua primeira mensagem anuncia que o tempo foi cumprido (cheio, completo) e o seu Reino esta próximo. Essa afirmação tem um duplo sentido: “Ele já chegou” e “está chegando em breve” ou seja, Jesus como anúncio vivo do Reino de Deus, abrindo as cortinas que revelavam o favor de Deus para com os homens e também o fechar das cortinas, revelando a plenitude do Reino, quando haveria de retornar com poder e glória. A resposta ao anúncio da chegada do Reino é arrependimento e fé(v.15). A única atitude pela proximidade do reino, deve ser a esperança e o arrependimento, aguardando seu cumprimento completo com esperança, acompanhado pelo arrependimento de vida, que permite a mudança de mente e de caminho.

Convite aos primeiros apóstolos — 1.16–20

Jesus inicia seu ministério ao redor do Mar da Galileia, ali chama seus primeiros discípulos, os dois pares de irmãos: Simão e André; Tiago e João. *Podemos destacar alguns pontos que, além de interessantes, são importantes para a correta compreensão do texto:

1º — Os quatro estavam trabalhando. Fato que irá se repetir com os outros discípulos.

2º — Conforme a tradição judaica, eram os discípulos que escolhiam os seus mestres e não ao contrário.

3º — E por último, não era algo comum os filhos abandonarem seus pais.*

Para entender melhor essa aparente estranheza, precisamos entender o contexto do discipulado na época de Jesus:

Os meninos em Israel começavam a estudar a Torá aos 6 anos. A Torá era a lei de Moisés, o Pentateuco, os cinco primeiros livros da Bíblia: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Aos 10 anos, ao final do primeiro ciclo de estudos, chamado Beit Sefer (Casa do livro), esses meninos já haviam decorado a Torá. A partir daí alguns voltavam para casa e aprendiam o oficio da família, mas os que se destacavam continuavam num segundo estágio, o Beit Talmud (Casa do estudo). (…) Aos 12 anos já haviam decorado todas as Escrituras: os livros históricos, os livros poéticos, os livros de sabedoria, e todos os livros proféticos. [2]

Entre 14 e 15 anos, os talmidim, plural da palavra hebraica talmid, traduzida por discípulo, pediam a um rabino para ser seu discípulo, ele era testado e, caso fosse aprovado, entraria para o último estágio, a Beit Midrash (Casa da interpretação), e lá aprenderia sobre a interpretação dos rabinos a respeito da lei (midrash). Os jovens talmidim eram a elite intelectual de Israel, vinham de famílias ricas que poderiam sustentá-los durante seus estudos. Somente os melhores alunos atingiam tal nível, a maioria já havia voltado para casa de seus pais e aprendido sua profissão.

Cada rabino tinha sua maneira de interpretar a lei e esse conjunto de regras e interpretações era chamado de “o jugo do rabino”. Após um “estágio”, que variava de 30 dias a um ano, dependendo do rabino, o mesmo avaliava se aquele jovem possuía qualidades para aprender e levar adiante o seu “jugo”, se fosse aprovado o rabino diria: “Vem e me segue”, e esse menino deixaria seus familiares e amigos para trás para seguir ao seu mestre. [3][4]

Olhando para o contexto podemos entender por quê tal prontidão dos irmãos para seguir Jesus, eles não eram a elite intelectual de Jerusalém e muito menos os alunos mais brilhantes, mas foram escolhidos pelo Rabino Jesus. Esse fato revela a diferença entre o discipulado de Jesus e o dos outros rabinos, pois, não somos nós que o escolhemos, mas é ele que nos escolhe. É Jesus quem dita as regras, é ele que fala o que se deve fazer, não ao contrário. O chamado de Jesus é para que homens e mulheres coloquem inteiramente o que são e tudo o que têm debaixo do Reino de Deus. Jesus quer se relacionar conosco de forma pessoal e radical, partindo das profundas raízes do nosso ser, e isso requer exclusividade total.

O chamado foi feito para que os “pescadores de peixe” se transformassem em “Pescadores de homens”. Não podemos saber o que André e Simão entenderam com a expressão. Poderia ser uma forma de autoridade especial sobre a vida dos homens? Uma oportunidade única de ser um rabino no futuro? Uma chamada à aventura? Um trocadilho bem feito? Não sabemos. Só sabemos, de fato, que eles responderam de imediato e é isso que importa.

Nessa nova profissão seus pais não são mais valiosos, muito menos seu trabalho, nenhuma relação humana deve se interpor entre o mestre e seu discípulo. O abandono de tudo acompanha o chamado, pois tudo já é dele e a ele se dá totalmente. Essa exclusividade parece algum tipo de exagero ou uma ação movida por ciúmes, mas, na realidade, é simplesmente o apressar da ordem natural da perda. Em outras palavras, o que Jesus faz é retirar a ilusão de posse, pois acreditamos possuir pessoas e coisas, mas é Ele quem põe as coisas na ordem correta e faz com que vejamos a vida por outro ângulo, longe da ilusão de possuir algo. Portanto, a partir do chamado de Cristo, sabemos que não temos nada e que amanhã poderemos perder tudo, menos o chamado do mestre e a segurança da vida eterna.

Ensinamentos e o endemoniado de Cafarnaum 1.21–28

Depois da escolha dos primeiros discípulos, eles se dirigem para Cafarnaum e jesus vai ensinar na sinagoga, pois era sábado. Os ouvintes ficam maravilhados e não poderia ser de outra maneira, pois Jesus ensinava com autoridade, diferente dos escribas que sitavam outros mestres e não diretamente das escrituras e de si próprio como fazia Jesus. Seu ensinamento era maravilhoso porque falava das escrituras, como nenhum outro, fazendo aplicações diretas, não simplesmente citando outros rabis. E eis que no meio da reunião, aparece um endemoniado e é o primeiro a dizer: “És o santo de Deus!”, Jesus recusa a fama vinda desse convidado não desejado, manda calá-lo e repreende-o. O inferno parece saber mais do que as pessoas, quem era aquele homem. Depois disso sua fama cresce cada vez mais.

A sogra de Pedro e outras curas 29–34

Vemos aqui um padrão da atuação de Jesus, Ele manda calar os demônios e também aqueles que receberam o milagre. Parece que essa fama advinda dos feitos milagrosos não lhe é bem vista, seja pelo aumento da oposição, ou para sua identidade messiânica fosse revelada somente após sua ressurreição. Isso não importa, o interessante é Jesus querer ser conhecido de primeira mão, não por terceiros, encontros cara-a-cara fazem do ministério de Jesus algo único, Ele não necessita de fama, daqueles que não o conhecem verdadeiramente. Jesus não quer que as pessoas tenham informações sobre ele, mas sim, ser conhecido verdadeiramente!

Jesus se recolhe para orar 1.35–39

Depois do longo dia curando, ensinando e expulsando demônios, Jesus precisa se recolher ao Pai, sua intimidade com Ele, reflete na sua maneira de se relacionar com os homens, ou seja, Jesus está mais próximo dos homens, quando está mais próximo de Deus. Jesus precisava desse momento para reafirmar sua missão e se preparar. “É para isso que vim!”(v.38),declara Cristo, pois veio para pregar o evangelho. Seus milagres seguiam sua pregação, e não o contrário. A salvação é pela fé em Cristo Jesus trazida pela loucura da pregação, como declarado pelo Apóstolo Paulo(ICo.1.21), e não por tantos milagres que as pessoas possam ter visto ou recebido.

O maior dos milagres não é o externo, mas sim, citando Tiago Cavaco, é o milagre do coração. Deus faz esse grande milagre em nosso interior, mudando nosso coração, retirando os desejos pecaminosos e colocando sua vontade. Esse milagre é amadurecido pelas frustrações em não receber o que desejamos, dessa forma, pensamos ser Deus ruim, pois não concede o que queríamos. Mas, na verdade, Deus é realmente bom pois não dá o que nosso coração corrupto deseja. Jesus deixa claro na oração-modelo do Pai nosso: “Seja feita a tua vontade…”(mt.6.10). Esse é o alerta para sabermos qual é o motivo de nossas orações.

A cura do leproso 40–45

E por fim, o último milagre do capítulo, falávamos sobre o milagre do coração e o milagre exterior, parece que o leproso é o exemplo negativo, há somente uma cura exterior, isso fica evidente nas palavras usadas por Jesus no relato do encontro com esse homem.

O homem se humilha de joelhos para ser curado e Jesus, profundamente compadecido(sentindo em suas entranhas), o cura. Após o milagre, Jesus fica irado com o leproso e o expulsa de sua presença fazendo uma dura advertência para que ele fosse ao sacerdote, oferecesse sua oferta e não falasse aos outros. O homem não atende ao pedido de Jesus, e muito menos vai ao sacerdote. O ex-leproso fala tanto que Jesus não pode mais realizar a sua obra como queria, ao invés, tem que procurar lugares vazios. Sua ira tinha uma explicação plausível, era devido a atitude futura do homem. Ele havia sido curado, mas não transformado, o milagre não salvou o homem, somente a fé em Cristo Jesus pode ter tal poder. Essa fama traz muita gente e muita oposição o que continua no próximo capítulo.

BIBLIOGRAFIA:

[1]Batismo de fogo.https://www.gramatica.net.br/origem-das-palavras/origem-da-expressao-batismo-de-fogo/

[2]KIVITZ,Ed. Talmidim(livro eletrônico),2012

[3] BELL,Rob. 08 Dust Legendado.https://www.youtube.com/watch?v=B9TTdj9AWg0

[4] SILVA, Rodrigo, Educação nos dias de Cristo. https://noticias.adventistas.org/pt/coluna/rodrigo-silva/educacao-nos-dias-de-cristo/

Cavaco, Tiago.O 2º Sermão do livro Milagres no Coração em 2 minutos e meio: https://www.youtube.com/watch?v=yNnoGoQaERE

Diversos Autores, Comentário Bíblico Pentecostal Novo Testamento, 2015

LADD,George, TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO,2009

ESV GLOBAL STUDY BIBLE,2012

BARKLEY, William. Evangelho de Marcos. (ebook)

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Thiago Holanda Dantas
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Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2